Uakti: tem, mas acabou

O anúncio da dissolução do grupo instrumental mineiro não deve ser confundido com o fim de uma obra fundamental na música contemporânea

por Walter Sebastião 16/10/2015 12:15

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Maria Tereza Correia/EM/D.A Press
Décio Ramos, Marco Antônio Guimarães, Artur Andrés e Paulo Santos: formação original do Uakti (foto: Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)

O Uakti acabou? Talvez, de forma leviana e abstraindo dramas humanos e artísticos, a resposta a essa pergunta seja uma expressão que os mineiros conhecem bem: 'Tem, mas acabou'. Arte tem materialidade, vinda da construção de uma obra, que soma histórias individuais e coletivas, cujas perspectivas não terminam com uma declaração (do tipo 'arte acabou', 'a literatura morreu', tal banda chegou ao fim etc).


A estética do grupo traduz convicções artísticas dos integrantes e é difícil acreditar que tal história estará ausente do que eles fizerem daqui para a frente, mesmo que atuando separados. Por mais que os instrumentos criados por Marco Antônio Guimarães sejam parte importante de tudo o que foi realizado pelo Uakti até hoje.


A formação “clássica” do Uakti parece ter encerrado atividades. Seria bom entender a declaração de Marco Antônio Guimarães em contexto ampliado. É tanto uma evidência do cansaço vindo da aridez da vida profissional artística, ainda mais severa com quem faz música nova, que leva a desgastes insustentáveis, quanto sinal de interesse de trabalhar sem “tags”. E, talvez, em outras direções estéticas, o que ele já vem fazendo, como mostram, por exemplo, suas trilhas para o Grupo Corpo. Não há por que aprisionar artistas como ele ao já realizado nem tratar obras vivas (como a criada pelos uaktis) como se fossem póstumas.


Vale ter consideração especial com outro aspecto da declaração de Marco Antônio – que ele está colocando à venda todas as criações dele dos últimos 45 anos (instrumentos, esculturas sonoras, material e método de iniciação musical de crianças, a oficina com ferramentas e estoque de material para manutenção dos instrumentos, além de desenhos “e projetos de peças que não cheguei a construir”).


É um artista admirável, que está entre os mais importantes do mundo em sua geração, com uma obra que é fundamento mesmo da música contemporânea. E que merece encontrar interlocutor, seja público ou privado, que dialogue com ele sobre a questão, tentando encontrar a melhor solução, sem abstrações do aspecto financeiro.

A HISTÓRIA DO UAKTI

1978
Fundação do grupo

1979
A primeira gravação do grupo, em trilha sonora do filme Cabaré Mineiro, de Carlos Alberto Prates

1980
Primeiro show, no Museu de Arte da Pampulha

1981
Lançamento do primeiro disco, Oficina instrumental

1987
O grupo, que já havia tocado no exterior, participou do álbum Brazil, do grupo Manhattan Transfer

1989
A convite do cantor Paul Simon, participaram da gravação do álbum The Rhythm of the Saints

1996
Estreia o espetáculo Bach, do Grupo Corpo, com trilha assinada por Marco Antônio Guimarães

1997
Lançamento de Trilobyte, com peças de todos os integrantes e releituras de outros compositores

1999
Lançamento de Águas da Amazônia, disco com arranjos de Guimarães para temas de Glass

2000
Gravam o álbum Mulungu do cerrado com o grupo coral Tabinha, de Uberlândia, incluindo canções populares

2003
Chega às prateleiras Clássicos, trabalho só com arranjos de composições eruditas

2004
Glass e Uakti tocam juntos na Grécia, em show comemorativo das Olimpíadas

2005
O grupo relê músicas de Tom Jobim no disco Oiapok XUI

2012
Lançamento do mais recente álbum, Beatles, com arranjos para sucessos do quarteto de Liverpool

2015
Décio Ramos se desliga do Uakti. Na última quinta-feira, Guimarães anuncia o fim do grupo

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