Depois do afastamento dos palcos do mago Marco Antonio Guimarães, que, no entanto, continua na ativa nos bastidores, chega a vez de o percussionista Décio Ramos deixar o Uakti. Para amenizar o que o flautista Arthur Andrés classifica de “questão delicada”, o grupo reencontra o público no mês que vem (no dia 18, na Praça Floriano Peixoto, em Santa Efigênia) e em agosto (dia 1º, na Praça Milton Campos, em Betim), com show repleto de convidados.
'Planetário' vai reunir o consagrado instrumental do grupo a uma formação de cordas composta por 14 músicos da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais (OFMG) e Orquestra Sinfônica de Minas Gerais (OSMG), sob a regência de Marcelo Ramos, o maestro oficial da segunda. “Foi muito bom. Aprendi muita coisa no grupo”, resume o percussionista Décio Ramos ao falar de sua trajetória no Uakti, iniciada em 1978.
Segundo o músico, a decisão vinha sendo amadurecida já há algum tempo, mas apenas no início de março ele resolveu comunicar aos companheiros do Uakti. Por ora, Décio diz não pensar sequer em seguir carreira, solo ou com outro grupo.
Paulo Santos e Arhtur Andrés lembram que, apesar da longa carreira, até o momento eles haviam trabalhado com outros músicos apenas em projetos pontuais. Como as apresentações ao lado de Andy Summers (ex-The Police), Milton Nascimento, Lô Borges e Flávio Venturini, restritas ao eixo Rio-São Paulo, em 1997.
“Depois, recebemos o cantor flamenco Henrique Morientes, em Madri, na Espanha”, cita Arthur, classificando o momento como propício à renovação do Uakti. “É o mesmo que ocorre com uma orquestra que, mesmo com trabalho consistente, tem de substituir o maestro”, compara o flautista, lembrando que os concertos na capital e na região metropolitana serão a oportunidade para o Uakti começar a experimentar novas formações.
TRANSFERÊNCIA “Inclusive preparar pessoas para tocar os instrumentos que utilizamos”, repara Arthur Andrés, salientando que é hora de cuidar da “logística de transferência do conhecimento”. A decisão de Marco Antonio Guimarães de trocar a cena pelos bastidores ocorreu em 1992, durante uma temporada de apresentação em Paris. “Marco, no entanto, continua claramente como diretor artístico e principal compositor do grupo, além de responsável pelo nosso instrumental”, acrescenta o flautista.
Para ilustrar a propalada renovação, ele lembra que músicos ligados ao Uakti, como Leandro César e Josefina Cerqueira, hoje já trabalham como construtores de instrumentos. Ao lado do Uakti desde 1993, Kristoff Silva observa que se tornou aluno e, posteriormente, assistente de oficinas do grupo, que o atrai pela originalidade, rítmica e compromisso com a pesquisa de linguagem.
Já Alexandre Andrés, que é filho de Arthur Andrés e Regina Amaral, salienta o fato de ter sido praticamente criado dentro do Uakti, que o atrai pela riqueza sonora não usual aliada à criação de composições de qualidade. Não por acaso, o jovem músico defendeu tese de mestrado na Escola de Música da UFMG sobre o disco 'I ching', do Uakti.
Entre os mais recentes trabalhos de composição de Marco Antonio Guimarães está a trilha do espetáculo com o qual o Grupo Corpo irá comemorar 40 anos de atividades, em setembro, feita junto com a Filarmônica de Minas Gerais. Única canção do novo repertório, 'Sinfonia das goteiras', de Arthur Andrés, terá a voz da paulistana Monica Salmaso, especialmente convidada para participar do disco. O flautista cativa projeto de voz e instrumento com a cantora. “Escrevi a 'Sinfonia das goteiras' para ela. A canção estaria no projeto e agora havia decidido fazer uma versão instrumental dela. No final, acabei convidando-a para gravar com a gente. Será legal ter a voz de Monica em meio a um disco com orquestra”, avalia o músico.
Opinião: Notícia da saída de músico dói
Walter Sebastião
Para quem pôde ver e ouvir os “quatro Uaktis” tocando juntos, mostrando o que talvez seja a mais audaz criação da música brasileira contemporânea de concerto, dói saber da notícia que Décio Ramos deixou o grupo. E por vários motivos. Talvez o afetivo mereça consideração especial: a notícia traz a sensação, para quem vive em Belo Horizonte, de alguma coisa como a separação dos Beatles. Que a vida seja boa para os instrumentistas, mas, como ouvintes, não há como, neste momento, deixar de pensar quantas vezes vimos, no palco, um dos melhores grupos instrumentais do mundo.
