A caixa Ivan Lins – Anos 70 documenta essa metamorfose por meio de gravações inéditas. Três CDs formam o pacote, dois deles com shows feitos em Curitiba e São José do Rio Preto, em 1975. O outro tem demos de 1978. O material, guardado no acervo particular de Ivan, foi digitalizado pelo produtor Marcelo Fróes e chega às lojas a tempo de celebrar os 70 anos do artista, completados em 2015.
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No repertório das apresentações, Madalena e O amor é o meu país, canções que o revelaram, não eram prioridade. Ele e o grupo queriam tocar composições recentes. Abre alas, primeira parceria da grife Ivan-Vítor, e Deixa eu dizer, com Ronaldo Monteiro de Souza, foram os sucessos da época. Ambas são políticas. Porém, nessas versões ao vivo, é possível observá-las por um outro prisma. Fica claro que Ivan também as usou como um grito de libertação pessoal e artística para um público disposto a ouvir o que ele tinha a dizer de novo. Chega, uma das poucas composições com letra sua e também presente no projeto, é ainda mais contundente, especialmente nos versos finais: “As pessoas têm que gostar de mim como eu sou/ e não como você quer que eu seja”.
O recado soa premonitório. Ivan revela que os shows ocorreram enquanto ele travava um embate com a RCA, gravadora que o havia contratado há pouco tempo. Os diretores da companhia não gostaram do solo de gaita de Maurício Einhorn em Abre alas, gravada no disco Modo Livre (1974). “Alegavam que o Maurício desafinava e dava notas erradas. Aí senti que estava na gravadora errada. Fiz Chama acesa cheio de notas 'erradas' e 'desafinadas' para que eles me liberassem.” A turnê passava por várias cidades enquanto ele preparava o disco, testando o repertório ao vivo.
Enquanto rodava o Brasil, Ivan fazia e falava o que podia. “Agora eu vou cantar pra vocês três músicas inéditas que, eu espero, se deixarem, vão entrar no meu próximo LP”, diz ele no show de Curitiba, antes de Nesse botequim, Corpos e Lenda do Carmo. "Eu fazia esse tipo de comentário e outros mais em todos os shows. Quando deixavam, claro. Nessa época havia uma forte censura. E eu estava precisando desabafar”, conta Ivan.
Apesar das tensões no ar, Ivan Lins está à vontade no palco. Revela suas vontades – “Seria maravilhoso ouvir o pessoal cantando essa música no carnaval”, diz ele sobre Demônio de guarda – e conta histórias sobre as composições. Ele também expressa sua admiração por Zé Kétti, cantando Opinião sob a harmonia de sua Não há porquê e Acender as velas.
Demos
O CD com demos já o flagra em outro momento, após o lançamento de Somos todos iguais nesta noite (1977). Ele se mostra bom intérprete de músicas alheias acompanhado apenas por seu piano. Uma delas é O amor em paz, refletindo suas semelhanças com Tom Jobim.Além de temas instrumentais inéditos, Ivan toma de volta para si As minhas leis. Gravada
por Jair Rodrigues em 1974, a música nunca foi registrada oficialmente em disco por seu autor. O álbum fecha com três músicas cantadas por Lucinha Lins, sua mulher na época. Desalento e Eu preciso de silêncio foram gravadas, respectivamente, por Claudette Soares e Clara Nunes. Esse pássaro chamado tempo foi lançada pela própria Lucinha em raro compacto de 1974.