Sob esse aspecto, Estratosférica deve méritos ao antecessor Recanto, disco de 2011 que reviveu a Gal Costa das apresentações catárticas, com ênfase no repertório inédito. Segundo ela, os dois álbuns têm em comum “a estranheza” – o último, porém, valoriza um som mais acessível. “Recanto é mais radical, mas neste momento queria fazer algo mais palatável, porém igualmente ousado”, detalha ela.
LUZ Gravações ainda mais esquecidas ganham luz nas duas horas do show Estratosférica. Arara, entregue a Gal por Lulu Santos no mediano Lua de mel como o diabo gosta (1987), prova-se mais potente com a vocalista aos 70 anos do que na versão original.
Outro possível tesouro, portanto, pode ser Namorinho de portão, de Tom Zé. Do primeiro álbum de Gal, lançado em 1969, a faixa fala ainda mais perto à nova geração por causa de um cover da banda Penélope, que fez sucesso no comecinho dos anos 2000. “Essa galera jovem é tudo de bom”, ela comemora. “O show propõe revisitar o passado, um olhar para o presente e também para o futuro”, acrescenta.
O interesse por aquilo que faz a cabeça dos mais novos é o guia absoluto de Estratosférica, o álbum. O tom de novidade se estende ao espetáculo porque a maioria das faixas chega ao palco com parcerias entre diferentes gerações que se equiparam à inquietude da intérprete.
A faixa-título, assinada por Céu, Pupillo e Junio Barreto, em breve será lançada como segundo single do trabalho, sucedendo a Quando você olha pra ela, de Mallu Magalhães, a caçula do time de compositores.
GAL COSTA
Show Estratosférica. Hoje, às 22h. Sesc Palladium, Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro. Inteira: R$ 130, R$ 160 e R$ 200.
Em 1968, Gal se juntou a Jorge Benjor e Os Mutantes no programa Divino, maravilhoso, apresentado por Gilberto Gil e Caetano Veloso na TV Tupi. A atração levava o nome da canção que ela defendeu no Festival da Música Popular Brasileira, naquele mesmo ano. Recém-chegada ao mercado no fim da década, a musa da Tropicália teve tempo de lançar dois álbuns e concretizar o espetáculo psicodélico Gal! (1969).
Gal Costa entrou nos anos 1970 com o show Fa-Tal, atração fixa de um teatro em Copacabana, no Rio de Janeiro.
O amadurecimento da artista se refletiu em um som mais pop e menos desafiador. São dos anos 1980 os hits dela mais executados em rádios e trilhas de novela, como Meu bem meu mal, Canta Brasil, Sorte e Brasil. Nos palcos, entretanto, Gal não se acomodou ao gosto radiofônico: montou espetáculos de forte personalidade, como o regionalista Festa do interior (1981) e Profana (1984), esse marcado pelo tom socialmente engajado da canção Vaca profana, de Caetano.
ANOS 1990 — FELINA
Aos 48 anos, Gal Costa entrava em cena com gestos felinos no show O sorriso do gato de Alice (1994), álbum formado por faixas assinadas por Gil, Caetano, Jorge Benjor e Djavan. Com vocais no ponto exato entre talento e técnica, a cantora exibia o melhor preparo físico em toda a carreira. A turnê impactou o país por seu momento topless – depois de cantar Brasil, Gal exibia os seios e seguia com eles à mostra por boa parte do repertório. Foi a sua última empreitada com veia autoral naquela década, que seria marcada por concertos em homenagem a grandes nomes da MPB e repertório limitado por regravações.
No início do século 21, Gal se voltou para o cancioneiro tradicional, revisitando Dorival Caymmi e Haroldo Barbosa, entre outros, além de autores contemporâneos como Arnaldo Antunes e Carlos Rennó. Chegou a flertar com sonoridades mais atuais em Hoje (2005), gravando faixas de compositores pouco conhecidos e um dueto com o congolês Lokua Kanza. Virou mãe ao adotar Gabriel, de 2 anos. Afastou-se dos palcos depois da turnê desse álbum e só voltou na década seguinte.
Em sua volta aos estúdios e palcos, Gal não poderia ser mais imprevisível. Presenteada com um álbum concebido por Caetano Veloso, a baiana descortinou novas possibilidades de sua voz em Recanto, disco sombrio e experimental. A turnê ressuscitou a intérprete de grandes momentos, com releituras eletrônicas para clássicos da carreira. Foi um projeto de estranhamento para antigos fãs e um convite para jovens ouvintes, o que se reforçou em Estratosférica, sequência mais popular do CD anterior.