Remanescentes de duplas do sertanejo-raiz, Milionário e Marciano se juntam em nova formação

Sertanejos seguem cantando os hits imutáveis dos corações partidos

por Cecília Emiliana 01/05/2016 09:19

FERNANDO HIRO/DIVULGAÇÃO
Os cantores Milionário e Marciano, que se juntaram numa nova dupla, durante a gravação do DVD Lendas (foto: FERNANDO HIRO/DIVULGAÇÃO)

Ainda ontem choravam de saudades milhões de fãs do sertanejo clássico, também conhecido como new sertanejo – o estilo que, por volta dos anos 1970, “gourmetizou” a figura do jeca, cobrindo-o de botas de couro, calças justas e camisas xadrezes. Ok: ainda hoje tais fãs continuam aos prantos e assim permanecerão, dado que o tom melodramático é marca registrada do gênero, verdadeira ode à fossa, à dor de cotovelo, à navalha (para cortar os pulsos), e ao Rivotril.

A choradeira de que aqui se fala, contudo, não diz respeito às dores decorrentes do fim dos relacionamentos amorosos que tantos curtem expurgar ouvindo um bom modão caipira, mas do término de duas uniões lendárias, que marcaram um dos primeiros banhos de urbanidade que a indústria fonográfica deu nos Mazzaropis da viola, a fim de torná-los palatáveis aos consumidores do asfalto: João Mineiro & Marciano e Milionário & José Rico.

A primeira dupla acabou em 1991, com a separação conflituosa dos artistas, após 16 anos de estrada. Marciano seguiu carreira solo e João Mineiro continuou trabalhando com outro parceiro, que adotou o nome artístico “Mariano”. O público? Também seguiu em frente, mas foi sonhando com a reconciliação dos veteranos, até ver enterradas suas esperanças em março de 2012, com a morte de João Mineiro. Já Milionário & José Rico prosseguiram juntos e ativos até março de 2015, quando, após 45 anos de carreira, 29 discos gravados e 35 milhões de cópias vendidas, faleceu José Rico.

 

Ainda bem que, quase tão poderoso quanto a morte, é o showbiz. E, assim, para a alegria dos fãs dos ícones sertanejos, ainda em outubro do ano passado nasceu a dupla Milionário & Marciano, pelo toque estratégico e endinheirado da FS Produções Artísticas, empreendimento dos astros Fernando & Sorocaba.

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A dupla Milionário & José Rico, em registro de 1981. Parceria se desfez em 2015, com a morte de José Rico (foto: ARQUIVO EM)

PACTO “O Sorocaba nos chamou para uma reunião um dia, no escritório dele. Não demoramos muito para topar a ideia, mas ficamos um tempo sem falar nada para ninguém, fizemos um pacto de sigilo. Só que, pouco depois, a notícia vazou, aí não teve jeito mais de esconder!”, conta Marciano, entre sonoras risadas. Como se ele mesmo, aliás, acreditasse na “casualidade” do vazamento desse tipo de informação no metiê artístico, em que fofoca é publicidade gratuita.

O pontapé da empreitada foi dado no dia 10 deste mês, com o lançamento da turnê Lendas, homônima do DVD, recém-chegado ao mercado. O primeiro show do tour, que vai rodar o país inteiro, foi realizado em Ituporanga, no interior de Santa Catarina, durante a 23ª Expofeira Nacional da Cebola. Os 25 mil presentes, garantem os cantores, sabiam de cor quase todo o setlist, composto por 10 sucessos da carreira de cada um – como Seu amor ainda é tudo, Ainda ontem, A carta, e Estrada da vida – além de uma inédita (a faixa O localizador), que eles esperam emplacar em breve.

“Do início ao fim, o show foi muito pra cima. Esse e o da gravação do DVD, que foi em novembro. E o mais impressionante é que o público era muito diverso, tinha muitos jovens, que também nos acompanhavam em todas as músicas”, comemora Marciano. Inicialmente temoroso em relação a uma possível rejeição da plateia, Milionário agora é puro contentamento. “A gente, quando perde o parceiro, fica muito perdido. E eu fiquei meio apreensivo com a reação que o Brasil ia ter ao nos ver numa nova formação. Porque as antigas eram muito amadas. Mas todo mundo já aceitou e já pegou a ideia!”, celebra.
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A dupla João Mineiro & Marciano, em 1990. No ano seguinte, desentendimentos levaram à separação (foto: ARQUIVO EM)

NOSTALGIA Difícil mesmo é que a ideia não pegasse, já que, como há muito sacaram os barões do entretenimento, toda receita cujo ingrediente principal é nostalgia raramente desanda. O que pode ser mais certeiro, no fim das contas, do que servir ao freguês exatamente o que ele pede – nesse caso, direta e ardentemente? E foi sem economizar em capricho que a produção dos célebres caipiras pôs a mesa. Ou melhor: armou o circo.

