Nina Simone pertence a uma cada vez mais rara categoria de artistas que não têm fãs, e sim seguidores. A força da voz e das interpretações e a verve politizada fizeram com que o canto da norte-americana fosse reverenciado em todo o mundo, por diferentes gerações. What happened, Miss Simone? (O que aconteceu, senhorita Simone, em livre tradução), documentário que o Netflix estreou semana passada, tem a missão de tentar traduzir um pouco da grandiosidade da obra de uma das artistas mais importantes do século 20.
A missão é quase impossível, já que Nina, como o filme reitera infinitas vezes, tinha uma personalidade dificílima — comparável apenas, talvez, ao tamanho de seu talento. “Eu escolhi refletir as situações nas quais eu me encontrava. Como você pode ser artista e não ser um reflexo do seu tempo?”, diz ela no longa-metragem. A conturbada trajetória de Eunice Kathleen Waymon, nascida no estado norte-americano da Carolina do Norte e morta em 2003, aos 70 anos, iniciou-se com os estudos de piano erudito.
Ainda garota, Nina mostrou-se virtuosa e dedicou longos anos ao instrumento: queria ser a primeira concertista negra dos EUA. Só começou a cantar para ganhar uns trocados depois de ser rejeitada em um conservatório. O motivo da recusa, ela só entenderia depois, era a cor de sua pele. O talento colossal de Nina Simone veio acompanhado de algumas frustrações. Ciente de seu dom, ela se incomodava com o fato de nunca ter atingido o sucesso do qual acreditava-se merecedora.
A artista foi diagnosticada com transtorno bipolar na década de 1980. Antes disso, meteu-se em encrencas monumentais. A personalidade forte e beligerante fez com que Nina se tornasse uma pessoa solitária. What happened, Miss Simone? apresenta essas diversas facetas da cantora e pianista, a partir de depoimentos, entrevistas e imagens de arquivo, algumas delas raras e inéditas.
“Parem de pensar que, quando ela entrava no palco, virava Nina Simone. Minha mãe era Nina Simone o tempo todo, e foi aí que isso virou um problema. Tudo veio abaixo”, diz a filha da artista, a cantora e atriz Lisa Simone, no filme. Um dos pontos altos de What happened, Miss Simone? é o aprofundamento da relação da cantora como o movimento pelos direitos civis dos negros, o que acabou por sacrificar — pelo menos por um tempo — a carreira da artista, e a levou a um exílio voluntário na África, e posteriormente, na Europa.
Direto ao ponto
Com produção do Netflix, o filme dirigido por Liz Garbus foi exibido na abertura do Festival de Sundance, no Festival de Berlim e no brasileiro É Tudo Verdade. “Nina nunca deixou de ser relevante pois seu ativismo era direto ao ponto, único e forte, pregado com muita paixão”, disse a diretora em entrevista ao The New York Times. Para ela, o contexto político pouco mudou desde então, o que faz com a voz de Simone ainda reverbere com muita convicção entre as novas gerações.
O reconhecimento que Nina se ressentiu por não ter vivenciado plenamente em vida talvez tenha tido mais evidência nos últimos anos. A cantora ganhou duas biografias na última década, foi sampleada por nomes como Kanye West e Jay Z, regravada por um sem-fim de artistas e ganhou outro filme — estrelado pela atriz Zoe Saldana, o longa Nina gerou controvérsia, já que Simone era militante do movimento negro e a escolhida tem traços latinos, bem diferentes dos da artista.
What Happened, Miss Simone?
Documentário dirigido por Liz Garbus. Disponível no Netflix.
Para ouvir
Canções que ficaram eternizadas na voz de Nina Simone
» Feeling good
» I put a spell on you
» To be young, gifted and black
» My baby just cares for me
» To love somebody
» Ain't got no, I got life
» Don't let me be misunderstood
» Mississippi goddam
50 anos
Tempo de carreira da cantora