Completam a banda Fresno Mario Camelo (teclados), Thiago Guerra (bateria) e Gustavo Mantovani (guitarra). Gustavo e Lucas são os únicos membro remanescente da banda desde a formação. Em 2012, o baixista Esteban Tavares, que também compunha as letras da Fresno, deixou a banda.
Hits como Alguém te faz sorrir, Quebre as correntes e Milonga compuseram o setlist do DVD gravado ao vivo pelo pelo grupo, em outubro, uma forma de dividir as comemorações da data com os fãs. “Temos milhões de fãs em tudo quanto é canto do Brasil, o que nos garante que a nossa música tem destinatários. Costumo dizer que eles são a nossa gravadora”, pontua Lucas.
A banda já foi produzida por Rick Bonadio — o mesmo que lançou nomes como Mamonas Assassinas, NX Zero e CPM 22 — e pertenceu ao casting de uma grande gravadora, mas hoje, optou por seguir de maneira independente, sem vincular-se à nenhum selo. “Hoje vivemos outro tempo, em que, através das redes sociais, um artista com algum sucesso pode falar com centenas de milhares de pessoas. Não são mais as gravadoras que controlam a peneira que define o que vai ser sucesso e o que não vai”, avalia. “A gente procura ser o mais honesto possível em relação às nossas ambições e sabemos que existem muitos atalhos para chegar a onde queremos, mas todos esses atalhos acarretam em escolhas artísticas que nos negamos a fazer”, completa.
ENTREVISTA / LUCAS SILVEIRA
Desde Revanche (2010), a Fresno vem lançado álbuns e EPs autorais e sem selo de grandes gravadoras. Qual o saldo desses quatro anos como banda independente?
Eu diria que, ao longo desses quase 15 anos de banda, não passamos um dia sequer sem trabalhar. Nossa cabeça está sempre a mil, bolando planos e, mais importante que tudo, tentando encontrar maneiras de colocá-los em prática. É assim que, ao meu ver, uma gravadora grande ou selo pequeno deve trabalhar, a serviço da música, da arte, e sempre ciente do poder que ela tem. A arte deve estar presente em todas as etapas do processo, inclusive quando estamos falando de marketing, de produtos, de vender coisas. Após sairmos da gravadora, nos cercamos de pessoas que entendem a nossa forma de trabalhar, e que, principalmente, são muito passionais quando o assunto é Fresno. Além de tudo isso, temos milhões de fãs em tudo quanto é canto do Brasil, o que nos garante que a nossa música tem destinatários. Costumo dizer que eles são a nossa gravadora. Eles que distribuem o conteúdo, eles que falam da gente para os seus amigos, e não tem jabá que compre isso, pois essa relação entre o artista e o fã só funciona se houver transparência nas ideias e verdade na criação. Ainda temos um caminho muito longo a percorrer para termos uma estrutura da forma como eu imagino que a gente deva ter, mas com certeza estamos construindo com as nossas mãos algo que vai é muito importante para muitas pessoas.
Vocês afirmaram que, apesar de ter cinco músicas, Eu sou a maré viva não é um EP, mas um álbum completo. No conceito da banda, o que diferencia EP e CD?
Um EP normalmente é aquele trabalho que o artista produz entre um disco e outro, para testar algumas ideias, apontar um novo direcionamento ou experimentar novas sonoridades. Eu sou a maré viva é um pouco de tudo isso, mas também existe da minha parte uma vontade de fazer um disco que será ouvido na íntegra pelas pessoas. Um disco que tem um conceito fechado e que, durante seus poucos mais de 20 minutos, desenvolve uma ideia com clareza e objetividade. Posso afirmar com segurança que todo disco com 10 músicas tem pelo menos umas três em que o artista não conseguiu chegar exatamente aonde queria. Ou mesmo que um disco tenha 10 músicas excelentes, o artista não consegue dar a todas elas a devida atenção, não consegue trabalhar igualmente um álbum inteiro. Eu fico com pena dessas canções que terminam sendo sub-aproveitadas. E por isso selecionamos, dentro do que já tínhamos escrito, apenas as faixas que a gente já tinha certeza de onde iríamos chegar com elas. Queríamos que essas faixas conversassem entre si, e queríamos tocar todas elas em nossos shows, mas sem aborrecer a plateia com muitas coisas novas, tirando o espaço no setlist do que é obrigatório. Também tem o desafio de resumir na metade do tempo tudo que queremos dizer com a nossa música. Esse exercício de síntese fez com que as músicas soassem mais densas e diferentes entre si, resumindo muito bem sônica e literalmente, a nossa música.
