Se estivesse viva, a pimentinha – apelido que ganhou do poeta e músico Vinicius de Moraes – completaria 70 anos na próxima terça, dia 17. Uma série de eventos ao longo deste ano vai homenagear essa data.
Além da biografia 'Elis Regina - Nada será como antes', de Julio Maria, será lançado o site oficial da cantora (www.elisregina.com.br). Terão início as gravações do longa sobre a artista gaúcha, com direção de Hugo Prata, e um dos principais discos de sua carreira, 'Elis', de 1972, chegará ao mercado, remasterizado.
saiba mais
Em relação à biografia escrita por Julio Maria, o primogênito da cantora diz que nenhum dos filhos interferiu no texto, embora tenham recebido uma versão prévia. João Marcello afirma que as pessoas terão a oportunidade de desmistificar muitas coisas a respeito de sua mãe e que a publicação chega muito perto do que ela realmente foi. "Quem ler vai conhecer as coisas boas e feias dela. Nunca tivemos problema em comentar sobre questões tidas como 'proibidas'. Claro que nenhum filho gosta de ficar falando sobre o envolvimento da mãe com drogas ou alguma loucura que ela tenha cometido, mas não tem por que ficar escondendo. Quem quiser saber exatamente quem foi Elis Regina basta assistir a alguma de suas entrevistas, porque ali ela se mostra como ela era, sem máscaras. Mas essa biografia aproxima-se muito da realidade, sim", opina.
Nelson Motta diz que não está mais tão envolvido com o processo do longa, mas conta que a atriz Isis Valverde chegou a procurá-lo para se informar sobre o filme. "Ela é danada. Eu não acreditava que ela pudesse fazer (a minissérie) 'O canto da sereia' e ela arrasou! Aprendeu até a cantar em dois meses. Mas a minha favorita é Andreia Horta, que é excelente atriz, como a Valverde, mas tem a vantagem de ser fã de Elis desde garota, daquelas de álbum de recortes, que sabe todas as suas histórias e todos os discos", frisa.
O jornalista, produtor e escritor conta que para muita gente e para a maioria das cantoras, Elis Regina ainda deve ser a maior cantora do país, mesmo passados 33 anos de sua morte. Questionado se alguém conseguiu chegar perto da Pimentinha, Nelson foi evasivo. "Muita gente… mas muita gente chegou tão perto que se queimou. (risos) Mas, olhando para trás, quanto mais se sabe dela mais Elis é um mistério", diz. Nelson Motta, que chegou a ter um romance com Elis e produziu discos dela, afirma que é impossível imaginar a ex-namorada aos 70 anos, mas deu seu palpite. "Talvez estivesse mais serena, ou ainda mais brava e revoltada com o panorama musical e político. Acho que ela continuaria cantando grandes músicas e revelando novos compositores, como sempre fez". Enfim, quem é regina (rainha, em latim), nunca perde a majestade!
"Não é possível que a história tenha mudado", diz autora de Furacão Elis
Publicada três anos após a morte da cantora, 'Furacão Elis', primeira biografia da Pimentinha, completa 30 anos em 2015. O livro representou também a estreia da jornalista Regina Echeverria no gênero. Posteriormente, a autora publicou biografias de Cazuza, Gonzagão e Gonzaguinha, Sócrates, Pierre Verger e atualmente prepara a de João Araújo, um dos homens-fortes da indústria fonográfica brasileira desde a década de 1960.
O relato sobre Elis foi combinado com Regina pela própria cantora. Eram amigas. Mas 'Furacão Elis' provocou turbulência na relação de Echeverria com a família de Elis e alguns amigos da cantora. Biografia não autorizada, não teve a colaboração de amigos próximos como Milton Nascimento. Está atualmente em sua quarta editora. Foi lançado em 1985 pelo Círculo do Livro em parceria com a editora Nórdica, depois passou pela Globo, Ediouro, até chegar à Leya, que a reeditou em 2012.
A cada nova editora, atualizações foram feitas pela jornalista. “Quando fui convidada por um editor americano do Círculo do Livro, também achava que havia passado pouco tempo desde a morte. Mas o cara pegou no meu pé. Ao longo dos anos, tive muitas chances de mexer em algumas coisas.” Depoimentos de Jair Rodrigues e Fernando Faro, por exemplo, foram acrescentados na edição mais recente.
“Acabo de conversar com a cantora Cláudia, que me contou a versão dela (convidada por Bôscoli e Miele para estrelar o show 'Quem tem medo de Elis Regina?', nos anos 1960, a cantora nunca o fez, mas Elis ficou sabendo da história e ficou questionando-a em seu programa de TV, o que causou muito constrangimento e vaias). Eu disse no livro que uma empurrou a outra, que houve um envolvimento físico, foi o que uma fã me disse. Só que a Cláudia me contou a versão dela, e não houve nada disso. Então, na próxima chance que tiver, vou colocar a versão dela”, diz Echeverria.
