Aos 96 anos, Sebastião Biano lança primeiro disco solo

Fundador da Banda de Pífanos de Caruaru e instrumentista desde a infância, pernambucano lembra o dia em que tocou para Lampião

por Eduardo Tristão Girão 14/07/2015 08:45

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
ALEXANDRE NUNIS/DIVULGAÇÃO
Músico Sebastião Biano, que fabrica seu próprio pífano e aprendeu a tocar com o pai (foto: ALEXANDRE NUNIS/DIVULGAÇÃO)
Sebastião Biano tem 96 anos, já tocou para Lampião (em 1927, no interior pernambucano) e se lembra com detalhes da ocasião. Último remanescente da formação original da Banda de Pífanos de Caruru, o pifeiro (nome dado a quem toca essa típica flauta nordestina) continua na ativa e acaba de lançar seu primeiro disco solo – 'Sebastião Biano e seu Terno Esquenta Muié' (Selo Sesc).


“Não tomo mais remédio há um bom tempo, só um xarope de vez em quando. Não sinto dor nenhuma. O pífano me deu tudo, não saio dessa vida. Há tanto o que aprender desse instrumento que o cabra pode passar a vida sem conseguir saber tudo. A gente não ensaia não. Quando aparece festa, só chegamos para tocar e sai melhor do que quando a gente está ensaiando. Meu fôlego está pouco, está curto, mas ainda o tenho. Ainda sou forte”, resume Biano, alagoano de Mata Grande.

A Banda de Pífanos de Caruru, que Biano formou quando ainda era criança com o irmão Benedito e outros familiares, em 1924, é das mais antigas em atividade no país, representante de sonoridade brasileira das mais autênticas. Aos primeiros segundos de qualquer música gravada por ele é impossível não se lembrar do Nordeste. As formações mudaram ao longo do tempo, mas não a proposta, fazendo da banda uma referência musical bastante sólida até hoje. A expressividade conseguida com o pífano, instrumento rústico e de poucos recursos, é notável.

O primeiro disco foi lançado em 1972 e, depois disso, os irmãos Biano foram descobertos por Caetano Veloso e Gilberto Gil, que ajudaram a tornar o grupo mais popular – ambos gravaram 'Pipoca moderna', de Sebastião Biano, para a qual Veloso escreveu a letra. Outros discos vieram e também prêmios, como o Grammy Latino, na categoria regional.

Para o flautista e saxofonista Carlos Malta, Biano foi uma grande influência. “A Família Biano é grande responsável por meu interesse em bandas de pífano. Aos 12 anos, eu iniciava, como autodidata, meus estudos de flauta e, ao ouvir 'Pipoca moderna' no LP do Gilberto Gil 'Expresso 2222', me vi entusiasmado com novos ‘heróis’ a me inspirar. Essa inspiração me norteia desde então e hoje comemoro 21 anos com meu grupo Pife Muderno, que me leva mundo afora! Sebastião Biano é, para mim, um exemplo de vida e de som, generoso e virtuoso”, afirma Malta.

SONORIDADE O disco que o veterano acaba de lançar pelo selo Sesc tem sonoridade (e formação) diferente da que mantém na Banda de Pífanos de Caruaru. É menos “folclórica”. Ao pífano dele juntaram-se Eder “O” Rocha (zabumbateria, um híbrido de zabumba, caixa, bumbo e prato), Renata Amaral (baixo), Filpo Ribeiro (viola e rabeca) e um segundo pifeiro, Júnior Caboclo, que é integrante da Banda de Pífanos de Caruru desde 2008. No repertório, oito “causos” (sobre a história de Biano) e 10 músicas (duas delas com letra).

Gravado no ano passado, em São Paulo, o álbum registra exclusivamente composições dele, num movimento contrário ao que tem ocorrido em relação aos shows da banda, nos quais composições de vários autores nordestinos vêm “engolindo” as de Biano. Atualmente, as composições do nonagenário são ouvidas praticamente só em apresentações em teatros – minoria numa agenda em que predominam compromissos ao ar livre.

