Foi voltando da balada, de madrugada, com o teor alcoólico já calibrado, que a cantora Mariana Aydar assumiu o microfone para gravar 'Barulho feio', a derradeira faixa de 'Pedaço duma asa', o novo disco. Com Chico César foi diferente. As canções do álbum 'De uns tempos pra cá' (2005) pediam uma voz mais grave. “Precisava daquela voz que você só tem até 10 da manhã”, diz. Acordava e soltava o gogó.
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Seja gravar de madrugada ou na primeira hora da manhã, essas “regalias” só são possíveis para os artistas que têm dentro de casa um estúdio à sua disposição. Liberdade de poder fazer e refazer quantas vezes for preciso, possibilidade de experimentar novas sonoridades e até mesmo garantir um clima mais descontraído (e íntimo) para o trabalho são alguns motivos que fazem cantores e instrumentistas investir em espaços de gravação profissional ao lado da própria cozinha.
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“Estúdio em casa é uma espécie de sonho de consumo de qualquer músico”, resume John Ulhoa, integrante do Pato Fu. Desde o lançamento do álbum 'Toda cura para todo mal' (2005), as criações da banda mineira, assim como os projetos solo de Fernanda Takai ou qualquer outro trabalho produzido por John, são gestadas e registradas no estúdio que eles construíram no quintal de casa.
O guitarrista não tem dúvida: se não fosse por essa comodidade, 'Música de brinquedo', disco de versões executadas com instrumentos de brinquedo, nem teria nascido. Ele lembra que há 20 anos, quando começou a carreira, ter o estúdio como parte da casa era luxo de artistas do naipe de Stevie Wonder e Paul McCartney.
Os equipamentos eram enormes e extremamente caros. “Com a chegada das tecnologias digitais, o equipamento básico no estúdio é um computador com periféricos. Com isso, se consegue uma qualidade de gravação muito boa”, explica.
Intimidade
Mas não é só isso que faz com que a tendência cresça. É uma comodidade que não tem preço. “Não tenho hora para fazer. Saímos, vamos na padaria, pedimos japonês e depois continuamos. O estúdio é uma extensão da sua vida doméstica. Ali também estão o gato, o cachorro”, diz Chico César.
Ele não tem a menor saudade da época em que frequentava estúdios enormes e suas máquinas gigantes. “Acho que intimidava e criava um certo distanciamento entre você e a própria música. Toda hora olhava para o relógio. O estúdio caseiro cria essa intimidade”, elogia. Essa característica é algo de que Chico César não abre mão.
O processo de criação do disco 'Francisco forró y frevo' (2008) também foi todo assim. Chico lembra que mostrava as composições para os músicos na sala e logo no primeiro contato estavam prontos para registrar. “Tem frescor, porque a banda conhece a música e já sai tocando”, ressalta o cantor paraibano.
“A principal vantagem é eu poder gravar na hora que quiser. Passo o dia inteiro aqui”, acrescenta Lucas Silveira, vocalista da banda Fresno. Como sempre foi adepto do home studio, da última vez que precisou procurar uma casa para alugar já sabia que teria que ser um espaço que coubesse as duas coisas. “Adaptei a sala. Não fiz nada faraônico, só um trabalho de acústica interno”, conta.
Entrando no armário
O pernambucano China, integrante da Banda Del Rey, é um apaixonado por encontrar soluções caseiras de gravação. Ele se diz o típico rato de estúdio. Não raro, ele é encontrado de roupão por lá fazendo suas experimentações. Vira noites no espaço que ele mesmo construiu.
Para garantir o isolamento, China usou madeira nas paredes e, curiosamente, aqueles macarrões de piscina nos cantos da sala. “Existem soluções muito baratas. É possível montar dentro do próprio quarto”, garante. Entre as dicas que sempre oferece a quem se aventura no mundo do home studio, está gravar a voz dentro de um armário. “Quando vou gravar guitarra, também tiro tudo e entro com o amplificador. Você vai descobrindo jeitos diferentes de tirar som. Não dá para repetir a mesma coisa.”