Chegam às prateleiras diversos discos de samba com o misto de força e delicadeza de intérpretes mulheres. Um deles é o sexto álbum de Roberta Sá, Delírio. Das 11 faixas, oito são inéditas, entre elas composições de Adriana Calcanhotto (Me erra), Tom e Moreno Veloso (Um só lugar e Meu novo Ilê, respectivamente), além das participações de Chico Buarque (Se for pra mentir), Martinho da Vila (Amanhã é sábado) e Xande de Pilares (Boca em boca). A produção é de Rodrigo Campello.
“Ela (a mulher) delira pelo amor. No entanto, é pelo sentimento, não pelo objeto amado. É consciente do próprio delírio”, explica. “Eu sou essa mulher. Forte, decidida, mas sem uma postura de enfrentamento. Chego em casa e quero colo, carinho. A gente não pode perder a ternura”, define Roberta.
Nascida em Natal (RN), Roberta Sá mudou-se para o Rio de Janeiro aos 9 anos. Na terra do samba, o caminho musical seguido pela morena de sorriso cativante não poderia ser outro. “O samba está no meu DNA. Entretanto, acho que Delírio não traz o gênero em sua forma tradicional, embora tenha clássicos como Não posso esconder o que o amor me faz. Essa parceria de Cézar Mendes e José Carlos Capinam poderia ter sido gravada por Clara Nunes”, acredita. As ramificações do gênero aparecem em Me erra, presente de Adriana Calcanhotto. “É um samba que tem uma pegada meio cabo-verdiana, uma coisa morna que acho bacana”, diz a intérprete.
Se, na essência, o disco não é tão é tradicional, no modo de gravação, segue modelos orgânicos que remetem a décadas passadas. “Não editamos muito nem a voz, que na maior parte do disco são takes inteiros, nem os instrumentos. Antes, usávamos a edição como um brinquedo. Agora, edito só o necessário”, conta. Foi assim que gravou Covardia, com o músico português António Zambujo. Ligados os microfones, ambos cantaram apenas uma vez.
Já na parceria com Chico Buarque — que divide com ela os vocais de Se for pra mentir — é fruto de paciência, como um bolo cozido em banho-maria. “Desde que gravei Mambembe com Chico, em 2009, pedia para ele escrever um samba pra mim. Comecei a gravar o disco e nada do samba. Quando ouvi a música de Cézar Mendes e Arnaldo Antunes, pensei nele imediatamente. O não eu já tinha. Então liguei e fiz o convite para ele cantar comigo. Ele aceitou, mas gravamos em duas etapas, com meses de diferença entre uma e a outra”, revela. “Esperei por ele. Tive paciência. Esse encontro é muito importante nos dias de hoje. A gente sempre reclama da falta de tempo e essas parcerias são uma maneira de me enriquecer, me inspirar”, emenda a cantora.
Para Roberta Sá, não há diferenças mercadológicas impostas às intérpretes femininas, embora o samba ainda seja um reduto machista. “As dificuldades existem para qualquer um, apesar de o samba ainda ser um universo masculino”, conta. “No Brasil, existe uma tradição de mulheres fortes no gênero. Os maiores problemas podem existir para compositoras, mesmo tendo como referências exemplos como Dona Ivone Lara e Teresa Cristina”, avalia.
A maior barreira é a inserção do gênero em certos meios, como as rádios — ainda a forma mais usada pelo brasileiro para ouvir música, dominada por estilos como o pop internacional ou o sertanejo universitário. “As pessoas tendem a achar que o samba é sempre a mesma coisa, que não abriga coisas diferentes. Na verdade, ele é a raiz do trabalho de muita gente. O samba sabe, sim, ser contemporâneo e moderno”, acredita a cantora, que defende que o gênero está na gênese de quase tudo que se ouve no Brasil. “Ney Matogrosso me falou uma coisa linda quando comecei a cantar: toda voz brasileira, seja de axé, do rock ou do sertanejo, uma hora há de passar pelo samba”, recorda.
Delírio
Novo disco de Roberta Sá. Som Livre, 11 faixas. Preço médio: R$ 24.