Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue, KL Jay e seus companheiros eletrizaram a plateia. Inteligentemente, souberam mesclar antigos hits - 'Diário de um detento', 'Jesus chorou', 'A vida é desafio', entre eles - com as novidades de 'Cores e valores', disco que chegou no fim de 2014, 12 anos depois do último CD de inéditas, 'Nada como um dia após o outro dia'.
Incensado pela crítica e considerado o melhor álbum brasileiro do ano pela revista especializada Rolling Stone, 'Cores e valores' tem faixas que não provocam nos fãs a catarse que se vê quando Brown e Edi cantam 'Negro drama'. 'Fé em Deus/Que ele é justo!', grita o público, ao ouvir o primeiro verso de 'Vida loka', outro clássico. Mas não foram poucos os garotos que acompanharam o Racionais nas novatas 'Um preto zica' e 'Finado neguin'. Ice Blue afirma que 'Cores e valores' é um disco 'totalmente experimental'.
Edi Rock diz que ainda vai levar um tempo para o fã se familiarizar com a nova sonoridade proposta no novo disco. Os dois ressaltam que o compromisso do Racionais MCs é com a renovação - ninguém ali quer ser cover de si mesmo. O estratégico set list faz pontes entre passado e presente, sem deixar a peteca cair. Mas é inegável que as 'velhinhas' comandam o bonde.
No Bailão Venda Nova, pôde-se ver que o grupo, que acaba de completar 26 anos, fala para os jovens - a maioria da plateia era formada por gente de 20 e poucos anos, rapazes e moças da periferia. Jovens fãs sabem de cor as antigas e, atentamente, observam as novas rimas de Brown e Blue. Edi está seduzindo a moçada com sua 'O mal e o bem', rap autobiográfico de 'Cores e valores'.
REI
No momento romântico, surpresa!. A canção 'Proposta', de Roberto Carlos, quebra o tradicional 'clima Racionais'. Depois dela, Brown manda os versos de sua 'Eu te proponho', declaração de amor à musa - no caso, a esposa Eliane Dias, feminista de carteirinha e empresária do grupo. 'Vou entre suas coxas/ Minha diretriz', canta ele, prometendo 'jamais olhar pra outra mulher'. Mezzo Wando, mezzo Roberto, Brown propõe exibir seu jardim secreto à moça. Torpedo inteligente, pois as mulheres têm tanto conquistado espaço ao microfone do hip hop nacional quanto passado a frequentar shows de rap, redutos outrora machistas, para não dizer misóginos.
Como é de lei nos shows do Racionais nas quebradas, teve também 'sermão', a famosa 'orelhada' de Brown. Desta vez, a bandeira mineira deu o mote: 'Liberdade ainda que tardia, por mais e melhores dias', afirmou ele, defendendo os irmãos da periferia, dos presídios e das favelas.
Highlander do rap, o guerreiro das rimas é inegavelmente o astro daquele palco, mas a Família Racionais não vive só de Brown. Fazem bonito as letras e o vozeirão de Edi, o firme e competente comando das picapes por KL Jay e o 'menestrel' Ice Blue, com suas letras certeiras denunciando a discriminação dos negros.
Filho de dona Lurdes, mineira de Poço Fundo, Ice Blue também se inspirou na bandeira de Minas em seu aplaudido 'momento orelhada'. Convocou os fãs a lutar pelos sonhos, a não recuar diante do preconceito ou da crise. 'O dia de amanhã será melhor', disse, sob aplausos. 'Liberdade ainda que tardia para o Brasil', repetiu, 'sampleando' a 'rima' de Tiradentes e dos inconfidentes.
Uma das faixas mais fortes de 'Cores e valores' nas vozes de Ice Blue e Helião, 'Eu compro' fala do antigo 'excluído', que agora exerce seu direito de consumir, embora maltratado nos shoppings dos rolezinhos. Recentemente, Mano Brown brincou, dizendo que o refrão 'Eu compro/Eu compro' vem sendo trocado, nesses tempos bicudos, por 'Eu guardo/Eu guardo'. Pelo jeito, parece que o Racionais tem aderido à nova rima.
No final dos shows, religiosamente, os rappers abriam o champanhe e davam um banho na plateia, celebrando a 'vida loka'. Na madrugada deste sábado, não houve banho de champanhe no Bailão Venda Nova. Mas não tem importância. Como bem diz Edi Rock, a vida é desafio...