O que é tendência musical nos Estados Unidos mais cedo ou mais tarde chega ao Brasil. E não é diferente com a redescoberta dos ritmos antigos, numa interessante viagem a um passado vintage. Enquanto nas redes sociais cada vez mais gente se encanta com a música de Scott Bradlee e o Postmodern Jukebox, Kate Davis, Carolina Chocolate Drops e The Spinettes, o trio feminino brasileiro Cluster Sisters põe os pés na trilha retrô e lança um CD totalmente dedicado ao swing, o ritmo frenético e dançante dos anos 1940 nos Estados Unidos e na Europa.
No caso do trio Cluster Sisters, que se destacou ano passado na primeira edição do programa SuperStar, da Rede Globo, embora não tenha chegado à final, a identificação com o trio The Andrews Sisters, considerado o mais importante grupo vocal do século 20, é imediata. A começar pela música que abre o álbum, Boogie woogie bugle boy, simplesmente o maior sucesso do trio norte-americano.
Outra faixa que remete diretamente às Andrews Sisters é Beir mir bist du schon, mas as brasileiras não se resumem a fazer cover do trio americano. Nas 15 músicas do CD há espaço para Glenn Miller (Tuxedo connection), Cab Calloway (Minnie the moocher), Chuck Berry (Route 66), Louis Prima (Sing, sing, sing), The Ross Sisters (Solid potato salad) e Louis Armstrong (What a wonderfull world).
A ousadia no álbum fica por conta dos arranjos “suingados” de dois clássicos da música brasileira: A história de Lily Braun, de Chico Buarque e Edu Lobo; e o chorinho Tico-tico no fubá, de Zequinha de Abreu. O resultado é muito bom e supera as expectativas. O CD é homogêneo e agradável.
As cantoras Gabriela Catai, Giovanna Correia e Maitê Motta são extremamente afinadas, conhecem a fundo o swing e encontram apoio necessário para revisitar os clássicos sem fazer feio nos demais integrantes da banda, formada por Emilio Mizão (guitarra e violão), Filipe Barthem (contrabaixo), Bruno Cotrim (Bateria), Wesley César
Som viral na web
Não há como falar em boom da música retrô sem começar pelo músico e arranjador Scott Bradlee e seu grupo, o Postmodern Jukebox, que não se cansam de emplacar sucessivos vídeos virais no YouTube graças a uma ideia simples e criativa: produzir arranjos vintage para canções pop atuais. Nas mãos de Bradlee, a quase explícita Anaconda, de Nick Minaj, se transforma numa inocente canção no estilo bluegrass, uma das vertentes mais tradicionais da country music. Da mesma forma, All about that bass, hit instantâneo de Meghan Trainor, ganhou duas releituras de Bradlee, ambas extremamente inspiradas. A primeira, mais cool, tem a participação da cantora e instrumentista Kate Davis, que tem luz própria quando se trata de sonoridade vintage, e a segunda, mais sensual, para anunciar a turnê europeia que o Postmodern Jukebox faz este ano.
O maior destaque de Scott Bradlee e dos músicos que com ele trabalham (na falta de melhor definição, o grupo pode ser chamado de coletivo) é que o sucesso virtual precedeu a fama de que hoje desfrutam. O Postmodern Jukebox se tornou conhecido primeiro no YouTube para depois atrair público para shows nos EUA e Europa. Há vídeos do grupo com mais de 5 milhões de visualização e, no Facebook, os compartilhamentos são contados aos milhares, sempre com comentários favoráveis.
Outro ponto a ser acentuado é o profundo conhecimento musical de Bradlee. Pianista, compositor e apaixonado por jazz e ragtime, ele é capaz de transformar Bad romance, de Lady Gaga, em um clássico ao estilo anos 1920, com direito a sapateado. Ou, então, fazer de Barbie girl, do grupo Aqua (alguém ainda se lembra dele?), num genuíno sucesso da surf music, ao melhor estilo Beach Boys. Os exemplos dessa criatividade se repetem a cada vídeo postado no YouTube.
