Desde a adolescência, Rico Dalasam nunca passou despercebido. Ele chamava a atenção fazendo rap nas batalhas de MCs da Santa Cruz, em São Paulo, ao lado de nomes como Emicida e Projota, e pelo visual espalhafatoso ao estilo do norte-americano Prince. Não teria como ser diferente quando o paulista decidiu se lançar profissionalmente como rapper. Adotou a alcunha Dalasam e começou a fazer música de um novo jeito, com letras voltadas para a aceitação pessoal e o amor, além de ter uma sonoridade mesclada com diversos gêneros, incluindo funk, samba, baião, R&B e música eletrônica.
Confira 'Aceite-C', primeiro clipe de Rico Dalasam:
Já não bastasse o diferencial na música que faz, o cantor admitiu publicamente ser homossexual e se tornou o primeiro rapper assumidamente gay no Brasil. “Sei que na cultura brasileira e norte-americana é uma grande quebra de norma, barreira e ruptura existir um homossexual que faz rap”, conta Dalasam em entrevista aos Diários Associados.
Tudo isso levou Rico Dalasam, 25 anos, a se tornar um fenômeno. Nascido e criado em Taboão da Serra — periferia de São Paulo, onde ainda vive —, o artista diz que não esperava que isso fosse ocorrer de forma tão rápida. Agora colhe os louros desse sucesso — como o reconhecimento de Daniela Mercury, o lançamento do primeiro álbum e a criação da própria produtora — viajando o Brasil com a turnê do EP 'Modo diverso'. No mês passado, o artista apresentou em BH seu repertório autoral, com show no Baixo Centro.
Rico Dalasam é seu nome de batismo?
Não, Rico foi minha irmã que colocou. Dalasam é um nome com o qual me identifico e que bolei para ser meu sobrenome. Tem uma série de significados. Depois, fui procurar e descobri que tem um vilarejo no Irã e existe uma música árabe com esse nome... Na verdade, é uma sonoridade que eu gosto e a minha ideia é que, aos poucos, fique apenas Dalasam.
Ouça o EP 'Modo diverso':
Como surgiu o seu envolvimento com o rap?
Na infância, eu fazia aula de violão, depois mudei para cavaquinho, mas era um mistério. O rap surgiu de um jeito que tinha a minha cara. Pensei em criar música no rap, um gênero que eu sempre ouvi desde os meus 11 anos. É um expoente dentro da temática que eu gosto e elaboro. Comecei a me enxergar MC em 2007 na Batalha de MCs da Santa Cruz (São Paulo). Apenas em 2010, ser rapper se tornou uma profissão. Gravei meu primeiro EP no ano passado e as coisas foram seguindo.
Você se tornou o primeiro nome do queer rap no Brasil. O que é de fato esse termo?
Na verdade, queer rap não é um gênero. É o gay que faz rap, essa é a definição na cultura norte-americana e aqui é do mesmo jeito. Sou um gay que faz rap e, obviamente, minha orientação sexual influencia nas minhas composições e no meu modo de ver a vida. Mas não é uma música direcionada para esse público, nem uma bandeira, nem era minha intenção. Quero fazer música como qualquer músico. Sei que na cultura brasileira e norte-americana é uma grande quebra de barreira um homossexual que faz rap.
Você sente preconceito dentro rap por ter se assumido gay?
Acho que o preconceito é algo incutido na cultura. Atribuir, especificamente, apenas ao estilo musical seria algo leviano da minha parte.
Você se destaca também pelo visual, algo meio Prince. Como isso surgiu?
Sempre tive uma relação com o mundo da moda. Em 2007, quando sai da escola entrei na faculdade de moda. Foi um ponto em que criei minha própria imagem. Há vários anos, faço isso nas ruas, a galera está percebendo agora só porque me tornei um artista. Meu visual tem muito das coisas do Prince e de outras pessoas também. Isso tem a ver comigo, com a minha imagem e com o que vejo nas ruas de São Paulo.
Seu som se diferencia dentro do rap por não falar das mazelas sociais, mas sim de aceitação e de amor. O que você quer passar em suas letras?
Nesse meu primeiro EP 'Modo diverso', fica muito claro como eu amo, como eu enxergo as gerações e como isso é bom para mim. Poder entender tudo isso é algo que me faz bem. Com essas músicas, eu queria deixar bem claro que “eu sou o Rico Dalasam, acredito no formato de família e nas relações de amor”. Para mim, essa é a função do meu trabalho e dessas primeiras músicas.
Além da diferença nas letras, suas músicas têm uma batida com influência do pop e de outros gêneros...
Quando fiz o 'Modo diverso', eu queria que, na musicalidade, tivesse a pulsação da batida. Então, fui buscar essa mistura pegando referências brasileiras, como o baião, o funk e o samba; e internacionais, como a música eletrônica e o R&B. Tem muito disso nas faixas, como em Riquíssima que tem o som do berimbau logo no início.
Em 'Aceite-C' você usa um trecho da música 'O mais belo dos belos', na voz de Daniela Mercury. Por que trazer essa canção para a faixa?
Acho que fomos muito felizes em pensar nesse trecho porque fala em algo que eu acredito, na de linha de “me deixe à vontade”. Quero construir esse pensamento e fazer as pessoas se renderem a isso, porque não dá para esperar que o mundo aceite a gente, se a gente não se aceita. O bacana é que a música chegou até a Daniela Mercury que escreveu uma nota superbonita sobre o quanto ela estava feliz e quando isso expressava que eu não sou um jovem escravo e a mercê da massa. Para mim, é motivo de orgulho que esse clipe e essa música estejam fazendo a propagação de inovação.
Você divulga suas músicas primeiro na internet. Como esse meio tem auxiliado a propagar seu trabalho?
A internet é um espaço imprevisível, em que as pessoas acabam trabalhando espontaneamente. Coloco várias coisas minhas na internet e divulgo nas redes sociais. Mas, no fim, é a galera que faz esse trabalho de divulgação. É por meio dos compartilhamentos que mais gente conhece meu trabalho. Só que também vou fazer uma versão física do EP 'Modo diverso'.
O EP 'Modo diverso' foi gravado de modo independente?
Tudo independente. Criei uma produtora, com o nome Modo Diverso Produções, mas é um formato que ainda estou trabalhando para poder colocar meu pensamento. É tudo muito recente e estou aos poucos trazendo mais colaboradores.
O rap tem conquistado ainda mais público nos últimos tempos. Por quê?
O rap é o gênero musical que mais atende a demanda da sociedade e da parcela jovem. As pessoas querem confrontar e colocar ideias, assim como o rap faz e tem essa função. Tenho o maior orgulho de ser contemporâneo desse movimento.