“No final de 2014, ouvi no rádio uma gravação ao vivo minha e não foi algo bom. No registro ao vivo, a gente está ali, histérico”, reclama o artista. Em parte motivado por isso, o novo disco foi gravado entre 2014 e o ano passado, com produção do baixista de sua banda, Eneias Xavier. São 12 faixas, sendo Onde Deus possa me ouvir (outro sucesso que estava só em Ao vivo), Pensei que fosse o céu e Alma nua algumas delas. Todas são assinadas por ele, exceto Idos janeiros, feita com Flávio Venturini.
A exemplo do que fez em Loa, seu disco anterior, Lee utilizou a estratégia de lançar antes um EP. O objetivo, explica, não é apenas oferecer aperitivo ao público: “É um jeito de tentar destacar as músicas de trabalho e mostrá-las melhor para as rádios.
No caso do trabalho que apresenta hoje, ele o classifica como continuação de Loa. “Acho que eles são discos que se completam. Loa tem músicas mais curtas, enquanto o novo conta com músicas mais longas, como um lago de águas calmas. No geral, acho que as músicas ganharam leveza”, afirma. A banda é a mesma de antes, formada por Eneias, Matheus Barbosa (guitarra e violão), Christiano Caldas (teclado) e Ramon Braga (bateria). Entre as participações especiais no disco, destaque para o baixista norte-americano John Patitucci.
Mirando no ano que vem, quando vai comemorar as duas décadas de lançamento de seu disco de estreia, também intitulado Vander Lee, o artista anuncia gravação de DVD com seleção de canções de seus últimos quatro discos. Será o terceiro registro em vídeo da sua carreira. “Minhas músicas passaram a circular bem mais depois que comecei a fazer DVDs. Também quero fazer mais clipes, pois gostei muito dos que fiz na época de Loa”, diz.
Os benefícios da maturidade
Kiko Ferreira
Com o tempo, passamos a contar as piadas com pausas, pensamos melhor antes de dar opiniões, inserimos silêncios estratégicos entre as falas, aprendemos a selecionar melhor os momentos de arroubos e reflexões. Enfim, a fazer uma revisão constante de riscos, manifestações de desejos e intenções. O mais recente disco de Vander Lee soa como um momento em que o artista olha para seus 19 anos de carreira e passa um filtro de maturidade no repertório e no estilo de interpretar, criar e recriar.
Além do ótimo time de músicos, a segura direção musical do baixista Eneias Xavier contribui para esse misto de solidez e equilíbrio, com arranjos bem-estruturados, eficiente escolha de timbres e de músicos convidados. E aqui, claro, não é possível deixar de destacar a presença de John Patitucci, uma estrela do jazz jogando para o time.
O baixista mineiro tem encontro anual com o colega americano para troca de informações. No último, sugeriu que o fã de Milton e Toninho Horta gravasse a música de Vander Lee. E ele dá oportunas contribuições em duas faixas.
O clima de arrumação, de passada a limpo e revisitação de uma obra extensa e sólida combinou com a chegada dos 50 anos de vida e com a pegada mais cool e equilibrada dos discos mais recentes. Daí que o que era para ser um trabalho quase doméstico, no melhor sentido da palavra, ganhou reação surpreendente dos fãs e até das rádios, que passaram a executar a certeira releitura de Esperando aviões.
O clássico da solidão da espera nas salas de aeroporto perdeu um pouco de dor e ficou mais melancólico, sem perder o tônus. Na mesma linha de raciocínio, pode-se dizer que Onde deus possa me ouvir ganhou maior densidade e força, enquanto Pensei que fosse o céu, em que o personagem esquece a alma num hotel, soa menos épica e mais individual. Por outro lado, o Vander Lee mais pop e rock, mais raro, surge eficiente em Nada por nada, em que a proposta de trocar um caminhão de rancor por uma noite estrelada soa quase leve, quase solta. O cão feliz e o bem-te-vi revela a porção jazzy, com o quarteto de cordas de volta ao estúdio, mais uma vez com felicidade.
Em resumo, do Vander Lee do primeiro disco, mostrando talento mas ainda sem estilo marcado, ao Vander Lee de agora, passando pelo cronista romântico e bem-humorado, o autor de hits (no melhor sentido da palavra) e o inquieto caçador de esmeraldas que devem ser levadas em conta estão todos aqui, de alma nua e coragem para o risco. Salve o compositor popular!
Vander Lee
Show de lançamento do nono disco de Vander Lee. Hoje, às 21h, no Grande Teatro do Palácio das Artes (Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro). Ingressos: plateia 1 (R$ 100, inteira, e R$ 50, meia-entrada), plateia 2 (R$ 80, inteira, e R$ 40) e plateia superior (R$ 60, inteira, e R$ 30, meia-entrada), à venda na bilheteria, pelo site www.ingresso.com e pelo telefone (31) 4003-2330.