Musica

Racionais MCs vai de Roberto Carlos à "rima" dos inconfidentes no Bailão Venda Nova

Na madrugada deste sábado (17), grupo de rap apresentou show com antigos hits e novidades do disco Cores e valores. 'Liberdade ainda que tardia', bradaram Mano Brown e Ice Blue durante a tradicional 'orelhada'

Ângela Faria

Racionais MCs já cantou para plateias maiores no Bailão Venda Nova, em BH. Neste sábado de madrugada, havia menos gente na pista em relação ao primeiro show do grupo deste ano, realizado no mesmo local, no início de janeiro. Os tempos são de crise, mas 'família unida esmaga boicote', avisou Mano Brown em 'Você me deve', o primeiro rap que o público ouviu no espaço de eventos da Zona Norte da capital mineira.


Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue, KL Jay e seus companheiros eletrizaram a plateia. Inteligentemente, souberam mesclar antigos hits - 'Diário de um detento', 'Jesus chorou', 'A vida é desafio', entre eles - com as novidades de 'Cores e valores', disco que chegou no fim de 2014, 12 anos depois do último CD de inéditas, 'Nada como um dia após o outro dia'.

Incensado pela crítica e considerado o melhor álbum brasileiro do ano pela revista especializada Rolling Stone, 'Cores e valores' tem faixas que não provocam nos fãs a catarse que se vê quando Brown e Edi cantam 'Negro drama'. 'Fé em Deus/Que ele é justo!', grita o público, ao ouvir o primeiro verso de 'Vida loka', outro clássico. Mas não foram poucos os garotos que acompanharam o Racionais nas novatas 'Um preto zica' e 'Finado neguin'. Ice Blue afirma que 'Cores e valores' é um disco 'totalmente experimental'.

Edi Rock diz que ainda vai levar um tempo para o fã se familiarizar com a nova sonoridade proposta no novo disco. Os dois ressaltam que o compromisso do Racionais MCs é com a renovação - ninguém ali quer ser cover de si mesmo. O estratégico set list faz pontes entre passado e presente, sem deixar a peteca cair. Mas é inegável que as 'velhinhas' comandam o bonde.

No Bailão Venda Nova, pôde-se ver que o grupo, que acaba de completar 26 anos, fala para os jovens - a maioria da plateia era formada por gente de 20 e poucos anos, rapazes e moças da periferia. Jovens fãs sabem de cor as antigas e, atentamente, observam as novas rimas de Brown e Blue. Edi está seduzindo a moçada com sua 'O mal e o bem', rap autobiográfico de 'Cores e valores'.

REI

No momento romântico, surpresa!. A canção 'Proposta', de Roberto Carlos, quebra o tradicional 'clima Racionais'. Depois dela, Brown manda os versos de sua 'Eu te proponho', declaração de amor à musa - no caso, a esposa Eliane Dias, feminista de carteirinha e empresária do grupo.  'Vou entre suas coxas/ Minha diretriz', canta ele, prometendo 'jamais olhar pra outra mulher'. Mezzo Wando, mezzo Roberto, Brown propõe exibir seu jardim secreto à moça. Torpedo inteligente, pois as mulheres têm tanto conquistado espaço ao microfone do hip hop nacional quanto passado a frequentar shows de rap, redutos outrora machistas, para não dizer misóginos.

Como é de lei nos shows do Racionais nas quebradas, teve também 'sermão', a famosa 'orelhada' de Brown. Desta vez, a bandeira mineira deu o mote: 'Liberdade ainda que tardia, por mais e melhores dias', afirmou ele, defendendo os irmãos da periferia, dos presídios e das favelas.

Highlander do rap, o guerreiro das rimas é inegavelmente o astro daquele palco, mas a Família Racionais não vive só de Brown. Fazem bonito as letras e o vozeirão de Edi, o firme e competente comando das picapes por KL Jay e o 'menestrel' Ice Blue, com suas letras certeiras denunciando a discriminação dos negros.

Filho de dona Lurdes, mineira de Poço Fundo, Ice Blue também se inspirou na bandeira de Minas em seu aplaudido 'momento orelhada'. Convocou os fãs a lutar pelos sonhos, a não recuar diante do preconceito ou da crise. 'O dia de amanhã será melhor', disse, sob aplausos. 'Liberdade ainda que tardia para o Brasil', repetiu, 'sampleando' a 'rima' de Tiradentes e dos inconfidentes.

Uma das faixas mais fortes de 'Cores e valores' nas vozes de Ice Blue e Helião, 'Eu compro' fala do antigo 'excluído', que agora exerce seu direito de consumir, embora maltratado nos shoppings dos rolezinhos. Recentemente, Mano Brown brincou, dizendo que o refrão 'Eu compro/Eu compro' vem sendo trocado, nesses tempos bicudos, por 'Eu guardo/Eu guardo'. Pelo jeito, parece que o Racionais tem aderido à nova rima.

No final dos shows, religiosamente, os rappers abriam o champanhe e davam um banho na plateia, celebrando a 'vida loka'. Na madrugada deste sábado, não houve banho de champanhe no Bailão Venda Nova. Mas não tem importância. Como bem diz Edi Rock, a vida é desafio...