As letras são as de antes – Lá vem a baiana, Só louco, Vatapá –, mas a sonoridade, apesar de não ser exatamente moderna, sugere alguma atualização. A sonoridade é resultado do trabalho de todos os envolvidos, é claro, mas é o baixo de Di Lullo, produtor do disco ao lado de Lancellotti, o responsável por boa parte dessa sensação. Ele tem o timbre e a pegada que podem ser encontrados no pop e indie nacionais de hoje: não é aquele acompanhamento aveludado, nem retilíneo. E agrada muito.
Para além disso, há o vozeirão de Danilo, que também toca flauta, a bateria de Lancellotti e as participações de Pedro Sá (violão), Berna Ceppas (vocoder e samples), Sílvia Braga (harpa) e Cláudio Andrade (teclado), entre outros. A mistura benfeita de composições clássicas e talentos contemporâneos evidencia a vitalidade do repertório de Dorival Caymmi, cujo centenário foi comemorado em 2014.
Além de outras canções emblemáticas do baiano, como O que é que a baiana tem?, Dora e Nem eu, foi pinçada para este álbum uma inédita dele, Don Don, inusitada parceria com Assis Chateaubriand. Trata-se de samba leve, inspirado na rotina de pescador e que chega a lembrar a forma das canções de trabalho – aquelas entoadas enquanto se realizam as tarefas do cotidiano. Eis os versos finais: “Joguei minha rede / Na praia de Itacuruçá / A caçamba virou / Por que você não vem me ajudar?”.
Há que se destacar, ainda, as acertadas participações das cantoras Ana Cláudia Lomelino, em Nunca mais, e Alice Caymmi (filha de Danilo) em Canção da noiva. São registros de finalidades opostas, visto que a performance da primeira empresta doçura e delicadeza e a da segunda, drama e dor. Não por acaso, Ana Cláudia é vocalista da banda carioca Tono, da qual Di Lullo é um dos membros, ao lado de Bem Gil (filho de Gilberto Gil) e Rafael Rocha.
Mais um
Com o título de 'Foru quatro Tiradente na Conjuração Baiana' (Acari), chega à praça disco que reúne letras de Mário Lago musicadas por Dori Caymmi, filho do meio de Dorival. São 14 faixas baseadas em textos escritos nos anos 1970 para peça que tratava de quatro jovens negros baianos que, no fim do século 18, queriam instaurar a República e escreviam cartas para articular o movimento conhecido como Conjuração Baiana, mas terminaram enforcados – e a peça foi censurada pela ditadura militar.
Dori, violonista e cantor, musicou a obra dois anos atrás, convidado para a tarefa pelos filhos de Lago. Ele assinou os arranjos e levou para o estúdio músicos do quilate de Teco Cardoso (flautas) e Rodolfo Stroeter (baixo), além das vozes de Monica Salmaso, Renato Braz, Sergio Santos e Joyce Moreno. Como resultado, um disco de sonoridade 100% brasileira, calcado na percussão e que mantém a poesia de Lago em primeiro plano por meio de vozes diversas. .