Os caranguejos visitavam as casas e os quintais dos moradores da Rua Girassol. Na casa 83, morava o garoto Francisco de Assis França, em Rio Doce, Olinda. Caçula entre os quatro filhos de Dona Rita e Seu Francisco, nasceu há exatos 50 anos, no dia 13 de março de 1966. Veio ao mundo no Hospital dos Evangélicos, na Jaqueira. Da maternidade, Chico foi levado de barco, nos braços da mãe, para a casa da família, em Santo Amaro. "Tinha táxi na frente da maternidade, mas não peguei. Atravessei o rio com ele no barco e peguei o táxi no outro lado. Acho que foi uma intuição divina", revela Dona Rita, saudosa e cheia de orgulho, entre fotografias, vinis e objetos guardados do filho, morto em trágico acidente de carro no dia 2 de fevereiro de 1997.
A relação de Francisco com os manguezais e o fascínio pelo complexo ecossistema escolhido para batizar o movimento musical liderado por ele floresceram em Rio Doce, para onde se mudou aos 4 anos. Ao fim da rua onde morava, os garotos brincavam de catar caranguejo para comer ou arrecadar dinheiro para festas. Asmático, ia escondido da mãe, o dia inteiro à máquina de costura, apesar da proibição. "Ele tinha os amigos de andar de bicicleta, brincar no mangue, pião, perna de pau, bola de gude, carrinho de rolimã. Ele era um garoto levado. Era mais livre, porque os caçulas são mais soltos", revela a irmã Goretti França, 54 anos, com quem Chico morava quando morreu.
Apaixonado por cinema, levava para casa recortes de película de filme recolhidos ao fim das sessões no Cine São Luiz, na Boa Vista. A família era toda amante da música. O pai tocava tamborim amadoramente e gostava das “músicas de antigamente”. Os irmãos mais velhos apreciavam MPB nordestina, como Alceu Valença, Fagner, Novos Baianos. A Chico, cabia introduzir em casa novos sons. O ecletismo conduzia as descobertas, impulsionadas pelas revistas especializadas como a Bis, compradas no aeroporto, único ponto de vendas: black music, hip hop, jazz, blues e punk estavam entre os gêneros prediletos.
Poucas semanas depois, Chico incorporou a batucada da Lamento Negro à sonoridade punk da Loustal, apesar do estranhamento inicial provocado nos integrantes, de ambos os lados. Os ensaios eram guiados pelo improviso e pela fusão dos ritmos. Mesmo com parco domínio dos instrumentos, conduzia os arranjos com batuques e sons emitidos com a boca. A alcunha Chico Science foi adotada sob inspiração do apelido de um tio sabichão do jornalista Renato L, segundo o próprio "ministro da comunicação" do movimento manguebeat, do qual foi ícone absoluto. A justificativa surgiu depois, conduzida pela alquimia intuitiva para misturar rock às sonoridades de afoxés, caboclinhos, escolas de samba e maracatus. Inspirado pelo legado histórico de Zumbi dos Palmares - ícones como Josué de Castro e Mestre Salustiano também foram reverenciados nas letras -, surgiu o nome da banda com a qual marcou a música brasileira: Chico Science & Nação Zumbi.