Rio de Janeiro - “Tenho esse temperamento. Se não consigo rir de mim mesma, é sinal de que a coisa está feia”, diz a cantora e compositora gaúcha Adriana Calcanhotto. Escrever – sejam canções ou livros – é uma maneira de digerir a dor e seguir adiante. Ela identifica essa filosofia nos versos do conterrâneo Lupicínio Rodrigues (1914-1974), conhecido como o cantor da dor de cotovelo (seria ele o autor dessa expressão), que fez sambas sobre traição, vingança, desengano e dores do amor em geral.
Foi em sua homenagem que Adriana gravou, no fim do ano passado, em Porto Alegre (onde ambos nasceram), Loucura, CD e DVD no qual interpreta apenas composições dele, como Nervos de aço, Volta, Felicidade, Judiaria e Castigo. “Lupicínio não era um homem culto, mas não parece. Como se tivesse um tipo de consciência do que está fazendo, mas, na verdade, não era isso, pois era intuitivo. A canção Quem há de dizer é exemplo de que ele sabe o que está fazendo, como se tivesse lido Homero e todo o mundo. E não é assim, o que é incrível”, elogia ela.
Autora de várias canções tão melancólicas quanto belas, a gaúcha diz que foi ao gravar seu disco O micróbio do samba (2011) que identificou sua ligação com o conterrâneo. “Há outros autores de influência clara sobre meu trabalho e não era evidente a influência de Lupicínio para mim, pois as músicas dele sempre existiram para mim. É diferente. As minhas canções de dor de cotovelo são influenciadas por ele também, eu vi isso. Sem ele, minhas canções não sairiam do jeito que saíram.”
Alguns versos dele podem parecer simples demais, mas Adriana defende não apenas a forma, mas também o conteúdo: “Ele diz coisas que são do ser humano e, às vezes, dava uma risada de maldade ou ironia ao cantar certas coisas. São muitas camadas em Lupicínio, um universo inteiro”. A seleção de repertório, conta, foi feita revirando discos do compositor em casa, ouvindo de novo dezenas e dezenas de gravações do período anterior à bossa nova.
SMOKING Como que para manter foco nas letras, a artista apostou em formação de dois violões (Dadi Carvalho e Cézar Mendes), baixo acústico (Alberto Continentino) e trompete (Jessé Sadoc), sem percussão. Há participações especiais dos violonistas Arthur Nestrovski e Cid Campos e do acordeonista Arthur de Faria. O cenário é sóbrio (praticamente só mesas e cadeiras no palco), montado no teatro da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que propôs o projeto a Adriana em razão do centenário do compositor, comemorado no ano passado.
De smoking, sapatos pretos e cabelos bem presos num coque, ela dá o devido tom de gravidade às interpretações de Lupicínio. Sem dúvida, um projeto ousado e bem-amarrado, que surpreenderá os fãs da Adriana, autora de sucessos que tocam no rádio. Entretanto, não haverá turnê para o trabalho. “O registro é muito quente, foi uma noite, literalmente, única. Não vejo o que acrescentar a esse projeto. É como se eu tivesse lançando um filme”, diz.
Sobre as homenagens a Lupicínio que também fizeram as cantoras Gal Costa (que deverá lançar CD em breve) e Elza Soares (que montou um show), Adriana afirma: “A Elza virou tudo para o feminino, como se fosse a vida dela. Admiro muito a Elza. Quando vi o show dela, o filho do Lupicínio estava do meu lado e a gente se cutucava o tempo todo. Foi muito impactante e pensei em como faria um show de Lupicínio depois de ver aquilo. Foi muito forte, ela chorou no palco, se apropriou das canções. O projeto da Gal não vi, porque não estava aqui na época. Quanto mais gente olhando para ele, melhor. Ninguém olha igual”.
O repórter viajou a convite da Sony
Adriana Calcanhotto lança álbum com músicas de dor de cotovelo de Lupicínio Rodrigues
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