Além de temas escritos recentemente, foram adicionados ao disco regravações de músicas importantes na trajetória de Biano, como 'Pipoca moderna', 'Esquenta Muié' e 'A briga do cachorro com a onça'. Ele conta que já tem projetos para mais dois discos, um deles com a Banda, a ser gravado ainda este ano, contemplando sambas matutos escritos por ele nos anos 1970, todos inéditos.

Morando em São Paulo desde 1979, ele diz sentir muita falta do Nordeste. Mês passado, esteve em Caruaru, interior de Pernambuco, onde morou por 40 anos, e passou uma semana lá. Mesmo assim, não conseguir matar as saudades de ninguém: “Os políticos ficaram me levando de um lado para o outro, não me soltaram. Não tive tempo de visitar quem eu queria, nem de comprar umas coisinhas para trazer aqui para casa. Tenho vontade de voltar para lá, está melhor que antes. Quando saí, não tinha um prédio”.

Biano produz o próprio pífano (bem como a zabumba, a caixa e o bumbo usados pela banda) e ainda leva alguns exemplares sobressalentes para vender depois dos shows. “A gente mesmo pegava as madeiras e tabocas para fazer os instrumentos. Escolhíamos as mais secas, fazíamos as escalas, furávamos e já saíamos do mato tocando. Eu e meu irmão começamos fazendo uma gaitinha com a folha do jerimum. Abrimos um buraquinho em cima e dois embaixo. Saiu um sonzinho bonitinho e meu pai ficou impressionado. Ele ficou escutando e um dia falou que a gente ia aprender a tocar pife. A gente nem sabia o que era”, conta ele. O pai havia se lembrado das bandas de pífano que tinha visto na infância.

Como tinham apenas 5 anos, ganharam dele pífanos pequenos, chamados de “meia regra”. “Meu pai sabia que a gente ia aprender. Pegamos os pífanos e foi logo saindo o som, não deu trabalho. Uma pessoa assoviava e a gente saía tocando. Nosso professor foi nosso pai, que tocou umas músicas nele, mas depois não quis mais e passou para a zabumba. Naquela época, o pífano era um instrumento religioso, não se tocava essas coisas de frevo ou samba com ele”, conta.

LAMPIÃO

Em 1927, em Tacaratu, interior de Pernambuco, Biano ficou cara a cara com Lampião e tocou para ele. Estava ao lado dos irmãos, com quem formava a Banda de Pífanos de Caruaru, fundada pouco antes pelo pai. Era o último dia de festa de uma novena promovida por um fazendeiro da região. “Lampião chegou na hora da missa. Quando saiu do mato com 50 cangaceiros, peguei na mão do meu irmão para a gente se esconder, mas não tinha mato e ficamos ali mesmo. O medo era tão grande que fizemos xixi na roupa”, lembra.

Apesar do pânico geral, Lampião estava ali exclusivamente para pagar uma promessa. Depois da missa, ele e seus companheiros caminharam na direção dos meninos músicos. O Rei do Cangaço perguntou se eles – que estavam tremendo de medo – sabiam o seu toque. “Nem deu para a gente resmungar, mas cadê de a gente acertar o buraco do pífano? O som demorou a sair, tocamos o toque dele e Lampião falou assim para os caras dele: ‘Essas crianças sabem tocar e vocês não tocam piroca nenhuma.”

Os cangaceiros comeram toda a comida da festa. “Nem para o padre sobrou. O que não cabia na boca, botavam no chapéu. E a gente, nem fome sentiu, de tanto medo. Quando acabaram de comer, ainda pediram palha de milho para dar aos cavalos”, lembra Biano. No final das contas, resume, a lembrança do episódio é boa: “Não buliram com ninguém e deram foi valor para a gente”.


Versão mineira
O pífano é automaticamente associado à música nordestina, mas também tem raízes em Minas Gerais. Quem comprova é o músico Daniel Magalhães, que produziu o disco 'Bandas de taquara e pífano em Minas Gerais' (2007), registro de performances de 12 grupos em cinco cidades do estado. Ele concentrou sua pesquisa nas cidades do Serro, Conceição do Mato Dentro, Capelinha, Angelândia e Minas Novas, onde eles atuam desde o século 18, sobretudo em festas religiosas. A caixa (usada no lugar da zabumba) é um dos traços que distinguem as bandas mineiras das nordestinas.

MAIS SOBRE MÚSICA