Essa divisão passou a ser considerada mais pela consistência do álbum do que pela quantidade de músicas?
Com certeza, queremos que esse disco seja avaliado apenas pela qualidade das suas canções, e não pela quantidade delas ou duração do álbum.
No caso de bandas e nomes que estão vinculados a uma gravadora, acredita que seja possível lançar projetos desse tipo ou essas empresas ainda se limitam a fatores mercadológicos?
Hoje em dia, muitos artistas de grandes gravadoras estão lançando EPs. Não se trata mais de uma novidade, embora por muitos anos esse formato tenha sido algo restrito a artistas alternativos ou do underground, e isso se dava quase sempre por uma limitação de verba mesmo.
Hoje, há liberdade criativa na banda para tomar esse tipo de decisão?
Todas as nossas ações como banda Fresno são discutidas internamente e concebidas internamente. Tudo acaba sendo uma extensão do que criamos artisticamente.
Acreditam que possam surgir novos CDs na proposta disco reduzido? Isso seria uma forma de atingir o público, que cada vez mais busca o instantâneo, o produto de consumo imediato e mais “ágil”?
Pode-se dizer que sim. Temos consciência de que as pessoas destinam cada vez menos tempo a ouvir, de fato, a música, saboreando-a lentamente e por um longo período, como se fazia antes. O cara que comprou ou baixou nosso disco semana passada já tem outras coisas em seu player hoje. O que não quer dizer que nosso trabalho seja abandonado por essas pessoas. Muito pelo contrário, temos um público muito fiel, mas sabemos que o fluxo de informação é muito maior hoje do que há alguns anos atrás.
Lucas, você também assina a produção de Eu sou a maré viva. Produzir um álbum de tamanho menor dá igual ou menor trabalho do que um convencional?
O trabalho é o mesmo, pois a responsabilidade é a mesma. Meu nome está duplamente ligado à obra, como intérprete e produtor. Mesmo que fosse apenas um single, é o nome e a “marca” da banda que está na linha de frente o tempo todo. Por isso, trabalhamos muito duro para deixar o disco do jeito que queríamos.
Conhece outras bandas que também lançaram discos reduzidos (que não fossem classificados como EPs)?
Claro, o Roberto Carlos lançou um EP de remixes! (risos)
Fiz uma entrevista com Rick Bonadio, que produziu vocês por algum tempo, e ele me disse que as gravadoras não são mais necessárias. Mas, da mesma maneira, detonou sites de financiamento coletivo. Existe um caminho para uma banda como a Fresno se manter, artística e financeiramente?
Ele é de outra época, viveu um momento do mercado da música que a gente não viveu, e tem seus motivos para ter estas convicções. No entanto, com ou sem uma gravadora, sempre foi o público o principal mantenedor de um artista. É ele que compra os discos, ou não, que vai aos shows, adquire uma camiseta e sai com o nome da banda estampado, fazendo propaganda dela pelas ruas. Quando o mercado estava inteiramente nas mãos das majors, eles eram os intermediários entre artista e público, e os que ficavam com a maior parte do bolo. Hoje vivemos outro tempo, em que, através das redes sociais, um artista com algum sucesso pode falar com centenas de milhares de pessoas. Não são mais as gravadoras que controlam a peneira que define o que vai ser sucesso e o que não vai. Hoje a gente vê elas correndo atrás das coisas que o povo decidiu gostar. Foi assim como a gente. Antes do primeiro diretor artístico de uma grande gravadora ouvir falar de Fresno, já havia centenas de milhares de pessoas ouvindo as nossas músicas em tudo quanto é canto do país. O que a gravadora fez foi apenas oficializar esse sucesso, traduzindo o que já estava acontecendo para as rádios, programas de TV, entre outros meios que ainda não tínhamos acesso. Da primeira prensagem do nosso EP, que já esgotou, 80% dos discos foram vendidos através da nossa própria loja virtual, ou no stand que montamos nos nossos shows. Cada CD que vendemos fora do esquema das major vale por 10 que vendíamos dentro do esquema, em que o artista tem direito a menos de 10% do líquido das vendas. Isso ainda está em constante evolução e não posso prever como vai ser daqui a cinco anos, mas imagino que cada vez mais se multiplicarão os 'caminhos' para o sucesso ou subsistência econômica de um artista.
