Nelson Freire celebra as raízes mineiras em concerto histórico em Boa Esperança

Feliz, o pianista comemora a chance de levar uma orquestra filarmônica para tocar pra sua gente

por Carolina Braga 03/08/2015 08:00

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Rodrigo Clemente/EM/D.A. PRESS
Sete mil pessoas foram à Praça do Fórum ouvir Nelson Freire e a Filarmônica (foto: Rodrigo Clemente/EM/D.A. PRESS)
Boa Esperança
– A antiga farmácia da família e a casa onde os Freire viveram em Boa Esperança, no Sul de Minas, até se mudarem para o Rio de Janeiro foram demolidas há mais de 15 anos. Na esquina da Praça Coronel Neves com a Rua Presidente Vargas, mais conhecida como Rua Direita, há apenas uma placa na calçada, já desgastada pelo tempo. Lê-se: “Aqui nasceu Nelson Freire”.


Foi naquela casa que o pianista brasileiro mais bem sucedido internacionalmente teve seu primeiro contato com as teclas. Garoto prodígio, ele precisou deixar o interior de Minas para se dedicar aos estudos no Rio de Janeiro. Mas se há algo que José Freire, o seu Dedé, e Augusta Pinto Neves ensinaram aos filhos Nelma, Nélio, Nirval, Norma (já falecida) e Nelson foi a importância das raízes na formação do ser humano.

 

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“A raiz mineira não te solta. Nem que você queira. Mas a gente não quer. A alma mineira, como dizia Carlos Drummond de Andrade, é algo para toda a vida”, garante Nelson Freire. Cerca de 65 anos depois de deixarem a cidade, Nelma e Nirval contemplavam com saudade o lugar onde cresceram.

NA PRAÇA No fim de semana, afeto e memória inundaram a cidade de 54 mil habitantes. Na manhã de ontem, quem saía da missa das 10h deparou com o conterrâneo ilustre na praça. Acompanhado da irmã e de um primo, Nelson Freire não se cansava de comentar o quão emocionante foi a noite de sábado. Conhecido pela discrição e timidez, o pianista aceitou todos os pedidos de selfies, fazendo questão de receber os cumprimentos de sua gente.

Sábado à noite, o concerto ao ar livre de Nelson com a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais uniu ainda mais a família Freire com a sua gente. Sete mil pessoas, segundo estimativa da Polícia Militar, foram ouvi-lo tocar. A maior parte do público assistiu a seu primeiro concerto e teve a oportunidade de ser apresentada ao conterrâneo-celebridade. Fundada no início do século 19, Boa Esperança nunca havia recebido uma orquestra. “O objetivo era esse”, comentou Nelson, ontem de manhã, enquanto caminhava ao lado da irmã, Nelma, até a Casa de Cultura para o lançamento do livro sobre sua trajetória escrito por Ricardo Arnaldo Malheiros Fiuza.

“Para quem entende de música, deve ter sido um transporte para outro mundo. Para nós, que não conhecemos profundamente, foi um deslumbramento, um sonho, um marco na nossa vida”, resumiu Jane Marilda de Oliveira, presidente da Academia Dorense de Letras.

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"A raiz mineira não te solta%u201D, Nelson Freire, pianista e mineiro de Boa Esperança (foto: Rodrigo Clemente/EM/D.A. PRESS)
MEMÓRIA
Boa Esperança parece ter acordado para a necessidade de preservar sua memória. O concerto de sábado deixou frutos: será reaberto o Conservatório de Música, que tem o pianista como patrono, e foram anunciadas a inauguração de uma sala dedicada a ele, na Casa da Cultura, e a construção de um bulevar na Rua Nelson Freire, no Centro. A ideia é fechá-la para o trânsito de veículos e instalar um monumento. Nelson aproveitou a visita para gravar as mãos no gesso da placa que ficará na calçada da fama. Entretanto, ainda falta patrocínio para levar o projeto adiante.

Amiga pessoal do pianista, a atriz Pepita Rodrigues foi a Boa Esperança. Desde 1987, ela acompanha os concertos dele em vários países. “Na Polônia, Nelson é conhecido como a reencarnação de Chopin. Em Paris, é o deus do piano – e ele sempre falando de Boa Esperança... O povo daqui sabe que o Nelson é de casa. Ele é famoso, mas não tem a dimensão do que representa”, afirma.

Bastante entusiasmada, a atriz diz que Boa Esperança tem potencial para receber turistas de todo o mundo interessados em conhecer a cidade de Nelson. Assim como ocorre com Aracataca, na Colômbia, terra de Gabriel García Márquez. E defende a reconstrução da casa da família Freire, assim como ocorreu com a residência do autor de Cem anos de solidão. “Não tem que esperar o grande artista morrer pra fazer alguma coisa. Tem que reconstruir a casa, ele sabe cada detalhe dela. Não é o caso de pôr plaquinha no chão dizendo ‘Aqui nasceu Nelson Freire’”, diz Pepita. Sempre discreto, o homenageado apenas balança a cabeça e sorri.

Aliás, nos últimos dias, o sorriso foi constante no rosto de Nelson Freire. Como é de lei em Minas, ele ganhou almoço domingueiro na fazenda da família. No cardápio, a tradicional leitoa. “Já pedi pra separar aquelas partes de que você gosta”, avisou o primo, Celso Freire, à visita ilustre.

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Os irmãos Nelma e Nirval Freire matam as saudades da terra natal (foto: Carolina Braga/EM/D.A. PRESS)
O presente especial para Nelson


“Quem está vendo pela primeira vez uma orquestra?”, perguntou o maestro Fabio Mechetti diante das 7mil pessoas que no sábado à noite foram à Praça do Fórum, em Boa Esperança, ouvir o pianista Nelson Freire e a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Cerca de 70% levantaram a mão.

Mechetti foi didático: apresentou as cordas, detalhou a diferença do violoncelo para a viola e assim por diante, naipe por naipe. Falou para uma plateia encantada, que, minutos antes, ouvira em silêncio o Concerto para piano nº 4 em sol maior, op. 58, de Beethoven. Escolhida por Nelson Freire para sua primeira apresentação ao ar livre com orquestra na cidade natal, a
peça não é das mais fáceis. É longa, muito íntima.“Espero que sirva de incentivo para as pessoas pensarem mais nas artes, na música e ficarem menos materialistas, porque isso faz muita falta e bem ao ser humano. A música é uma linguagem maravilhosa, universal”, omentou o pianista assim que deixou o palco, todo sorridente. Via-se ali um homem realizado.

SURPRESA O concerto fez parte do projeto de interiorização da música clássica promovido pelo Instituto Cultural Filarmônica. O Hino Nacional Brasileiro, de Francisco Manuel da Silva,  abriu o programa, que contou também com a abertura de O navio fantasma, de Wagner; Valsadas flores, deTchaikovsky; e a protofonia de Oguarani, de Carlos Gomes. Nenhuma delas emocionou tanto quanto a surpresa preparada pela Filarmônica, que tocou Serrada Boa Esperança, de Lamartine Babo, como um presente para Nelson e sua terra natal.

Composta em 1937, essa joia de Lamartine, homenagem à cidade mineira, ganhou agora sua primeira versão orquestral, encomendada ao compositor Jônatas Reis, vencedor do concurso Tinta Fresca 2015.

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