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Biscoito fino

Luiz Tatit lança seu sexto disco, 'Palavras e sonhos', recheado de parcerias

Em 13 faixas, entre inéditas e outras gravadas por outros artistas, compositor apresenta fox, balada, toada, reggae e outras levadas

Kiko Ferreira
Pra ter fom-fom, Luiz Tatit trabalhou, trabalhou.
Pesquisador, professor, compositor, violonista, cantor de voz pequena e confortável, o mestre maior do grupo Rumo e pedra das mais sólidas da geração chamada de Vanguarda Paulista chega ao sexto disco mantendo o estilo que vem burilando desde os anos 1980. Especialista na semiótica da canção popular e dissecador das diversas narrativas da música brasileira, soa confortável e inspirado em Palavras e sonhos.


À vontade com um grupo de músicos e cantores/cantoras que inclui o filho e produtor Jonas Tatit, passa por sua melhor intérprete, Ná Ozzetti, e chega a nomes respeitados pelas novas gerações, como Marcelo Jeneci, Juçara Marçal, Fábio Tagliaferri e Lenna Bahule. Em 13 faixas, entre inéditas e outras gravadas por outros artistas, apresenta um conjunto variado de músicas que, entre fox, balada, toada, reggae e outras levadas oferece biscoitos finos a quem gosta de seu estilo, ou se arrisca como novato na tarefa de apreciar sua arte recheada de detalhes, surpresas e achados poéticos e musicais.

Falamos em inspirar? É só ouvir a faixa de abertura, Mais útil, em que as personalidades aparentemente antagônicas (ou complementares?) das personagens Palmira e Elvira oferecem elementos para tratar do eterno dilema entre suspiração e inspiração. Logo depois, a suingada Diva Silva Reis apresenta uma diva brasileiríssima, com nome e sobrenome, numa vibrante levada, com a cantora moçambicana Lenna Bahule vitaminando a mistura.

Com nome inspirado no Noel Rosa da década de 1930, Feitiço da fila põe o amor nas filas de hoje em dia, e Das flores e das dores elenca mulheres com nomes de flores e suas características. Fosse outro autor, menos hábil, seria banal. Mas Tatit consegue soar crível. E incrível.

MUSA
Já gravada por Ná Ozzetti, Musa da música é ágil parceria afro-brasileira com Dante Ozzetti, com Juçara Marçal e Lenna Bahule esquentando a chapa.

Com doçura. Tratando de outro objeto (sujeito?) de inspiração, Musa cruza é sobre a musa madura, que cruza as pernas e inspira tantos que já causou ciúme. Já a intimista Estrela cruel, escrita e interpretada com Marcelo Jeneci, tem o piano do parceiro e as vozes dos dois no que pode soar, perdoem os puristas, uma balada jobiniana.

Sentidos recuperados (aqui pode ser dada uma pausa antes de seguir a audição), a infalível Ná Ozzzeti assume Planeta e borboleta e cria um conjunto de vozes mais que adequados a uma reflexão sobre o ato de fazer música: “canto pra alguém responder/ canto pra alguém ou ninguém/ depende do dia na nossa cidade/ dia em que dá pra se ouvir/dia em que o dom de iludir/ e a realidade”.

Feita com Vanessa Bumagny, Do meu jeito leva jeito de grupo Rumo, com personagem oscilando entre dizer sim com intenção de dizer não. E vice-versa: “digo não mas o sim não demora/ digo não bem baixinho pra dentro/ mas o sim sai bem alto pra fora”.

Na reta final temos a toada Tristeza do Zé, parceria com Zé Miguel Wisnik que recupera a sensação da tristeza, “que é de todo mundo e de ninguém”, da música caipira de antes de fazer o cursinho pré-universitário. Com Arthur Nestrovski, Tatit divide a autoria de Matusalém, sobre longevidade e sabedoria, em que o personagem sente que envelhecer faz bem e, em vez de morrer, cria a vida eterna.

Da eternidade ele vai para os desejos e as querências em Quantos desejos, com belas cordas desenhadas por Fábio Tagliaferri dando ar de permanência à reflexão. A faixa encerra com uma brincadeira aparentemente destoante da letra: “se estou feliz nesse momento/ vou confessar/ foi sem querer/ querendo”. Para fechar, Palavras e sonhos trata dos dilemas eternos de quem escreve, entre as escolhas de letras, palavras, sílabas, sonhos e gente que não sabe que é dona do sonho. Mas que o poeta, como o artesão de letras e notas Luiz Tatit, sabe como muito bem traduzir.

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