

Nos fins de semana, Keila assume outra persona. Coloca unhas postiças, lentes de contato, roupas sensuais. Transforma-se em Keila Gaga, cover de Lady Gaga. Com 18 bailarinos em cena, cenário (um caixão e uma espécie de trono) e figurinos produzidos por ela e seu grupo, dubla canções de Stefani Germanotta. Keila e Stefani têm a mesma idade, 29 anos.
A lavradora é o mais próximo de uma popstar que a comunidade rural de Noiva do Cordeiro, na região de Belo Vale (distante 110km de Belo Horizonte), conhece. Há pelo menos quatro anos faz o show de Gaga. São apresentações pequenas no lugar onde vive, algumas participações em shows de outros artistas (abriu para o cantor sertanejo Eduardo Costa), performances em cidades do interior e até uma aparição na São Paulo Fashion Week. Já usou cabelo azul e preto. Atualmente, exibe um loiro platinado.
Foi no último sábado, na Rua Guaicurus, durante a Virada Cultural, que Keila fez o show que, acredita, pode se tornar um divisor de águas em sua trajetória. Para uma plateia de 3 mil pessoas, apresentou-se por mais de uma hora. Foram 11 covers de Gaga, que ela dubla à perfeição. Sem pudor, a performance, com forte apelo trash, busca repetir os trejeitos da cantora.

A exemplo de outras performers do interior – como a piauiense Stefhany –, Keila Gaga é cria da internet. No caso da mineira não houve, pelo menos por ora, nenhuma explosão viral. Mas, sem a web, ela afirma, não haveria nenhuma Keila Gaga.
Fora da ordem

Criada no final do século 19, Noiva do Cordeiro tem uma história marcada pela quebra de regras. No passado, sua população não adotou o catolicismo. O casamento também nunca foi regra. “Se for para casar, é pelo coração”, diz Keila. Ainda hoje, sua população é basicamente feminina (cerca de 90%). Nos dias úteis, são elas que cuidam da terra e do plantio. Os homens, em busca de sustento, vivem em cidades maiores.
Sofrendo com o isolamento no passado e com os boatos no presente – o mais recente deles, de 2014, foi uma série de reportagens em jornais europeus dizendo que uma cidade brasileira composta por mulheres fazia apelo aos solteiros para se casarem –, ela se armou da maneira com que sempre viveu. Optou pela coletividade.
A renda gerada pela lavoura é dividida por todos. “Antigamente, a gente plantava só para nosso consumo. Agora que a lavoura cresceu, comercializamos na Ceasa”, conta Keila. Na comunidade, à exceção dos idosos, todo mundo trabalha. E de domingo a domingo. “Agora, não estamos com muito dinheiro, pois investimos na lavoura. Mas o que sobra da venda de hortaliças a gente divide. Mas não é uma quantia certa”, conta a artista-tratorista.
Vida maravilhosa

Desta maneira, a família foi crescendo, e a casa, mudando. Ela acredita que a moradia tenha hoje 40 quartos. “A vida aqui é maravilhosa. Para viver todo mundo junto, é preciso muita confiança. Mas as pessoas te ajudam, te acrescentam. Não fosse o pessoal daqui, eu não ia conseguir seguir em frente com a Gaga.”
As apresentações fora de Noiva do Cordeiro são raras. Mas, para a comunidade, sempre que pedem, ela dá uma palinha. Também não tem como ser diferente. Foram as meninas e meninos de lá que a ajudaram a montar a coreografia e a conceber os figurinos, confeccionados numa pequena fábrica de lingerie que existe na comunidade.
“Até a Keila Gaga (ela sempre fala da personagem na terceira pessoa), eu nunca tinha feito nada. Só teatro na comunidade. Então, nem eu sei explicar de verdade como consigo fazer. Parece que nasci assim, com o dom para o papel”, conclui.
A GRANDE FAMÍLIA
A história da comunidade de Noiva do Cordeiro foi revelada pelo Estado de Minas em 2007, em reportagem de Gustavo Werneck. No fim do século 19, Maria Senhorinha de Lima casou-se, por pressão familiar, com um descendente de franceses, Arthur Pierre. Três meses depois, ela abandonou o marido para viver com Chico Fernandes. O novo casal, que rompeu com dogmas religiosos e sociais, se mudou para o local onde seria formada a comunidade. A matéria acabou servindo de base para o documentário Noivas do cordeiro, de Alfredo Alves. Lançado pelo canal pago GNT, ele é narrado pela escritora Lya Luft.