Para a autora, 30 anos depois do primeiro livro “é tempo” de outra biografia vir à luz. “Tive a sorte de conviver com a Elis. Então, não tive que ter a opinião alheia. Não faria diferente, aquela é a minha história. Não li o outro livro, mas a história não muda. Não é possível que tenha mudado.”
ELA POR ELAS
Gosto de pessoas que vivem o presente, que se permitem, que se contradizem, que são destemidas, autênticas. Sinto que Elis era assim. Na sua boca as palavras ganhavam vida, sentimento, força, verdade. Não é fácil estar na postura de “diva” no palco. Talvez fosse essa a grande contradição de Elis. Particularmente, gosto da última entrevista que ela dá, no programa Jogo da verdade, da TV Cultura (exibido duas semanas antes de sua morte). Ela não está cantando, mas é marcante, porque diz o que pensa, fala sobre a desvalorização da arte, a sobreposição do mercado à criação e desse "nosso teatrinho de cada dia".
Brisa Marques, cantora e compositora
Um momento marcante tanto da vida dela quanto da minha família foi a gravação de 'O bêbado e o equilibrista' (João Bosco/Aldir Blanc). Quando meu tio Herbert de Souza (o sociólogo e ativista de direitos humanos Betinho) voltou do exílio para o Brasil, o povo todo o recebeu no aeroporto cantando essa música. Elis era também amiga do Henfil, apesar de ele não a ter perdoado por ela ter cantado nas Olimpíadas do Exército (em 1972, em BH). Colocou-a por duas vezes no Cemitério dos Mortos Vivos do Cabôco Mamadô (seção do Pasquim destinada a artistas que o semanário considerava alinhados com a ditadura). Mas depois, quando ela gravou 'O bêbado e o equilibrista', o registro tornou-se não só marco da música brasileira quanto da anistia. Não a conheci, mas minha tia Maria Cândida, que morava em São Paulo, teve uma ligação próxima. Inclusive, houve um especial da Globo a que Elis assistiu, toda encolhidinha, deitada no colo dela.
Regina Souza, cantora
Elis teve grandes momentos durante sua trajetória. Um deles foi o encontro com Milton Nascimento. Acho isso uma coisa muito séria, pois Elis, mais do que ninguém, interpretava de forma genuína a obra do nosso Bituca. Eis aí um feliz casamento. Tornaram-se parceiros na música e na vida. Para mim, é muito emblemático a Elis cantando 'Travessia'. Já chorei algumas vezes ouvindo essa canção.
Aline Calixto, cantora
"Quando ouço Elis, mudo de pele"
Otacílio Lage
Um dos dias mais tristes da minha vida de quase 67 anos foi 19 de janeiro de 1982. Então recém-casado, vivia em Espinosa, extremo Norte de Minas, na divisa com a Bahia. Eu dirigia uma emissora de rádio AM, inaugurada em 10 de setembro de 1981. No meio da manhã, a Rádio Bandeirantes (SP), em ondas curtas, noticiava que a cantora Elis Regina acabara de morrer na capital paulista, um mês antes de fazer 37 anos. Busquei em casa todos os discos de vinil que eu tinha de Elis, e até a emissora sair do ar, à meia-noite, toquei músicas cantadas por ela.
O amor pela cantora começou em meados da década de 1960, ao assistir, ainda em Ferros, Vale do Rio Doce, aos festivais da TV Record/SP. Tinha 17 anos e Elis, 20. Senti que aquela baixinha, quando interpretou 'Canto de Ossanha' (Baden Powell e Vinicius de Moraes) e 'Upa Neguinho' (Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri), iria ser a maior da história do Brasil. Não errei. Anos mais tarde, ao ouvi-la cantar 'Atrás da porta' (Chico Buarque e Francis Hime), certifiquei-me disso. Sem igual.
Sinto-me um órfão, apesar de ter toda a discografia da Pimentinha. Um quadro com uma foto dela sorrindo emoldura uma das paredes de meu apartamento. Cada vez que ouço Elis cantar, mudo de pele, pois parece que ela está viva, ali do meu lado, ouvindo a si própria.
Mas o meu tributo maior a Elis foi ter registrado minha filha com esse nome de quatro letras de pronúncia deslizante. Que bom seria se tivéssemos ainda Elis, aos 70 anos, nos palcos e nos estúdios. Contudo, já são 33 anos de travessia pela vida sem ela.