O poeta, pensador, escritor, compositor, cantor, violinista e humanista Jorge Mautner vem recebendo merecida atenção da indústria fonográfica da nova era. Depois da caixa da série Três Tons, com os fundamentais discos dos anos 1970 ('Para iluminar a cidade', 'Jorge Mautner' e 'Mil e uma noites de Bagdá') e do álbum duplo 'Para detonar a cidade', com registros de um show de 1972 e seis faixas inéditas, a discografia básica do demiurgo do partido do Kaos, com K, fica praticamente completa com a caixa de quatro CDs 'Anos 80 – Zona Fantasma'. São discos de pegada diversa, mas que ajudam a compor, com suas quase 50 faixas, um bom painel da diversidade do universo do artista, com ajuda de textos de Renato Vieira contextualizando cada álbum.
O primeiro, 'Bomba de estrelas' (1981), continua sendo seu trabalho mais comercial e radiofônico. Produzido por Liminha e Chico Neves em 1980, apresentava 10 faixas bem formatadas, contando com músicos de primeira linha, como os baixistas Luizão e Arnaldo Brandão, o baterista Wilson das Neves e os tecladistas Tomaz Improta e Luciano Alves. E participações especiais de artistas consagrados, ajudando a dar diversidade e credibilidade comercial, sem parecer artificial ou forçado.
Moraes Moreira ('Namoro astral', 'Tá na cara'), Gilberto Gil ('A força secreta daquela alegria'), Caetano Veloso ('Cidadão-cidadã', 'Vida cotidiana'), Pepeu Gomes ('Namoro de bicicleta'), Zé Ramalho ('Negros blues'), Amelinha ('Bomba de estrelas') e Robertinho de Recife, com quem ele defendeu o “frevo tropicalista” Encantador de serpentes, em 81, colaboram para fazer deste o mais acessível dos trabalhos de Mautner. Ideal para quem busca um primeiro contato, o CD conta, ainda com as duas faixas de um compacto simples lançado em 1979, com 'O filho predileto de xangô' e 'O boi'.
INDEPENDENTE O segundo disco, 'Antimaldito' (1985), revela uma característica da época. As grandes gravadoras já não eram tão ecléticas e tão ousadas, iniciando um processo de ciclos de monocultura musical que começou com o BRock, passou para o axé e chegou ao sertanejo universitário de hoje. Começava a tomar força a produção independente, e Mautner lançou o disco pelo selo Nova República, com produção de Caetano Veloso. Sem orçamento generoso, não trazia um milhão de amigos, mas era uma produção profissional e consistente. Aqui, ele registra clássicos dos shows da época, como 'Rock comendo cereja', 'Zona fantasma' e 'Cinco bombas atômicas'. A reedição inclui duas gravações extras: uma versão do clássico O vampiro e um tema inédito, 'Flesh by flesh' (grafado erroneamente como 'Flash by flash'), composta quando ele estava exilado nos Estados Unidos, no início da década anterior, era secretário do poeta Roberto Lowell.
A maior preciosidade da caixa é o inédito 'O poeta e o esfomeado' (1987), registro de um show que ele, Gilberto Gil e o percussionista Repolho fizeram para divulgar o projeto político e filosófico Figa Brasil, que, segundo o manifesto divulgado na época, falava em “juntar tudo: Oswald de Andrade, a filosofia humanista, a poética e a filosofia da democracia, baseada em primeiro lugar na liberdade”. Entremeadas por leituras e citações literárias e filosóficas, a epopeia inclui uma versão de Positivismo (Noel Rosa e Orestes Barbosa) a marcha turca de Mozart, canções contra o racismo e o apartheid ('Você me chamou de nego' e 'Oração pela libertação da África do Sul') e outros temas caros à dupla, incluindo os maiores hits de Mautner, 'O vampiro' e 'Maracatu atômico' e a belíssima parceria com Gil em 'O rouxinol'.
A última bolacha do pacote é a que registra o formato constante da carreira de Mautner. Lançado originalmente em 1988, 'Árvore da vida' reuniu em estúdio o compositor e seu fiel escudeiro Nelson Jacobina, que esteve com ele em palcos e estúdios por quatro décadas, até morrer de câncer, em 2012. Era um dos primeiros lançamentos do selo independente Geleia Geral, de Gil, e trazia uma dúzia de canções. Metade inédita. O delicioso 'Samba jambo', a pungente 'Lágrimas negras' (gravada por Gal e aqui registrada como 'Lágrimas secas') e a gaiata 'Menino carnavalesco' convivem harmoniosamente com releituras de Noel ('Positivismo') e Ismael Silva ('O teu olhar'). Uma curiosidade é a faixa 'Perspectiva', que parte da informação de que, em russo, a palavra avenida poder ser traduzida como perspectiva, para uma típica viagem mautneriana, em que o comunista de primeira hora Jorge mistura cenas de beijos sob as estrelas com uma saudação ufanista à então União Soviética. Um bom teste para o fim da ditadura.
