Pelo 15º ano consecutivo, Naná Vasconcelos abre hoje o carnaval do Recife

Ele vai liderar um cortejo de maracatus e caboclinhos, duas expressões da miscigenação brasileira

por Ana Clara Brant 05/02/2016 10:00

João Rogério Filho/Divulgação
João Rogério Filho/Divulgação (foto: João Rogério Filho/Divulgação)
Carnaval de 1951. Sítio novo, bairro localizado entre Olinda e Recife. O pequeno Juvenal Vasconcelos, mais conhecido como Naná, tinha apenas 7 anos, e estava quase dormindo quando escutou um barulho ensurdecedor. O som era tão forte, mesmo vindo de longe, que o menino achou que era trovão. “Só que o telhado lá de casa era de zinco e não estava fazendo nenhum ruído. Foi assim que me dei conta de que aquilo não era chuva. Fui perguntar pra minha mãe o que era e ela respondeu: ‘Isso é maracatu, meu filho’. Não teve jeito, e ela teve que me levar para ver aquilo. Fiquei fascinado. É a primeira lembrança que tenho do carnaval”, conta Naná Vasconcelos, de 71 anos, eleito oito vezes o melhor percussionista do mundo.

Hoje, o artista completa 15 anos abrindo uma das folias mais animadas e democráticas do país, a do Recife. Como faz desde 2001, ele comanda um cortejo com várias nações de maracatu, uma manifestação cultural da música folclórica pernambucana afro-brasileira. São cerca de 500 batuqueiros que seguem até o Marco Zero, onde ocorre a tradicional cerimônia que anuncia o início da festa na capital de Pernambuco. Neste ano, o músico preparou uma novidade: quatro nações de caboclinhos – dança folclórica executada por grupos fantasiados de índios que, com vistosos cocares, adornos de pena na cinta e nos tornozelos, representam cenas de caça e combate – que vão participar pela primeira vez do evento. “O maracatu já é consolidado e sempre faz sucesso. Então achei que era hora de dar visibilidade e ajudar outras manifestações da nossa cultura. Os caboclinhos são lindos, exuberantes, e nunca tiveram muita atenção. Devem ser exaltados e lembrados porque fazem parte da riqueza e da cultura brasileira, sobretudo da pernambucana”, comenta.

Desde 6 de janeiro, Naná está visitando cada um dos maracatus e caboclinhos da cidade, além de ensaiar com eles. É um compromisso do qual não abre mão. “Acho importante estar lá, conversar, entender o que se passa com eles. Em algumas dessas visitas, até o prefeito (Geraldo Júlio – PSB) tem estado presente”, revela Naná, mostrando que não houve nenhuma desavença com a prefeitura local com relação ao carnaval, como foi noticiado por alguns veículos de comunicação de Pernambuco. Em meados de janeiro, o percussionista não foi convidado para participar da coletiva de imprensa anunciando as atrações dos festejos de Momo. “Foi um mal-entendido. O prefeito não tem nada a ver com essa história. Isso foi coisa de assessoria de imprensa, que estava querendo deixar o maracatu meio de lado porque eles se destacam bastante. Mas já está tudo resolvido”, assegura.

A programação do primeiro dia da folia traz outros convidados, como Lenine, Chico César, Elba Ramalho e a cantora e compositora portuguesa, com ascendência cabo-verdiana, Sara Tavares. Naná acredita que a abertura do carnaval recifense já virou espetáculo à parte que mostra um pouco da miscigenação não só do Nordeste como do Brasil. “Porque logo depois desse evento já é carnaval e fica tudo meio igual, não tem muita novidade. Mas na abertura tem essa variação de ritmos, de artistas, de cores e sons”, observa.

LIBERDADE Para o artista, a folia no Recife é a mais democrática e livre do Brasil e tem conseguido, ao longo dos anos, se consolidar como uma festa não comercial. O músico vê isso como positivo por um lado, pois praticamente todo mundo consegue pular e se divertir durante esse período sem pagar nada. No entanto, Naná aponta alguns percalços para viabilizar a festa, já que a verba do poder público e os patrocínios são limitados. “O fato de ser tudo de graça é maravilhoso, mas essa coisa de não ter camarote e abadá, ainda mais num momento como esse de crise, algumas coisas tiveram que ser cortadas ou mesmo reaproveitadas, como no caso de algumas fantasias, porque não tinha dinheiro. Mas acho que o povo entende e o importante é brincar”, preconiza. O exemplo dos festejos na capital pernambucana foi seguido por outros lugares. Naná Vasconcelos celebra que nas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e, recentemente, Belo Horizonte, a volta dos blocos de rua veio com força total. “É muito bonito ver essa festa popular se disseminando por todo canto. Sem falar no resgate das marchinhas e de outras músicas tradicionais carnavalescas”, ressalta.

Geralmente, depois de marcar presença na abertura da folia o artista segue com a família para uma temporada de descanso, já no sábado de carnaval, em sua casa de praia em Tamandaré, litoral de Pernambuco. Mas, em 2016, seus planos mudaram. Ele vai se apresentar junto com o seu grupo Batucafro no Rec-Beat. O festival ocorre durante a folia e tem como marca o inusitado e o experimental e propõe encontro da tradição com novas tendências. Na terça-feira, Naná segue para Rio Negrinho, interior catarinense, para participar de um outro festival, o Psicodália, dedicado à world music.

 

Filme de Papel / Divulgação
Naná Vasconcelos participou da trilha sonora do filme 'O menino e o mundo' (foto: Filme de Papel / Divulgação)
O MENINO E O MUNDO Fã de carteirinha de Naná Vasconcelos, não é de hoje que o diretor paulista Alê Abreu alimentava a vontade de ter o pernambucano na trilha de seus filmes. Agora, com O menino e o mundo, que disputa o Oscar de melhor animação, ele realizou seu desejo. Naná faz participação especial ao lado de Emicida, Barbatuques e Grupo Experimental de Música (GEM) nas composições criadas por Gustavo Kurlat e Ruben Feffer. “O menino e o mundo foi um projeto para o qual fui convidado, pois o Alê Abreu conhecia bem o meu trabalho e queria que eu fizesse uma costura ligando todas as participações dos grupos que já tinham gravado para contribuir na trilha do filme. A minha personalidade musical pode ser vista nele e fez com que eu conectasse diferentes mundos. Tudo foi realizado com muito amor e de corpo e alma, como tudo que faço”, salienta.

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