Tudo bem que o Uakti foi passando por transformações. Mas nem por isso deixa de ser inesquecível a lembrança do grupo “inteiro” no palco. Isto é: com a presença de Marco Antônio Guimarães, o mestre-compositor que criou peças cujo arrojo, beleza e expressividade ainda estão por ser mais bem dimensionadas. Pode ser apenas sensação subjetiva, mas o Uakti, como trio, apesar da excelência de diversas apresentações, deixava sensação de perda de potência sonora. Afinal, o que se via e ouvia, quando da atuação em quarteto era produto de oito braços em ação que, trabalhando com o improviso, exibiam um rigor estético e técnico raro.
E aqui entra o segundo aspecto que torna a saída de Décio Ramos triste: os integrantes do Uakti não são apenas músicos bem formados. O quarteto carrega uma vivência longa, meditada, praticada com instrumentos que fogem às convenções. Acrescente-se que todos têm bagagem cultural (ligada à música erudita e popular tanto antiga quanto moderna) que permite exibir total afinidade entre consciência do que fazem e capacidade de comunicar densa carga de inovações e significados musicais que a música deles tem. Neste sentido, os integrantes são insubstituíveis. Será?
Claro que todos os “quatro Uaktis” têm excelência artística para dar continuidade às suas carreiras de forma autônoma. Mas, como ouvintes, do lado de cá do palco, não há como esquecer os solos e diálogos percussivos entre Paulo Santos e Décio Ramos, que levavam a plateia ao êxtase. Encarnação do sublime, mas que vinha de enorme esforço físico – via-se, da plateia, os instrumentistas suando em bicas após as performances. Tudo bem que existe discografia registrando tudo isso. Mas, mesmo assim, não há como deixar de pensar que ela é parte de algo único: a experiência de ver, bem diante de nós, quatro mestres apresentando a mágica deles ao vivo.
Os músicos Kristoff Silva e José Henrique vão integrar a formação no concerto 'Uakti', que também irá contar com Josefina Cerqueira, Regina Amaral e Alexandre Andrés. O desligamento de Décio ocorreu em março e, de acordo com Arthur, acelerou o processo de renovação pelo qual vem passando o Uakti, que, aos 37 anos de carreira, entra em estúdio a partir do próximo domingo para gravar Planetário, seu 13º álbum.
'Planetário' vai reunir o consagrado instrumental do grupo a uma formação de cordas composta por 14 músicos da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais (OFMG) e Orquestra Sinfônica de Minas Gerais (OSMG), sob a regência de Marcelo Ramos, o maestro oficial da segunda. “Foi muito bom. Aprendi muita coisa no grupo”, resume o percussionista Décio Ramos ao falar de sua trajetória no Uakti, iniciada em 1978.
Segundo o músico, a decisão vinha sendo amadurecida já há algum tempo, mas apenas no início de março ele resolveu comunicar aos companheiros do Uakti. Por ora, Décio diz não pensar sequer em seguir carreira, solo ou com outro grupo.
Paulo Santos e Arhtur Andrés lembram que, apesar da longa carreira, até o momento eles haviam trabalhado com outros músicos apenas em projetos pontuais. Como as apresentações ao lado de Andy Summers (ex-The Police), Milton Nascimento, Lô Borges e Flávio Venturini, restritas ao eixo Rio-São Paulo, em 1997.
“Depois, recebemos o cantor flamenco Henrique Morientes, em Madri, na Espanha”, cita Arthur, classificando o momento como propício à renovação do Uakti. “É o mesmo que ocorre com uma orquestra que, mesmo com trabalho consistente, tem de substituir o maestro”, compara o flautista, lembrando que os concertos na capital e na região metropolitana serão a oportunidade para o Uakti começar a experimentar novas formações.
