Ian Anderson tem 68 anos. Há 47 lidera o Jethro Tull. A longeva formação britânica já teve 26 músicos, todos trabalhando com o multi-instrumentista, que conseguiu fazer com que a flauta se tornasse referência no rock pesado. Pois ainda hoje há quem acredite que ele se chama Jethro Tull.
O tal nome, sugerido pelo produtor da banda em fevereiro de 1968, pertence a um agricultor inglês, considerado um dos pais da chamada agricultura científica. Jethro Tull viveu entre os séculos 17 e 18, durante a Revolução Industrial.
Já era hora de a banda prestar as devidas homenagens. É a bordo de uma ópera rock que Ian Anderson desembarca neste sábado em Belo Horizonte para duas apresentações no Palácio das Artes, a segunda no domingo.
Pouco se sabe sobre Jethro Tull, o agricultor. O que Anderson fez foi criar uma narrativa que coloca a vida do personagem sob a perspectiva contemporânea, com todos os problemas do mundo globalizado: superpopulação, escassez de comida e doenças.
Mas para os fãs que forem assisti-lo com a banda que o acompanha nos últimos anos – Ian e mais cinco no palco, mais três músicos que participam em vídeo –, o que interessa é que toda essa historinha vem colorir canções antológicas. Aqualung, Living in the past, The witch’s promise e Locomotive breath estão todas ali.
A ópera rock
Jethro Tull cresce numa pequena fazenda no interior da Inglaterra. Apaixonado por agricultura e música, ele, por decisão dos pais, vai para Oxford estudar direito. Com saúde frágil, casa-se com Susannah. Já advogado, viaja pela França e Itália, aprendendo sobre os métodos de agricultura daqueles países. Ao descobrir que o pai vendeu a fazenda para a construção de uma estrada, decide mudar de vida e estudar bioengenharia. Quer criar novos métodos de colheita. Arrisca tudo investindo numa produção em pequena escala. Mais tarde, torna-se um importante cientista do governo, trabalhando com colheitas geneticamente modificadas. Envolve-se com o setor privado dos agronegócios. A tecnologia desenvolvida por Jethro ajuda a alimentar países em desenvolvimento. A riqueza e o sucesso, no entanto, são insatisfatórios. Jethro abandona tudo para voltar a ser um pequeno agricultor, que usa métodos tradicionais. Depara-se, no entanto, com um dilema: continuar com a produção por hobby ou apostar em tecnologias agrícolas modernas? Acaba decidindo pela segunda opção e volta à ativa. Morre em 2041 e é enterrado nos arredores da igreja em que alguns anos antes havia assistido à estreia de sua primeira composição.
JETHRO TULL – IAN ANDERSON OPERA ROCK
Sábado, às 21h e domingo, às 19h, no Palácio das Artes, Avenida Afonso Pena, 1.537, Centro, (31) 3236-7400. Ingressos: Plateia 1 – R$ 360 e R$ 180 (meia); Plateia 2 – R$ 240 e R$ 120 (meia); Balcão – R$ 200 e R$ 100 (meia).
Quatro perguntas para...
Ian Anderson músico
O título do show é Jethro Tull – Ian Anderson Opera Rock. O Jethro Tull, como banda, não existe mais?
Gosto de incluir meu nome porque até hoje tem gente que pensa que eu sou Jethro Tull. Gostaria de dizer aos outros qual é o nome que está no meu passaporte. Quanto ao título, coloquei “ópera rock” porque não encontrei outra maneira de descrever o show com canções e narrativa. O termo é velho, remete à época de Tommy (a lendária ópera rock do The Who lançada em 1969). De certa maneira, esse espetáculo é mais teatral do que propriamente uma ópera rock.
Ao longo das décadas, o Jethro Tull teve 26 integrantes. Como é trabalhar com tantas pessoas diferentes?
Sou o número 1, então na verdade são 27. Nessa longa história, houve músicos que só ficaram alguns meses, outros vários anos. Eu me vejo como um bandleader na tradição de gente como John Mayall, Frank Zappa, B. B. King, James Brown. Sou o cara que fica no meio, que recebe tanto os aplausos quanto os insultos, se as coisas não dão certo. Sou o responsável para que as coisas aconteçam: compositor, produtor e também agente de viagens. Meu trabalho favorito, por sinal, é organizar turnês, marcar hotéis...
Você já veio várias vezes ao Brasil. Tem alguma relação com o país?
Sinto uma conexão muito forte com o Brasil, a Argentina, a Índia, a Rússia, de onde voltei há pouco. Acho que o impacto do rock ajudou muito a mudar a sociedade. O começo da minha carreira foi numa época crucial. De 1965 a 1975, houve muitas mudanças na Inglaterra e nos Estados Unidos. Questões raciais, igualdade das mulheres. Mais tarde, os direitos dos gays. Só que as mudanças não aconteceram simultaneamente no mundo inteiro, mas gradualmente na América do Sul, na Índia e até mesmo na Rússia. Hoje, o governo Putin pode ser contra os gays, mas já não manda ninguém para a cadeia. Ainda existem países com punições draconianas para pessoas que não se encaixam na ideia que eles têm de controle. Tenho orgulho em ser de uma geração que realmente ajudou o mundo em termos de expressão e liberdade.
Para terminar, uma pergunta infame: você está muito velho para o rock and roll?
Estou muito velho para uma série de coisas. Você não vai me ver batendo cabeça no palco. Também não vou dirigir uma Ferrari em alta velocidade. Por outro lado, há músicos que têm uma longa carreira. E foi uma das principais razões para ter me tornado músico. Meus heróis, quando era adolescente, não tinham 20 anos. Tinham 50, 60, 70. Sempre ouvi caras mais velhos e, quando me tornei músico profissional, entendi que essa é uma profissão para a vida toda. Se você praticar todo dia, prestar atenção na saúde, vai fazer uma boa performance de palco com 50, 60 anos. Sou sortudo, ainda tenho uns bons anos de palco. Só não posso querer pular no palco para parecer jovem e atlético. Graças a Deus não estou no meio do balé clássico.