O primeiro, 'Bomba de estrelas' (1981), continua sendo seu trabalho mais comercial e radiofônico. Produzido por Liminha e Chico Neves em 1980, apresentava 10 faixas bem formatadas, contando com músicos de primeira linha, como os baixistas Luizão e Arnaldo Brandão, o baterista Wilson das Neves e os tecladistas Tomaz Improta e Luciano Alves. E participações especiais de artistas consagrados, ajudando a dar diversidade e credibilidade comercial, sem parecer artificial ou forçado.
Moraes Moreira ('Namoro astral', 'Tá na cara'), Gilberto Gil ('A força secreta daquela alegria'), Caetano Veloso ('Cidadão-cidadã', 'Vida cotidiana'), Pepeu Gomes ('Namoro de bicicleta'), Zé Ramalho ('Negros blues'), Amelinha ('Bomba de estrelas') e Robertinho de Recife, com quem ele defendeu o “frevo tropicalista” Encantador de serpentes, em 81, colaboram para fazer deste o mais acessível dos trabalhos de Mautner. Ideal para quem busca um primeiro contato, o CD conta, ainda com as duas faixas de um compacto simples lançado em 1979, com 'O filho predileto de xangô' e 'O boi'.
INDEPENDENTE O segundo disco, 'Antimaldito' (1985), revela uma característica da época. As grandes gravadoras já não eram tão ecléticas e tão ousadas, iniciando um processo de ciclos de monocultura musical que começou com o BRock, passou para o axé e chegou ao sertanejo universitário de hoje. Começava a tomar força a produção independente, e Mautner lançou o disco pelo selo Nova República, com produção de Caetano Veloso. Sem orçamento generoso, não trazia um milhão de amigos, mas era uma produção profissional e consistente. Aqui, ele registra clássicos dos shows da época, como 'Rock comendo cereja', 'Zona fantasma' e 'Cinco bombas atômicas'. A reedição inclui duas gravações extras: uma versão do clássico O vampiro e um tema inédito, 'Flesh by flesh' (grafado erroneamente como 'Flash by flash'), composta quando ele estava exilado nos Estados Unidos, no início da década anterior, era secretário do poeta Roberto Lowell.
A maior preciosidade da caixa é o inédito 'O poeta e o esfomeado' (1987), registro de um show que ele, Gilberto Gil e o percussionista Repolho fizeram para divulgar o projeto político e filosófico Figa Brasil, que, segundo o manifesto divulgado na época, falava em “juntar tudo: Oswald de Andrade, a filosofia humanista, a poética e a filosofia da democracia, baseada em primeiro lugar na liberdade”. Entremeadas por leituras e citações literárias e filosóficas, a epopeia inclui uma versão de Positivismo (Noel Rosa e Orestes Barbosa) a marcha turca de Mozart, canções contra o racismo e o apartheid ('Você me chamou de nego' e 'Oração pela libertação da África do Sul') e outros temas caros à dupla, incluindo os maiores hits de Mautner, 'O vampiro' e 'Maracatu atômico' e a belíssima parceria com Gil em 'O rouxinol'.
A última bolacha do pacote é a que registra o formato constante da carreira de Mautner. Lançado originalmente em 1988, 'Árvore da vida' reuniu em estúdio o compositor e seu fiel escudeiro Nelson Jacobina, que esteve com ele em palcos e estúdios por quatro décadas, até morrer de câncer, em 2012. Era um dos primeiros lançamentos do selo independente Geleia Geral, de Gil, e trazia uma dúzia de canções. Metade inédita. O delicioso 'Samba jambo', a pungente 'Lágrimas negras' (gravada por Gal e aqui registrada como 'Lágrimas secas') e a gaiata 'Menino carnavalesco' convivem harmoniosamente com releituras de Noel ('Positivismo') e Ismael Silva ('O teu olhar'). Uma curiosidade é a faixa 'Perspectiva', que parte da informação de que, em russo, a palavra avenida poder ser traduzida como perspectiva, para uma típica viagem mautneriana, em que o comunista de primeira hora Jorge mistura cenas de beijos sob as estrelas com uma saudação ufanista à então União Soviética. Um bom teste para o fim da ditadura.