Caixa de discos de Ivan Lins recupera parte de sua produção nos anos 1970

Projeto, que marca os 70 anos do artista, comemorados ano passado, inclui dois álbuns ao vivo e um com demos, todos com gravações inéditas

por Agência Estado 03/04/2016 17:03
EMI-Odeon/Reprodução
Foto usada na capa do LP 'Nos dias de hoje', que marcou a carreira de Ivan Lins nos anos 1970 (foto: EMI-Odeon/Reprodução)
Seis anos antes de emplacar o tema de abertura do seriado Malu Mulher (1979), Ivan Lins decidiu começar de novo. Em 1973, deixou a Phonogram, gravadora pela qual se lançou com grande sucesso, passando por um “processo doloroso de desalienação pessoal e política”. Queria demolir a persona pop que despontou em festivais, logo absorvida pela TV Globo no programa Som Livre exportação, apresentado ao lado de Elis Regina. Com o lançamento do álbum Chama acesa (1975), em que sedimentou a parceria com o letrista Vítor Martins, ele estabeleceu um estilo mais próximo do jazz, até hoje presente em sua obra, em contraponto à influência inicial da soul music.


A caixa Ivan Lins – Anos 70 documenta essa metamorfose por meio de gravações inéditas. Três CDs formam o pacote, dois deles com shows feitos em Curitiba e São José do Rio Preto, em 1975. O outro tem demos de 1978. O material, guardado no acervo particular de Ivan, foi digitalizado pelo produtor Marcelo Fróes e chega às lojas a tempo de celebrar os 70 anos do artista, completados em 2015.


Registros ao vivo de Ivan ao lado do Modo Livre, grupo formado por Gilson Peranzzetta (teclados), Fred Barbosa (baixo), Ricardo Pontes (sopros) e João Cortez (bateria), nunca chegaram ao mercado, o que valoriza a caixa. Os músicos tiveram um papel fundamental na sonoridade forjada por Ivan a partir dali. “Ensaiávamos muito. No estilo do Gilson, com muitas convenções instrumentais. Tem que se levar em consideração a presença dele, músico que já vinha de um contexto jazzístico forte. Essa foi minha primeira turnê com ele”, relembra Ivan.


No repertório das apresentações, Madalena e O amor é o meu país, canções que o revelaram, não eram prioridade. Ele e o grupo queriam tocar composições recentes. Abre alas, primeira parceria da grife Ivan-Vítor, e Deixa eu dizer, com Ronaldo Monteiro de Souza, foram os sucessos da época. Ambas são políticas. Porém, nessas versões ao vivo, é possível observá-las por um outro prisma. Fica claro que Ivan também as usou como um grito de libertação pessoal e artística para um público disposto a ouvir o que ele tinha a dizer de novo. Chega, uma das poucas composições com letra sua e também presente no projeto, é ainda mais contundente, especialmente nos versos finais: “As pessoas têm que gostar de mim como eu sou/ e não como você quer que eu seja”.


O recado soa premonitório. Ivan revela que os shows ocorreram enquanto ele travava um embate com a RCA, gravadora que o havia contratado há pouco tempo. Os diretores da companhia não gostaram do solo de gaita de Maurício Einhorn em Abre alas, gravada no disco Modo Livre (1974). “Alegavam que o Maurício desafinava e dava notas erradas. Aí senti que estava na gravadora errada. Fiz Chama acesa cheio de notas 'erradas' e 'desafinadas' para que eles me liberassem.” A turnê passava por várias cidades enquanto ele preparava o disco, testando o repertório ao vivo.


Enquanto rodava o Brasil, Ivan fazia e falava o que podia. “Agora eu vou cantar pra vocês três músicas inéditas que, eu espero, se deixarem, vão entrar no meu próximo LP”, diz ele no show de Curitiba, antes de Nesse botequim, Corpos e Lenda do Carmo. "Eu fazia esse tipo de comentário e outros mais em todos os shows. Quando deixavam, claro. Nessa época havia uma forte censura. E eu estava precisando desabafar”, conta Ivan.


Apesar das tensões no ar, Ivan Lins está à vontade no palco. Revela suas vontades – “Seria maravilhoso ouvir o pessoal cantando essa música no carnaval”, diz ele sobre Demônio de guarda – e conta histórias sobre as composições. Ele também expressa sua admiração por Zé Kétti, cantando Opinião sob a harmonia de sua Não há porquê e Acender as velas.

 

 

Demos
O CD com demos já o flagra em outro momento, após o lançamento de Somos todos iguais nesta noite (1977). Ele se mostra bom intérprete de músicas alheias acompanhado apenas por seu piano. Uma delas é O amor em paz, refletindo suas semelhanças com Tom Jobim.Além de temas instrumentais inéditos, Ivan toma de volta para si As minhas leis. Gravada
por Jair Rodrigues em 1974, a música nunca foi registrada oficialmente em disco por seu autor. O álbum fecha com três músicas cantadas por Lucinha Lins, sua mulher na época. Desalento e Eu preciso de silêncio foram gravadas, respectivamente, por Claudette Soares e Clara Nunes. Esse pássaro chamado tempo foi lançada pela própria Lucinha em raro compacto de 1974.

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