O disco une dois artistas diferentes apenas pela nacionalidade, mas muito parecidos nas trajetórias profissionais. O brasileiro Moska sempre teve uma afinidade com os países da América do Sul. “Eu me apresentei e produzi muitos encontros entre brasileiros e sul-americanos. Inclusive, virei curador de festivais latinos. Um movimento muito parecido com a trajetória de Fito”, lembra Moska. O argentino Fito Páez é um nome constante em parcerias com artistas do Brasil. Ele tem no currículo duetos com nomes que incluem Caetano Veloso, Os Paralamas do Sucesso, Titãs, Djavan e Chico Buarque.
A união da dupla veio de uma ideia da gravadora, exatamente por conta das similaridades entre os músicos. “A ideia era muito boa: juntar dois caras que estão se aventurando no mundo do outro. Mas nada disso daria certo se a gente não fosse bom junto. Logo no primeiro encontro, em Buenos Aires, ele me mostrou a faixa Hermanos, ela não tinha letra, era só o ‘larala’. Nesse dia, já fizemos três das músicas que estão no disco”, conta o brasileiro.
Para criar 'Locura total', Fito e Moska se encontraram ainda no Rio de Janeiro e em Trancoso (Bahia) e chegaram a compor 19 faixas, dessas, 12 fazem parte do CD. As canções foram escritas em português e em espanhol, mas o que se escuta é, principalmente, um equilíbrio em portunhol. “É um tipo de encontro que reflete o que o mundo está passando. Em Flores do abraço (última faixa do disco), a gente fala do portunhol, que não tem dicionário. É um desejo de ouvir e entender o outro”, defende Moska.
A sonoridade também encontrou um equilíbrio. É possível encontrar em 'Locura total' sambas, tangos, rock’n’roll e música clássica. “Acho que os gêneros estão dentro da gente. Eu tenho uma história muito parecida com a do Fito. Ele é um pianista que se interessou por música clássica, instrumental, tango, rock. E eu me interesso por MBP, samba, rock, jazz e música clássica. Nessa gama, podemos nadar com muita facilidade sem planejar muito”, explica. Moska ainda diz que a presença do produtor Liminha e a mixagem em Miami foram essenciais para que o disco tivesse uma sonoridade equilibrada e ganhasse mais grooves. “É um disco muito positivo. É uma afirmação do Brasil sul-americano latino. Só tem uma música sobre morte, Adíos a las cosas, que é um perfume, o resto pulsa mais vibrante e alegre”, completa.
Literalmente, hermanos
O encontro de Fito Páez e Moska resultou em uma irmandade, como a própria música 'Hermanos', a primeira do disco, sugere. “Quando a noite esfriar fundo no coração/ Saiba que estarei aqui quando não tiver mais ninguém/ Segure minha mão e me dá a sua também”, diz a letra da canção.
Essa similaridade de quase gêmeos está visível nas fotos de divulgação do disco — ambos de cabelo grande desgrenhado, barba e até o jeito de dobrar as pernas – e também na voz dos cantores que, em certos momentos, se misturam e fica difícil distinguir quem está cantando cada estrofe.
“Nós já tínhamos essa predisposição física, mas, quando começamos a ver as primeiras fotos na Bahia, foi impressionante essa similaridade. Até mixando o CD, tivemos dificuldade de saber quem estava cantando. Acho que encontramos o que estávamos procurando: uma terceira identidade”, afirma Moska.
Mas, se o clima era de irmandade, por que o disco não se chama Hermanos? Moska contou que, desde o início, a previsão era de que esse fosse o nome do projeto. No entanto, 'Locura total' se tornou uma expressão comum entre eles. “No último encontro, em Trancoso, escrevemos 'Locura total' que é um delírio total, falando da Bahia e de um mito argentino de Diana. Rapidamente entendemos que Hermanos era um nome muito previsível. E esse projeto foi uma loucura total, nos juntamos sem saber se daria certo”, revela.
Três perguntas // Moska
No disco, vocês defendem o portunhol, que é muito criticado. Vocês não tinham receio de usar a “língua”?
Para mim, o portunhol é a língua mais linda do mundo. É livre e vai de acordo com a cara de pau de cada um. Não tem regra, não tem dicionário nem gramática. É o desejo de abraçar o outro. Como língua, pode ser vista como um equívoco, mas como comportamento, atitude e projeto é linda. É muito mais do que um idioma, é um abraço à irmandade. Eu e Fito inventamos portunhóis.
Nesse disco, vocês trazem o Brasil para mais perto dos outros países da América do Sul. Você também tem a impressão de que os brasileiros não se sentem latinos?
Esse é um constrangimento que me apareceu há 14 anos. Eles (os países da América do Sul) conhecem nossa cultura, nossa música. E acho que perdíamos em não conhecer a cultura deles. Ficamos isolados por esse tamanho do Brasil, sua exuberância, também tem a diferença da língua… Daí parece que a gente se basta. Mas não pode ser assim, tem um mundo maravilhoso lá fora. Somos muito mais parecidos com os latinos, até mais do que com os europeus, os japoneses e até os norte-americanos.
Há a intenção de sair em turnê com o disco?
Por enquanto, é só um desejo. Era um projeto alternativo, que acabou ganhando uma proporção maior. Mas a gente ainda não sabe a dimensão dele. Não queremos fazer nada menor ou maior do que a realidade. Vamos esperar, mas se rolar será em 2016, até porque temos as nossas carreiras paralelas.
Perfil
O compositor, cantor e pianista argentino Fito Páez começou a se destacar no Brasil após o lançamento do álbum El amor después del amor (1992). Por conta do sucesso, ele fez shows no país e também começou a as parcerias com artistas brasileiros. Em seu disco Circo beat, contou com uma segunda versão com participação de Caetano Veloso, Herbert Vianna e Djavan. Depois, fez parcerias com Rita Lee e também se tornou responsável pela boa repercussão de Os Paralamas do Sucesso na Argentina. Moska o define como “uma mistura de Caetano Veloso com Lulu Santos”.
Locura totalç
De Fito Páez & Moska. Sony Music, 12 faixas. Preço médio: R$ 29,90.