TRANSFERÊNCIA “Inclusive preparar pessoas para tocar os instrumentos que utilizamos”, repara Arthur Andrés, salientando que é hora de cuidar da “logística de transferência do conhecimento”. A decisão de Marco Antonio Guimarães de trocar a cena pelos bastidores ocorreu em 1992, durante uma temporada de apresentação em Paris. “Marco, no entanto, continua claramente como diretor artístico e principal compositor do grupo, além de responsável pelo nosso instrumental”, acrescenta o flautista.
Para ilustrar a propalada renovação, ele lembra que músicos ligados ao Uakti, como Leandro César e Josefina Cerqueira, hoje já trabalham como construtores de instrumentos. Ao lado do Uakti desde 1993, Kristoff Silva observa que se tornou aluno e, posteriormente, assistente de oficinas do grupo, que o atrai pela originalidade, rítmica e compromisso com a pesquisa de linguagem.
Já Alexandre Andrés, que é filho de Arthur Andrés e Regina Amaral, salienta o fato de ter sido praticamente criado dentro do Uakti, que o atrai pela riqueza sonora não usual aliada à criação de composições de qualidade. Não por acaso, o jovem músico defendeu tese de mestrado na Escola de Música da UFMG sobre o disco 'I ching', do Uakti.
Entre os mais recentes trabalhos de composição de Marco Antonio Guimarães está a trilha do espetáculo com o qual o Grupo Corpo irá comemorar 40 anos de atividades, em setembro, feita junto com a Filarmônica de Minas Gerais. Única canção do novo repertório, 'Sinfonia das goteiras', de Arthur Andrés, terá a voz da paulistana Monica Salmaso, especialmente convidada para participar do disco. O flautista cativa projeto de voz e instrumento com a cantora. “Escrevi a 'Sinfonia das goteiras' para ela. A canção estaria no projeto e agora havia decidido fazer uma versão instrumental dela. No final, acabei convidando-a para gravar com a gente. Será legal ter a voz de Monica em meio a um disco com orquestra”, avalia o músico.
Opinião: Notícia da saída de músico dói
Walter Sebastião
Para quem pôde ver e ouvir os “quatro Uaktis” tocando juntos, mostrando o que talvez seja a mais audaz criação da música brasileira contemporânea de concerto, dói saber da notícia que Décio Ramos deixou o grupo. E por vários motivos. Talvez o afetivo mereça consideração especial: a notícia traz a sensação, para quem vive em Belo Horizonte, de alguma coisa como a separação dos Beatles. Que a vida seja boa para os instrumentistas, mas, como ouvintes, não há como, neste momento, deixar de pensar quantas vezes vimos, no palco, um dos melhores grupos instrumentais do mundo.
Tudo bem que o Uakti foi passando por transformações. Mas nem por isso deixa de ser inesquecível a lembrança do grupo “inteiro” no palco. Isto é: com a presença de Marco Antônio Guimarães, o mestre-compositor que criou peças cujo arrojo, beleza e expressividade ainda estão por ser mais bem dimensionadas. Pode ser apenas sensação subjetiva, mas o Uakti, como trio, apesar da excelência de diversas apresentações, deixava sensação de perda de potência sonora. Afinal, o que se via e ouvia, quando da atuação em quarteto era produto de oito braços em ação que, trabalhando com o improviso, exibiam um rigor estético e técnico raro.
E aqui entra o segundo aspecto que torna a saída de Décio Ramos triste: os integrantes do Uakti não são apenas músicos bem formados. O quarteto carrega uma vivência longa, meditada, praticada com instrumentos que fogem às convenções. Acrescente-se que todos têm bagagem cultural (ligada à música erudita e popular tanto antiga quanto moderna) que permite exibir total afinidade entre consciência do que fazem e capacidade de comunicar densa carga de inovações e significados musicais que a música deles tem. Neste sentido, os integrantes são insubstituíveis. Será?
Claro que todos os “quatro Uaktis” têm excelência artística para dar continuidade às suas carreiras de forma autônoma. Mas, como ouvintes, do lado de cá do palco, não há como esquecer os solos e diálogos percussivos entre Paulo Santos e Décio Ramos, que levavam a plateia ao êxtase. Encarnação do sublime, mas que vinha de enorme esforço físico – via-se, da plateia, os instrumentistas suando em bicas após as performances. Tudo bem que existe discografia registrando tudo isso. Mas, mesmo assim, não há como deixar de pensar que ela é parte de algo único: a experiência de ver, bem diante de nós, quatro mestres apresentando a mágica deles ao vivo.