Pouso Alegre – “Quero deixar claro que '1977' foi a segunda música que fiz com meus amigos (Marcelo) Bonfá e Renato (Russo). A primeira foi 'Ainda é cedo'. Então, essa questão para mim é realmente uma grande surpresa, de alguém ter registrado a música em 2003. Era uma música que a gente nunca gravou, enfim. O que sobrou vão ser 18 faixas, que são incríveis e o público merece, independentemente dessa pendenga com essas pessoas. O disco vai sair.”
A afirmação de Dado Villa-Lobos ao Estado de Minas foi feita pouco antes da meia-noite da última sexta-feira. Depois de terminar de passar o som, às 22h, no Espaço Pavan, em Pouso Alegre, ele e Bonfá, seu companheiro de Legião Urbana, mais os músicos que os acompanham na turnê comemorativa dos 30 anos do álbum de estreia da banda – André Frateschi (voz), Lucas Vasconcellos (guitarra), Mauro Berman (baixo) e Roberto Pollo (teclados) – saíram rapidamente para jantar.
Não poderiam demorar muito, já que o primeiro show em Minas Gerais dessa turnê (que começou no último dia 23 de outubro, em Santos), ainda que marcado para as 22h, tem que começar por volta da meia-noite. No interior, ao contrário da capital, os eventos de música só têm início na madrugada, algo que os músicos estão descobrindo agora.
Na chegada ao local, um galpão de concreto nos arredores da cidade do Sul do Estado, pelo menos 5 mil pessoas os aguardam. A espera de duas horas e meia (o show começou à 0h30) não muda os ânimos. Aos gritos de “Legião, Legião” o show tem início.
Esta turnê, que até o fim do ano tem outras 13 datas confirmadas, só está ocorrendo porque Bonfá e Villa-Lobos estão liberados, desde 27 de março passado, para usar o nome Legião Urbana. Giuliano Manfredini, filho único e herdeiro de Renato Russo, havia impedido, por meio de ação na Justiça, que os legionários usassem a marca. O nome Legião Urbana foi registrado por Russo.
Com a efeméride dos 30 anos da estreia em disco, os dois remanescentes da formação de Brasília, junto à gravadora Universal Music, planejaram o lançamento de um projeto que traria um álbum com sobras de estúdio e gravações demo, além do disco de estreia. A cereja do bolo do projeto seria a canção inédita '1977', cuja letra deu origem a 'Fábrica' e 'Tempo perdido'.
Só que a empresa Legião Urbana Produções Artísticas, de Manfredini, contestou a autoria da canção. O herdeiro alegou que 1977 é somente de Russo e teria sido registrada no Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), que trata de direitos autorais, após a morte dele. No último dia 20, às vésperas da estreia da turnê, Villa-Lobos publicou nas redes sociais em papel timbrado da EMI (antiga gravadora da Legião) um registro da Censura Federal, de 1984, que confirma o trio como autor de 1977. No mesmo dia, a empresa administrada por Manfredini também havia lançado um comunicado lamentado o cancelamento do álbum.
Villa-Lobos e Bonfá chegaram a desistir do box, mas retrocederam, como o guitarrista confirmou ao EM. “Foi tanto trabalho, tão complexo. E foi emocionante ver aquele material. Tiramos a música (1977) antes da prensagem, mexemos no projeto gráfico, o que deu um trabalhinho, claro. O disco sai, e isso daí (a questão da autoria) está com os advogados.”
BH EM ABRIL
Até segunda ordem, Pouso Alegre será a única cidade mineira a ter visto a turnê Legião Urbana 30 anos em 2015.
Show tem Renato em vídeo e vocalista com atitude rocker
Marcando a divisão, há um registro em áudio de Renato Russo, tirado de uma gravação que ele fez em estúdio logo após terminar o primeiro disco. “O mundo não é perfeito...Mas graças a Deus existe sempre a música”, é a fala que termina a gravação, dando início a Tempo perdido. Não é preciso dizer a força que este momento adquire na apresentação, que com uma banda afiada e com vontade de palco, não peca pelo excesso de nostalgia, algo sempre explorado em projetos revisionistas.
Inteligentemente, o show parece ter sido inspirado na frase “A Legião somos todos nós”, um mantra entoado pelos milhões de fãs da banda de Brasília desde o seu final, em 22 de outubro de 1996, 11 dias após a morte de Russo.
Frateschi não busca mesmerizar Russo, como a maior parte dos cantores que já prestaram tributo a ele. Sem timbre de voz parecido, tampouco qualquer semelhança física, o ator e cantor usa como armas vitalidade, atitude rocker e atributos teatrais. O cara na verdade tem coragem. É bem conhecido na noite de São Paulo por shows dedicados a David Bowie e Tom Waits (este com Cida Moreira). Quando foi convidado para o projeto da Legião, teve que deixar de lado banda-tributo ao Radiohead.
TREJEITO “Não me seduziu fazer a coisa em cima do Renato, como um personagem, com trejeito de palco. Preferi nem ver (nada dele) para não me contaminar. Obviamente, o Renato foi único, mas meu foco foi a obra. Destrinchei todas as músicas, a biografia do Rock Brasília, para ter um estofo”, diz Frateschi.
Filho da atriz Denise Del Vecchio, ele conheceu a banda quando tinha 10 anos – sua mãe encenava Feliz ano velho, de Marcelo Rubens Paiva, e a Legião se apresentava antes de cada sessão do espetáculo. “Lembro-me de um show no Rose Bom Bom (em São Paulo) para pouca gente, umas 100 pessoas. Nesse dia, levei um maço de flores pro Renato. Ele pegou aquilo e destruiu, comeu as flores. Eu falei para minha mãe: ‘Ele não gostou!’. Ela disse: ‘Filho, aprenda. Isso é arte’. Foi uma das grandes lições da minha vida”, conta o vocalista.
Ainda que tenha a fala de Russo, o show busca descolar da imagem dele, concentrando-se nas músicas, que são maiores até mesmo que o próprio Renato. Com agilidade e uma pegada roqueira que dá certa pressão a canções como Índios (que termina um tanto noisy) e Teorema, em que Villa-Lobos divide os vocais com Frateschi.
Os vocais, por sinal, são bem divididos. Frateschi canta boa parte das canções, mas há espaço para Villa-Lobos ('Tempo perdido', por exemplo, é só dele) e Bonfá (que inclusive deixa as baquetas a cargo do vocalista para cantar 'Pais e filhos').
Cada show vai ter convidados. No de Pouso Alegre, os nomes foram Lia Paris, Jonnata Doll e Marina Franco, da banda Glass and Glue. Nenhum deles acrescentou muito. Imagem mais forte foi ver 'Índios' com os vocais ora interpretados por Villa-Lobos, ora por Frateschi, ora por Bonfá. A Legião é de todo mundo.
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