- Foto: Leo Aversa / Divulgacao Do lado de fora do Teatro Tom Jobim, no Jardim Botânico, no Rio, em meio ao verde dos arredores, duas garotas se aproximam timidamente de Marisa Monte. Uma mais sem graça que a outra. Pedem por uma foto com a cantora. Aos 48 anos, a carioca é prestativa, responde ao chamado das meninas e se despede. Marisa é daquelas artistas pontuais, que fazem questão de não deixar ninguém à sua espera.
Ela entra pela antessala do teatro, toda decorada com a arte do seu novo trabalho,
Coleção, um disco no qual ela reúne 13 canções que registrou para projetos paralelos, trilhas sonoras de filmes e discos de outros artistas que não integrassem a sua discografia, formada por sete álbuns de estúdio, lançados ao longo de quase 30 anos de carreira.
Por todos os lados, há Marisa. Trata-se de uma pintura do rosto da cantora que estampa a capa de
Coleção.
Um retrato pintado pelo artista italiano Francesco Clemente, cuja carreira inclui colaborações com nomes tais quais Andy Warhol e Jean-Michel Basquiat, durante os anos 1980. Depois de alguns encontros, em um de muitos cafés, Marisa aceitou ser retratada por ele.
Numa manhã de 2007, em Nova York, foi ao ateliê de Clemente. Chegou cedo, para que o artista pudesse aproveitar a luz natural da manhã. O resultado, uma imagem singela de Marisa com os cabelos presos e uma tiara na cabeça, um vestido esvoaçante, com um fundo neutro, que, invariavelmente faz a artista voltar no tempo, para aquelas horas nas quais ela testemunhava o processo criativo do artista de Nápoles. Uma boa lembrança escolhida para ilustrar o cartão de visitas para 13 outros pedaços de memória afetiva de Marisa Monte.
- Foto: Reprodução Facebook
BAÚ Seja em CD, vinil, quem sabe até fita cassete. Nos últimos três anos, enquanto ainda estava em turnê com seu mais recente disco de estúdio,
O que você quer saber de verdade, de 2011, contudo, ela passou a mergulhar em seus arquivos analógicos para digitalizar toda a obra produzida em quase 30 anos de carreira – marca a ser completada em 2017. Em meio a esse processo de revisitação de catálogo, a artista foi constantemente arrebatada por histórias do passado, principalmente aquelas cujo registro nunca fora incluído em um álbum da sua carreira principal. Chegou a gravações como de
Alta Noite, criada e cantada com a voz grave de Arnaldo Antunes, com quem ela se reencontrou inúmeras vezes durante a carreira.
A versão, gravada em fita de duas polegadas, saiu no disco do ex-Titãs, chamado
Nome, de 1993, e havia sido produzida por João Donato. Era o começo da caminhada de ambos, que chegou ao seu auge comercial com
Os Tribalistas, acompanhados ainda por Carlinhos Brown. Ao querer dividir com os fãs um momento como aquele, tão marcante e, ao mesmo tempo, tão esquecido pelo período pré-era digital da música, ela compreendeu uma forma de entregar o último disco que devia em contrato para a gravadora EMI (hoje absorvida pela major Universal Music).
No seu contrato firmado há 15 anos, a artista deveria lançar uma coletânea. Uma ideia que, até hoje, não lhe agradou muito. “Era para ser um best of”, ela diz. “E sempre evitei isso. Não queria que, depois de dois álbuns, já tivesse uma coletânea. Depois de tantos anos de carreira, talvez fizesse sentido. Em contrapartida, no mundo digital, as pessoas podem criar suas playlists e fazer um best of de acordo com o seu gosto. Se fosse para fazer algo com um sentido mais comercial, era só procurar as músicas mais baixadas. Me envolvi na ideia de criar uma curadoria, um olhar pessoal, com critérios subjetivos, e criar uma narrativa.”
OUÇA O DISCO AQUI PELO SPOTIFY
Assim, ergue-se
Coleção, o novo trabalho de Marisa que chega às prateleiras (e aos indispensáveis serviços digitais) nesta sexta (29). Não se trata de um best of ou uma coletânea de lados B.
Coleção é uma colcha de retalhos, sem qualquer sentido pejorativo, da obra dela fora de sua discografia, cujo resultado complementa a artista que se conhece por meio dos discos de estúdio.
Estão ali canções como
Nu com a minha música, uma regravação da canção de Caetano Veloso criada ao lado de Rodrigo Amarante (do Los Hermanos) e o parceiro dele, Devendra Banhart, para o projeto Red Hot %2b Rio 2, lançado em 2011. O fato de Marisa receber ligações de amigos, com cumprimentos e curiosidades a respeito da “música inédita”, lhe mostrou que essa e outras composições que acabaram em trilha de filme, caso de
Cama (no filme
Era Uma Vez, de Breno Silveira, de 2008), ou discos dos outros, tal qual
É doce morrer no mar (canção de Dorival Caymmi e Jorge Amado, registrada ao lado da cantora de Cabo Verde Cesária Évora no disco dela de 1999), eram partes importantes da trajetória artística. E precisavam ser reunidas às “primas” que integravam os sete discos oficiais.
O trabalho registra as boas parcerias de Marisa ao longo desse tempo que acabaram por esbarrar na carreira solo dela. Estão ali ainda artistas como Carminho, Paulinho da Viola, Argemiro Patrocínio, Julieta Venegas e a Velha Guarda da Portela. Não há previsões para uma turnê com a reunião desse repertório. Por enquanto, segue no que ela chama de “turnê das férias”, com shows mais íntimos, nos quais ela leva apenas quatro músicos consigo, sem telão de fundo, para chegar a lugares mais distantes. “Sempre me considerei uma boa parceria”, ela diz. Aquela gravação com Arnaldo Antunes comprova a teoria. “Estava no começo. Estava procurando a minha turma.”
Um problema que a versão 2016 de Marisa Monte já não tem. Sua turma já está mais do que estabelecida. E um disco novo está nos planos? “Tenho composto muito”, diz. “Mas não sei ainda como vou fazer. Se lançarei um álbum ou se serão de três em três canções, até que elas formem esse disco. Não sei, a linguagem digital libertou muito a gente.”.