Chiquito Braga olha para o próprio braço e diz: “Chego a arrepiar”. A lembrança que vem à mente do violonista mineiro, que completará 80 anos em março, é do tempo de criança, quando morava no Bairro Pedro II, em Belo Horizonte. Pontualmente, às 18h, o padre da igreja vizinha costumava colocar Pavane, uma das mais belas composições de Maurice Ravel, para tocar. “Ficava louco ouvindo aquilo”, conta. Pode parecer improvável, mas eis aí o nascimento do violão mineiro moderno, aquele tão elogiado por sua sofisticação harmônica.
Braga, o “pai da criança”, explica: “Ouvia muita música clássica. Aliás, antigamente, as rádios daqui de BH só tocavam música boa. Foi então que comecei a fazer essa escola de violão diferente. Tinha uns acordes de orquestra que queria fazer no violão.
A tal técnica, que nem ganhou nome, ele imagina ter criado aos 20 anos. Na época, um de seus amigos era Paulo Horta, irmão mais velho de Toninho Horta, que viria a se tornar ícone dessa estética. “Todo sábado, ia à casa deles. A gente ficava tocando e o Toninho por perto, ainda aprendendo uns acordezinhos. Ele foi se interessando e vendo que o violão tinha muitos recursos. Até hoje, fala que dei essa luz a ele. Mas Toninho é um músico pronto, que criou estilo próprio a partir desses acordes meus.”
Outros violonistas e guitarristas mineiros, como Juarez Moreira, adotaram o estilo. O nome acabou ficando escola mineira de violão moderno – um tanto formal para algo que surgiu e se alastrou informalmente. A riqueza e a complexidade harmônica daquilo que os instrumentistas passaram a tocar se tornou marca registrada da produção do estado, projetando Minas no cenário nacional. Não demorou para que gente de longe passasse a prestar atenção àquela música. O guitarrista norte-americano Pat Metheny é um ótimo exemplo.
“Violão mineiro é um troço raro, ninguém toca como o pessoal daqui.
SEM MÉTODO Ao longo das últimas sete décadas, o violonista nem sequer cogitou escrever livro para registrar suas ideias estéticas ou sistematizá-las num método. Não por acaso, nem professor de música ele teve. Aprendeu praticamente sozinho. O pai tocava bandolim e um dos irmãos, violão. Começou aos 3 anos, imitando acordes no cavaquinho.
Chiquito acompanhou artistas que vinham do Rio de Janeiro e São Paulo se apresentar em BH, tocou com grupos de artistas locais, como Célio Balona e Aécio Flávio, animou bailes, integrou regionais de programas de rádio e televisão.
“Todos os cantores que se apresentavam comigo na TV Itacolomi diziam que tinha de ir para o Rio”, lembra. Foi o multi-instrumentista e compositor Moacir Santos, numa de suas vindas a BH, que o convenceu a se mudar, em 1966. No Rio de Janeiro, tornou-se professor do mineiro por dois anos.
“O estudo com Moacir Santos foi muito bom. Aprendi muito sobre instrumentação e escrever para orquestra sinfônica”, explica Braga. Entre os primeiros amigos que fez por lá, estavam Eumir Deodato e Maurício Einhorn, que ajudaram a encontrar alunos de violão para que ele começasse a ganhar dinheiro. Com o tempo, as portas da MPB se abriram. Ele tocou com Elizeth Cardoso, Tim Maia, Gal Costa, Maria Bethânia, Maysa, Caetano Veloso, Wilson Simonal, Fafá de Belém, Taiguara e Tito Madi. Curiosamente, não participou de nenhum disco de artistas ligados ao Clube da Esquina.
ESTREIA Mesmo com tanta experiência e seu estilo único de tocar violão, Chiquito Braga só passou a se dedicar com mais afinco à composição nos últimos 10 anos. Ouvir um tema que ele tenha composto é missão das mais difíceis, pois, além de não ter gravado disco solo, poucos registraram peças suas – entre eles, estão o grupo vocal Os Cariocas e Tito Madi. Essa situação preocupou amigos e a mulher, Denise Marun, que finalmente conseguiram convencê-lo a entrar em estúdio.
A palavra é mesmo esta: convencer. “Nunca quis gravar. Não sei o porquê, pois tempo eu tinha. As gravadoras me ofereciam oportunidades, inclusive o Roberto Menescal, que foi diretor de uma delas. Ficava enrolando eles”, brinca. Finalmente, em outubro do ano passado, foi iniciada a gravação das 10 faixas do disco solo de estreia de Braga, ainda sem nome. Ele é acompanhado por Rafael Vernet (piano), Kiko Freitas (bateria) e pelos baixistas João Batista e Christian Gálvez.
No álbum, ele toca quase apenas guitarra – a Gibson SG Custom comprada em Nova York, nos Estados Unidos, quatro décadas atrás. “Tem muito improviso nesse disco”, adianta Braga. Atualmente, o trabalho está em fase de mixagem e não há previsão de lançamento. “Talvez este ano”, despista ele, íntimo de programas de computador voltados para músicos. Além de não ter pressa alguma, o violonista reuniu vários filmes, balés e óperas para assistir ao lado da mulher. E ainda estuda violão diariamente.