Lady do jazz
Com formação jazzística e clássica, a cantora, compositora e instrumentista Kate Davis se divide entre apresentações solo e o trabalho no grupo feminino The Ladybugs. As duas vertentes da carreira têm em comum a paixão da artista por standards do jazz e um bem sucedido flerte com outros ritmos antigos.
Kate canta, toca piano, guitarra, violino e baixo. Por sinal, tornou-se mais conhecida justamente por sua participação em uma das releituras que Scott Bradlee fez de All about that bass, no qual canta e toca baixo com um virtuosismo que encanta. Em suas apresentações solo, tem o jazz como principal fonte, mas há espaço para o pop de John Lennon, como em Imagine, ou para uma divertíssima e suave reinvenção de Roar, de Katy Perry, gravada em um abrigo de gatos em Nova York.
Já com o grupo The Ladybugs, que tem como líder a instrumentista Martina DaSilva, os arranjos são bem mais intrincados e suaves. A formação conta com um sólido naipe de sopros e há algumas gravações antológicas, como God bless the child, clássico de Billie Holiday, e Besame mucho, com uma interpretação incrivelmente despojada e bonita.
A exemplo dos outros grupos e artistas que redescobriram a beleza dos ritmos antigos, o YouTube é o principal canal de divulgação da música de Kate Davis e de The Ladybugs. Os vídeos são encontrados facilmente e em grande quantidade, o que permite conhecer de maneira mais profunda o trabalho da artista.
Tradição étnica
A principal diferença do grupo norte-americano Carolina Chocolate Drops para as demais formações que apostam na sonoridade vintage é a forte influência étnica. Sob a liderança da cantora e multi-instrumentista Rhiannon Giddens, artista com carreira solo consolidada e valorizada pela crítica, o quarteto se caracteriza principalmente pelo resgate e valorização da música negra do início do século passado, dos anos 1920 à década de 1950. Fundada em 2005 na Carolina do Norte, a banda alcançou o reconhecimento em 2010, quando o álbum Genuine negro jig foi premiado com o Grammy de melhor disco tradicional de folk. Ouvir Carolina Chocolate Drops, que já tem fama internacional, é mergulhar nos ritmos negros do Sul dos Estados Unidos, embora o grupo não se prenda a este estilo. Canções country de Hank Willians e até hits da música celta fazem parte do repertório. Dona de voz potente e exímia instrumentista, Rhiannon Giddens catalisa as atenções, mas os demais músicos que integram a formação também são muito bons. O uso de instrumentos de época reforça a autenticidade da proposta musical do quarteto.
A presença do grupo na internet e nas redes sociais é forte. No YouTube há vídeos de shows completos e de seus principais sucessos. Uma dica é ouvir No man’s mama, gravada originalmente por uma das primeiras estrelas negras da música e do cinema, Ethel Waters, em 1925. Além de beirar a perfeição, a interpretação de Rhiannon é emocionante. Em seus 10 anos de carreira, o grupo gravou cinco álbuns, além de participações em coletâneas.
Pin-ups modernas
Iniciada nos Estados Unidos, a tendência de resgatar ritmos antigos cruzou o mar e ancorou na Inglaterra, mais precisamente em Londres, onde as amigas Emily, Melanie e Bonnie criaram o trio The Spinettes, espelhado nas Andrews Sisters e em outros grupos vocais que se espalharam pela América a partir dos anos 1930.
Além do vocal afinadíssimo e do repertório de hits das décadas de 1940 a 1960, o que chama a atenção no grupo inglês é o figurino impecável. Vestidas com roupas de época, as cantoras parecem pin-ups e fazem questão de ressaltar isso em todos os momentos. Nas redes sociais, os vídeos do YouTube, a maioria em preto branco e com produção luxuosa, complementam a ambientação retrô que o grupo busca. Clássicos como Boogie woogie bugle boy, um dos maiores sucessos das Andrews Sisters; Fly me to the moon, Chatanooga choo choo e Cheek to cheek são obrigatórios no repertório das garotas londrinas, que têm músicas à venda no site da Amazon e uma agenda de shows bastante movimentada.