Só há um cansaço melhor do que o do palco: o do sexo. Quem diz é um expert nos dois assuntos: Erasmo Carlos. Aos 74 anos, ele continua tremendo. E fazendo tremer, por que não?! “O orgasmo é o único cansaço mais gratificante do que o da estrada.” Que ele pega praticamente todo fim de semana, diga-se de passagem.
Hoje, em Belo Horizonte, apresenta dentro da programação de aniversário dos quatro anos do Sesc/Palladium o show Gigante gentil. Vai embora, mas volta daqui a pouco. Em 5 de setembro, Erasmo faz no Teatro Bradesco o show Meus lados B.
O primeiro show é baseado no álbum lançado no ano passado. Gigante gentil encerra a trilogia roqueira iniciada com Rock’n’roll (2009) e que prosseguiu com Sexo (2011). Os três trabalhos, crus, versam basicamente sobre amor e sexo, temas que lhe são caros desde os anos 1960. De certa forma, atualizaram Erasmo e o apresentaram a uma nova geração.
Já Meus lados B, inédito em Belo Horizonte, traz um outro lado do compositor. CD e DVD gravados ao vivo em duas noites de janeiro no Tom Jazz, em São Paulo, recuperam a década de 1970 por meio de canções pouco conhecidas do Tremendão.
São sambas (Cachaça mecânica), canções com levada soul (Dois animais na selva suja da rua, que Taiguara deu de presente a ele e à sua mulher, Narinha), ou canções que ficaram conhecidas primeiro na voz de outros (Paralelas, que Belchior fez para Erasmo, mas que estourou na voz de Vanusa, e De noite na cama, que Caetano mandou de Londres para ele).
É uma história e tanto. Ou melhor, várias. Algumas estão a seguir, na entrevista que Erasmo concedeu ao Estado de Minas.
Entrevista
Mais de 50 anos de carreira e você não para de fazer shows. Subir ao palco hoje ainda o deixa nervoso?
Claro, o público é sempre novo. Preciso de concentração para a energia que as pessoas emanam, que é sempre diferente.
Você tem um ritual?
Reúno-me com a banda no camarim. A gente se abraça, mas ninguém fala nada. Cada um eleva seu pensamento para o deus que quiser. Depois, tomo meio copo de uísque com gelo e vou para a guerra.
Você faz hoje um show de rock e volta daqui a um mês para outro que tem soul, samba. O que eles têm que o rock não?
Levada, sentimento. O ritmo é outro, as harmonias são mais bonitas.
O sexo é um tema caro a você. É diferente escrever sobre sexo hoje em dia?
Antigamente, era “beijo, beijo, beijo” (refrão da canção Terror dos namorados, da Jovem Guarda) porque não podia dizer “fodo, fodo, fodo”. Cada época é de uma maneira, mas sempre falei de sexo.
Sua produção como compositor é muito grande. Você compõe facilmente?
Sou compositor, não sou cantor. Canto por consequência, e gosto mais da minha voz hoje. Pode não ter a mesma potência, mas tem mais sentimento. Tenho ímpeto de compor, assim como um médico tem que trabalhar. E tudo é lucro: uma frase de um amigo, alguma coisa que leio no jornal, um livro, o que acontece na minha vida. Tudo é inspiração, e estou sempre procurando novas formas. É difícil falar do amor de maneira diferente, por vezes você acaba se repetindo. Tudo é um risco.
Há quase 10 anos você não compõe com Roberto Carlos. Existe uma vontade de sua parte de voltar a fazê-lo?
Sou um compositor. Se não for com o Roberto, vai ser outro. Arnaldo (Antunes), Marisa (Monte), Nando (Reis), Nelson Motta... Se for com o Roberto, ótimo, temos uma vida quase inteira juntos. O que não posso é ficar sem (parceiro).
Uma das canções que você gravou em Meus lados B é Maria Joana (registrada originalmente em 1971, a parceria com Roberto Carlos é uma homenagem velada à maconha). Mas numa entrevista de 2014 você disse que fez essa música numa época em que “achava direito fazer”, que se fosse hoje não faria. Poderia comentar seu posicionamento em relação a esse tema agora?
Hoje não tenho vergonha de cantar nada do que fiz. Rocks inocentes da Jovem Guarda, Minha fama de mau, essas coisas não são minha realidade. Mas canto com orgulho, porque fiz em outra época. Uma pessoa que talvez não me conheça vai achar estranho um velho cantando música de jovem. Canto o que fiz, mas não quer dizer que eu faria (essas músicas) agora. Maria Joana foi composta na época da contracultura, em que a maconha era moda entre os intelectuais. Estava numa boate em Israel filmando Roberto Carlos e o diamante cor-de-rosa (Roberto Farias, 1968) e havia uma banda tocando calipso. Os caras falavam ‘I like marijuana’, e eu fiquei com aquilo na cabeça.
Você está em Belo Horizonte para um show no Dia dos Pais. O que mudou na sua vida com a morte de seu filho Alexandre (que faleceu em maio de 2014, após um acidente de moto)?
Foi um baque na minha vida. É uma tristeza com a qual estou aprendendo a conviver. Não, estou aprendendo a viver sem a alegria dele. Tenho outros filhos, netos... Então, a vida continua com a gente. Tenho que seguir com ela.