Você já passeou do underground ao mainstream, qual o balanço que faz, hoje, de sua carreira como músico? Quais os próximos passos? O que te motiva a cantar, compor, fazer excursões?
O que me motiva a seguir em frente é saber que em muitos quartos escuros e fones de ouvidos espalhados pelo Brasil a minha música encontra seu lugar. A gente procura ser o mais honesto possível em relação às nossas ambições e sabemos que existem muitos atalhos para chegar a onde queremos, mas todos esses atalhos acarretam em escolhas artísticas que nos negamos a fazer. Um milhão de pessoas numa página do Facebook pode parecer apenas um número, mas isso realmente quer dizer que, em algum momento de suas vidas, um milhão de pessoas decidiram mostrar para todos os seus amigos que se identificam com a música que a gente faz, seja na intensidade que for. Isso tem um valor muito grande pra mim, pois eu me recordo com orgulho de quando vi o primeiro grupo de marmanjos batendo cabeça e cantando com a gente as nossas primeiras músicas. Lembro de quando autografei o meu primeiro CD, que na verdade era uma demo que a gente chamou de EP para ficar 'menos amador'. Eu tenho consciência de que, a cada disco, nossa habilidade em transformar nossas vidas em música melhora cada vez mais, e ganha novos ares, jamais soando como um trabalho anterior. Eu não conseguiria ser feliz se não tivesse, algumas vezes por semana, a oportunidade de empunhar uma guitarra e convidar todos os presentes a 'botar essa porra abaixo'. Isso é poderoso, pra quem testemunha e pra nós, que estamos em cima do palco, tentando pilotar essa entidade que é muito maior do que nossas individualidades. Pergunta pra um fã o que a Fresno é para ele e há quantos anos ele vem ouvindo o nosso som e ele vai te dar uma resposta muito mais bonita que a minha.
Nos últimos anos, houve uma drástica mudança na forma como a música é vendida e compartilhada. Sempre que surge alguma nova plataforma de compartilhamento, há alguém que decrete o fim das gravadoras. Qual o papel de uma gravadora e de um produtor musical na carreira de um artista?
Isso depende muito. No universo da música pop, a gravadora, o departamento de marketing, os grandes empresários, produtores e compositores sempre serão os protagonistas, e o artista, aquele que dá a isso tudo um rosto e uma identidade. Muitos artistas pop se revelam grandes gestores e criadores, e acabam, uma hora ou outra, mostrando seu real 'eu' e, muitas vezes obtendo muito sucesso com isso. Já no rock, essas regras não existem, e nem tudo parece ser tão preto no branco, mas, com certeza a nossa passagem por uma gravadora multinacional como a Universal nos deu uma ideia do tamanho que a nossa música tinha e aonde poderíamos chegar se fizéssemos tudo com dedicação, amor e muito trabalho. Viramos profissionais com maior consciência do mercado em que atuamos e aplicamos muito do que aprendemos no trabalho de hoje, como banda independente.
Como vê os sites de financiamento coletivo, a exemplo do Catarse?
O Forfun é uma banda que vem da mesma cena que a gente. Também esteve ligada a uma multinacional e saiu de lá para ter mais liberdade criativa e autonomia. Sem o financiamento coletivo, o DVD deles, gravado no Circo Voador e com uma produção impecável, não existiria. Os caras levantaram quase 150 mil reais somente com o crowdfunding. Nenhuma gravadora colocaria em xeque um dinheiro desse, pois isso é uma decisão comercial, baseada apenas em estatísticas e probabilidades de retorno financeiro. Mas os fãs não pensaram duas vezes em ajudá-los. E a gente precisa estar cercado de quem nos tem amor, e quem nos tem mais amor que os nossos fãs, não é mesmo?
Quais são as suas principais influências na hora de fazer música?
Especialmente para o caso desse disco, procurei ouvir muitos compositores de cinema, como Hans Zimmer, Pedro Bromfman e Chris Young. São caras que criam texturas e atmosferas que passam sentimentos específicos, mesmo sem uma letra cantada para sugeri-los. Procurei aplicar esse conhecimento na hora de escolher as tonalidades das músicas, de forma que o instrumental servisse para apoiar o que está sendo disco. Cada acorde, cada nota está ali por algum motivo, e com certeza esse estudo mais aprofundado das teorias musicais aplicadas ao cinema me fizeram enxergar isso tudo com mais clareza.