Chegar à sede da UBC no Rio de Janeiro na última sexta-feira foi interessante. Triste, talvez. Logo na recepção, pude ver um banner que anunciava a morte de Fernando Brant. A recepcionista, Soninha, com olhos tristes me saudou com um beijo suave e um abraço indagador. Daqueles que nos questionam a falta do protagonista. Eu, coadjuvante, diante de um semblante de choro, decidi que iria subir para ver algumas pessoas.
No elevador, era como se desvendasse diante de mim uma nova casa em um silêncio total que dominava minha mente, entremeado por pequenos cumprimentos aos funcionários que cruzavam comigo. Com olhares suaves, assentindo com a cabeça, eles confirmavam entender minha solidão. Foi no oitavo andar, após o sorriso comedido e tímido das meninas que me receberam, que me dei conta do vazio que vivemos quando pessoas que amamos e respeitamos se ausentam de nossas vidas.
Marisa Gandelman, com os olhos marejados, veio me receber e, num abraço longo, dissemos tudo que nunca poderíamos transmitir por meio de palavras. Começamos então uma conversa informal sobre música e abordamos alguns assuntos de trabalho... Mas o tom da fala era cuidadoso. Está faltando o protagonista...
Com a chegada do amigo Manno Góes, após longo abraço, voltamos às lembranças entremeadas pela urgência do trabalho e a continuação de um sonho que foi sonhado, plantado e cultivado há 73 anos: a luta em favor dos direitos de autor, a União Brasileira de Compositores. Nosso próximo compromisso seria a missa para o Fernando, na Igreja de Santa Rita, próxima à UBC. Lá fora o dia nublado chorava uma chuvinha fina e nostálgica.
Parte B
Após a missa, amigos e artistas abraçavam os familiares. Aliás, todos se abraçavam. Ao som de Canção da América, seguimos para um almoço com os familiares e pessoas bem próximas do Fernando, em um restaurante de que ele gostava muito, situado nas imediações. Já na rua, ao lado de Leise, esposa e companheira de longos anos de Fernando, experimentei algo de que já suspeitava há muito tempo. Vivemos amparados por estruturas que nos tornam seguros ou inseguros, melhores ou piores como pessoas.
A família Brant, ali representada por Ana Luísa, Bebel e Diógenes, todos com personalidade muito definida, me mostrava claramente o tom do dia a dia regido com maestria pela mãe, mulher de fibra e personalidade forte. Uma verdadeira amiga. Eu que levo a vida envolvida por um romantismo constante, pensando em Fernando Brant com seu estilo otimista, amigo, franco e ao mesmo tempo gentil, não resisti ao desejo de participar desse momento de tanta lucidez, mesmo que envolvido por uma aura de saudosismo e tristeza que povoava nossos assuntos. Bebi e degustei cada lembrança, cada história contada pela Leise. Algumas me envolvendo. E os laços em minha mente crescendo. Levando-me cada vez para mais perto deles.
Aqui fora, o dia nublado chorava uma chuvinha fina e nostálgica.
Parte A1
Foi no restaurante que aconteceu a catarse da amizade espalhada como um vírus por Fernando e sua família. Respeito, carinho e admiração exalavam ao meu lado, com Aloysio Reis contando histórias e experiências com o Fernando, enquanto Manno Góes fazia um lindo contraponto melódico em alusão à sua experiência com o grande poeta. Sydney Sanches e sua esposa, Leila Pose Sanches, em outra ponta, conduziam nossos assuntos com bom humor e leveza. Daquelas que somente os verdadeiramente amigos são capazes. Eu, estranhamente feliz por aquele momento, trocava pequenas frases e fazia coro com Marisa, Leise, Diógenes e sua namorada, Mariana. Bebel e Ana Luisa permaneciam fiéis à harmonia. Essa música embalou toda a tarde e teve a pretensão de se tornar um grande tema com variações. Nessa hora, quem regia era Fernando Brant.
Mas o tempo não para. Os relógios, os aeroportos, são rigorosos...
Lá fora, o dia nublado chorava uma chuva forte e saudosa, escondendo o crepúsculo que não suportou sua dor... Parecia que nesse dia não haveria a Fresta entre os dois mundos. Fernando se fora.
CODA
Já na rua, em meio a muita chuva, movimento de automóveis e muitos transeuntes, tentamos, exaustivamente, conseguir um táxi que nos conduzisse ao aeroporto. Aos meus olhos e para o meu coração, o Rio de Janeiro estava banhado em lágrimas, refletindo meu sentimento. As poças d’água na rua me diziam para seguir com cuidado pela vida. Sabendo onde pisar... Cuidando dos amigos e pessoas à minha volta. Cuidando do sonho. Com muito custo cheguei ao aeroporto. Depois de muitas provações, entre elas voos cancelados e mudança para outro aeroporto, já na madrugada de sábado cheguei à minha casa. Cansado e pensativo, depois de um banho e algumas cervejas, recapitulei o dia e, já deitado, pensei como a vida é boa e segue uma lógica própria. Tentei ordenar meus pensamentos, mas a vida não se desenvolve baseada em nossos preceitos. Enquanto pensava uma forma de organizar o mundo, cerraram-se as cortinas dos meus olhos, desencadeando uma longa Fermata de sonhos...
Lá fora, um dia renascia, me convidando para seguir em frente, dando assim o sentido de eternidade: continuar tudo que nos foi dado gratuitamente pela vida, pelos amigos... Viva Fernando Brant!
Geraldo Vianna é violonista, arranjador e produtor musical
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Parte A