A direção artística dos espetáculos e do DVD é assinada por Marcos Frota, e trouxe cenários inspirados no universo circense, onde tanto Milionário como Marciano começaram a se apresentar, cerca de 45 anos atrás. “Temos muito respeito pelo circo. Os artistas populares todos devem muito a ele. Nossos shows eram parte das atrações realizadas ali. Quando acabava um número, cantava uma dupla. A gente cantava no picadeiro com a bota suja de esterco de boi, vaca”, relembra, bem-humorado, Milionário.

Não passa em branco ainda a quem assiste o vídeo a reverência demonstrada por diversas gerações de agroboys aos veteranos em questão. Em meio às 4 mil pessoas contadas na plateia pela produção durante a gravação do DVD, observa-se, por exemplo, a presença de estrelas como Gian & Giovani e César Menotti & Fabiano, visivelmente emocionados. Lágrimas de gratidão e respeito àqueles que lhes serviram de referência e, sobretudo, abriram-lhes caminho para os ouvidos e os cofres das metrópoles do Sudeste.

Companheirismo

 

Romeu Januário de Matos, o Milionário, tem 75 anos e, ao que parece, não teme envelhecer. Quando questionado pela reportagem do Estado de Minas sobre sua idade, arrendondou-a logo para 76 (primavera que ele completará em julho). Como bom mineiro (nasceu em Monte Santo, no Sul do estado) é agradável e simples na prosa. Além de artista, foi ainda pedreiro, garçom e pintor de parede.


Milionário não acompanha muito de perto as redes sociais – como o Facebook, onde a página da dupla que formou com Marciano já acumula perto de 10 mil fãs –, mas é bem conectado ao “zap zap”, que é como ele chama o aplicativo de troca de mensagens instantâneas mais popular do mundo, o Whatsapp.

José Marciano (sim, ele adotou o sobrenome como nome artístico) é um pouco mais apegado à juventude. Desconversa quando o assunto é sua data de nascimento, mas sem perder a simpatia. “Tenho vergonha de falar! Artista não tem idade! Mas está na internet, pode jogar lá que você acha! Mas dizer, eu não digo”, brinca. Ainda que sem intenção de cometer indelicadeza, quebraremos aqui o frágil mistério, visto que é para com o leitor o primeiro compromisso de lealdade do jornalismo: o paulista de Bauru, conhecido no mundo da música como “o inimitável”, é um jovem senhor de 65 anos.

A quem quiser saber se o casamento profissional vai bem eles mandam dizer que sim, obrigado. “O Milionário é muito bom de lidar. Eu até gostava muito de cantar sozinho. Dupla, às vezes, gera muito desgaste, mas o Milionário é muito bom companheiro. Além disso, a segunda voz dele encaixa muito bem com a minha”, elogia Marciano. O ex-colega de José Rico também é pródigo em adjetivos: “Nós já tínhamos uma convivência anterior, já éramos amigos. Nos conhecemos ainda no início da carreira cantando em comícios no Paraná. Então a gente se dá bem, sim”, afirma.

Os cifrões envolvidos na parceria, que já rendeu 70 shows fechados até o momento, possivelmente fortalecem a amizade. Quanto vale o cachê, entretanto, nem a dupla, nem a FS Produções informaram à reportagem. Mas se o entusiasmo expresso pelos músicos com os novos planos é um bom termômetro, os dígitos envolvidos são certamente bem generosos, suficientes para que os dois mantenham suas violas e fãs chorando as incuráveis e derramadas dores de amar por um bom tempo.

SEGREDO IRREVELÁVEL Impossível conversar com Marciano e não tentar desvendar o enigma que, há pelo menos 25 anos, atormenta os que acompanham sua carreira: qual foi, afinal, o motivo que fez com que ele e João Mineiro, em 1991, decidissem seguir caminhos diferentes, quando estavam no auge do sucesso?

Impossível também foi obter a resposta. Sobre esse tema, o sertanejo escorrega sem dar a menor pista. E, ao contrário da idade do cantor, as razões que explicam o fim da parceria que vendeu 25 milhões de cópias não se encontram na web – exceto sob a forma de boatos e especulações não confirmadas. O falecido ex-companheiro de Marciano levou o segredo para o túmulo. Tudo indica que “o inimitável” fará o mesmo.

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