O título da apresentação sinaliza a intenção de uma série de concertos, que transformarão a seleção de repertório do álbum em um processo aberto e gradual de interação com o público. "Quero render esse show por um bom tempo ainda, gosto da ideia de experimentar com liberdade e sem pressa", define.
O nome da nova empreitada de Marcelo ainda rende tributo a um dos maiores sucessos do cubano Ernesto Lecuona, gravado por dezenas de artistas latinos desde o lançamento, em 1931. "Tem uma gravação da Connie Francis que eu adoro e que acho que tem o clima dessa apresentação", diz o intérprete, que pretende nomear cada etapa da série de shows a fim de "abrir o campo de referências para quem está assistindo".
Para a estreia da nova fase, Veronez conta com a guitarra de Claudio Moraleida, bateria de Caio Plínio e baixo de Ricardo Koctus, do Pato Fu, que também assina uma das inéditas em parceria com Roberta Campos. O show na Casa Una tem entrada franca, com distribuição de senhas uma hora antes do evento.
Experimento 1 - Siboney
Show de Marcelo Veronez. Hoje (quarta-feira, 24), às 22h na Casa Una Centro de Cultura (Rua Aimorés, 1451 - Centro). Entrada franca com senhas distribuídas no local, uma hora antes do show.
Seu show Não sou nenhum Roberto, de tributo ao rei, circula por BH há seis anos. Como é a transição de um trabalho tão consolidado pra um repertório novo?
Em 2012 fiz dois shows diferentes, um com a Milena Torres, só com canções dela, e o Veronez e seu conjunto, que era um projeto de presente pro meu inventário emocional. Era um conjunto de baile, com um monte de músicos craques e a gente fazia matinês pro pessoal mais velho dançar boleros das décadas de 40 e 50. Já esse é o início de uma transição mesmo. É estranho e ao mesmo tempo muito empolgante ter de novo todas as inseguranças que um trabalho novo propõe e eu quero render esse show por um bom tempo ainda. Gosto da ideia de experimentar com liberdade e sem pressa.
O Não sou... se reflete em algo dessa nova fase ou a ideia tende mais para ruptura?
Eu aprendi a cantar rock fazendo o Não sou nenhum Roberto. e a entender muitas coisas da relação corpo e voz, que é o lance que eu gosto, o rio onde eu navego. Então, o que diz respeito ao rock and roll e à ideia de palco permanecem, mas existe a ruptura com um repertório muito conhecido e apegado ao emocional das pessoas. Este novo repertório é mais aberto, tem músicas inéditas e as que não são inéditas talvez não sejam tão conhecidas como as de Roberto e Erasmo.
O material inédito é autoral? Como funcionam as parcerias para criação destas faixas?
As faixas inéditas dessa edição são de amigos, de pessoas que eu gosto de cantar e estão próximas. Mas quero diversificar a pesquisa e as distâncias, acho que o show pode ajudar a abrir essa rede. Em tese eu não sou um compositor, escrevo algumas coisas, penso em melodias, mas ainda não tive a vontade de juntar isso e criar um material meu. E como eu gosto dessa relação teatral, a ideia de representar, interpretar algo criado por outra pessoa me atrai muito. Acho que a função do intérprete é de multiplicar os discursos, não como alguém que reproduz, mas como alguém que se posiciona a partir deles.
Sobre o quê versam essas canções até agora? Já existe um núcleo conceitual para o disco?
As canções falam das relações consigo e com o outro, de paisagens urbanas, elas constroem uma ideia quando estão juntas. A intenção é criar um conceito de liberdade, do sentir e do ser. Fazer desse show um espaço de experimentação dessas músicas é um luxo. Vamos construir o disco a partir delas, a partir da reação das pessoas, da troca de ideias, então o núcleo conceitual do disco é o próprio show.
A sua pesquisa para o disco passa por teatro de revista, glam e carnaval. O que vem desses universos que você vai levar ao palco hoje?
Esses três elementos já estão bastante presentes em quase tudo que eu faço. Sempre tem um brilho, um tesão, uma alegria. Sem isso eu não faço nada, porque a gente anda muito abafado, muito careta, muito mental — o que não quer dizer inteligente nem racional, mesmo! É lógico que existe um mundo de coisas que precisam mudar, que a gente tem que rever de forma muito séria. Mas ali, no palco, é hora de trabalhar outra parte. Eu acredito que esse trio glam, carnaval e revista é capaz de abrir os horizontes, mudar os olhares e os sentidos. O meu interesse no palco é nesse lugar de alcance.
O show é descrito como primeiro de uma série. De que maneira você pretende que essa experimentação no palco interfira no registro de estúdio?
Nós vamos fazer outros shows trocando boa parte do repertório, cada show é único e é sempre diferente. Poder experimentar as músicas com o público e perceber a interação que acontece enriquece muito o material de estúdio, areja algo que sempre começa mais hermético, muito definido. No show a gente tem que improvisar, tem que pescar a atenção das pessoas no momento em que está tocando e não depois, a partir de qualquer plataforma que seja. O show gera imagem e isso modifica todo o entendimento da banda e do público. A relação é muito diferente de uma gravação de estúdio e, para mim, é mais viva. Para mim, estúdio é mais difícil que palco, então prefiro ir mais acertado das escolhas.
Você já viveu outras parcerias com a mineira Milena Torres. Esse novo momento inclui trabalhos dela?
Vai ter Milena Torres sempre. A gente dividiu um show só com músicas dela, chamava Argila. Era lindo, eu adorava fazer. Gosto da forma como ela compõe, gosto da forma clara em todos os aspectos, na palavra e na melodia. Milena tem uma música muito honesta e eu me sinto muito feliz de sempre estar na lista de intérpretes dela.
Como surgiu a colaboração com Ricardo Koctus?
Eu já conhecia o Rick por causa do Pato Fu, que era minha banda de adolescente, de quase todo mundo da minha geração. Há uns cinco anos ele assistiu ao Não sou nenhum Roberto e a gente ficou muito amigo de lá para cá. Dividimos palco milhares de vezes, fizemos shows juntos, ele tocando Elvis e eu o Roberto. Sempre conversamos sobre fazer um disco, dele produzir, fazer um trabalho que nos juntasse mais. Para mim é sensacional ter ele e o Claudio Moraleida por perto, porque são dois caras que entendem tudo de rock, eu fico aprendendo.
Quem mais você pode adiantar que deve colaborar no trabalho de estúdio?
Toda essa equipe que está no show deve entrar no disco, eu espero. O Ricardo, o Claudio e o Caio Plínio, que é mais próximo da minha geração. Um baterista elegante, preciso. Vamos chamar outros músicos para somar nas próximas edições e, assim, construir esse material do disco. Ainda tem mais coisas para experimentar, conceitos, conversas, desenhos, imagens, textos, e eu acho tudo tão importante quanto a música. E tem muita gente que eu quero aqui nessa Bellot. Fico muito feliz de poder construir meus trabalhos no meio de tanta gente massa e talentosa. Facilita a vida, né?