O dia 6 de novembro é uma data histórica para o rock belo-horizontino. Há exatos 20 anos, a cidade recebia um dos shows mais importantes de sua história, com o Ramones e o Sepultura subindo ao palco montado no Parque de Exposições da Gameleira, que também teve o Overdose e o Viper naquela noite. Mesmo que sem o glamour e os holofotes que tiveram Paul McCartney, Elton John e outras super estrelas que já passaram por BH, a presença dessas duas bandas lendárias do metal e do punk rock repercute até hoje entre os fãs, com casos, histórias e lembranças de uma época única na cultura da cidade.
O show aconteceu num domingo à noite. Nada de Mineirinho, Mineirão, ou casa de espetáculos. As bandas se apresentaram no Parque de Exposições da Gameleira, até então pouco usado para esse tipo de evento e bem distante da estrutura que dispõe atualmente.O vocalista Joey Ramone definiu o lugar como um “pasto empoeirado”. O Viper, banda paulista de heavy metal, liderada pelo vocalista André Matos, abriu a noite. Em seguida, foi a vez do Overdose, outro ícone do metal mineiro. Para a surpresa de muitos, os Ramones foram os terceiros a subir ao palco, deixando o encerramento por conta do Sepultura, por serem eles os anfitriões.
CJ Ramone, um dos únicos dois integrantes da banda norte-americana ainda vivos, ao lado do baterista Marky, ainda se lembra do show em ''Belo'', nome usado por ele para se referir a Belo Horizonte: “Era um tipo de lugar místico para mim, os caras do Sepultura me contaram sobre como era a cidade e o que eles costumavam fazer quando estavam por lá, e a multidão na noite que nós tocamos foi uma das mais selvagens que eu já vi. Com certeza o Sepultura eram os deuses naquele lugar”, conta o baixista. No entanto, quando perguntado sobre os momentos na cidade antes e depois do show, as recordações são vagas: “Não lembro de ter feito muita coisa lá, minhas lembranças são mais sobre farra, bebedeiras e mulheres, eu era jovem!”.
Max Cavalera, que só voltaria a se apresentar em sua cidade de origem 18 anos depois, com o Cavalera Conspiracy, também tem lembranças positivas daquele dia. “O show foi demais, teve um lance muito legal que foi todo mundo do Sepultura de preto, tipo o Mettalica assim, pensamos que se funcionava pra eles, funcionaria pra nós, bateu bem com a galera. Pela primeira vez uma banda brasileira tocando pau a pau com o Ramones, isso deve ter tido uma repercussão legal na cabeça do público. Quando a gente tá em cima do palco a gente não pensa que isso vá marcar o pessoal para a vida toda, saber disso deixa até emocionado”, afirma o ex-vocalista do Sepultura.
No palco, nem tudo foi festa
Apesar da satisfação de boa parte do público, dos integrantes do Sepultura e de CJ Ramone, a experiência não foi das melhores para o Overdose. Um contratempo entre a banda e a produção do evento fez com que o grupo mineiro tocasse muito menos do que havia planejado. “A gente tinha combinado de fazer um vídeo para divulgar a banda, contratamos uma grande equipe de iluminação, som e filmagem, fomos cedo, mas a produção não nos deixou usar nada, rolou um desentendimento desde a hora da passagem de som, deixaram a gente tocar 20 minutos apenas, desligaram o som e nós continuamos tocando, até que desligaram tudo e fomos obrigados a sair. Na época eu era jovem, fiquei nervoso, briguei, xinguei”, conta o guitarrista Claudio David.
Apesar da frustração no dia, o baterista André Márcio, que também lamenta a confusão no palco, ainda vê um lado positivo de ter participado daquela noite: “Positivo foi o evento, a volta do Sepultura, numa fase que eles estavam muito grandes, foi um show maravilhoso, formação original, mesmo ficando nervoso, eu tiro o chapéu porque foi histórico, faz parte da história do heavy metal em Minas Gerais”, diz ele.
Apesar de não ter saído do jeito que a banda queria, o Overdose conseguiu lançar um vídeo com imagens gravadas naquele dia:
'O show da minha vida' para muitos
Metaleiros, punks e toda sorte de fãs de rock´n´rol e barulheira estiveram presentes naquela noite. Tudo correu em paz, sem grandes confusões, o que era um pouco raro naquela época quando tribos diferentes se misturavam. A nuvem de terra do local do show, a ordem surpresa dos shows e a quase catarse coletiva diante de um momento musicalmente histórico atravessaram essas duas décadas, sobrevivendo pelas mesas de bar, com casos e histórias contados por quem lá esteve.
“Eu tinha 18 anos, lembro que minha mãe me levou, junto com uma amiga, um primo e um amigo dele. Chegamos cedo, ainda de dia, logo que os portões abriram e passamos o dia lá, era só grama e terra, quando os shows começaram e a galera começou a agitar, subiu uma nuvem de poeira que não dava para ver nada na sua frente”, conta Fernanda Azevedo. “Foi incrível, Ramones era uma banda que eu nunca imaginava que iria ver, e o Sepultura estava no auge, tocava no MTV o dia inteiro, esse show mudou minha vida”, complementa ela.
Rodrigo Shaolin, que havia completado 21 anos alguns dias antes do show, também guarda boas memórias do dia: “Uma galera virou a noite lá em casa, comemorando meu aniversário. Juntamos uma turma e fomos, de ônibus, aquele tanto de camisa preta. Quando o show do Ramones começou foi apoteótico, pessoal foi todo pra frente do palco e a grande que estava lá pra separar caiu antes da quinta música, vi o show debaixo do palco”, conta ele.
O Ramones abriu o show com a música 'Durango 95', e emendou a sequência com 'Teenage lobotomy', 'Psycho tharapy' e o hit 'Blitzkrieg bop'. O setlist de 29 músicas incluiu ainda sucessos como 'Rock' 'n'roll high school', 'The KKK took my baby away', 'Commando', '53rd and 3rd', 'California sun' e 'Today your love, tomorrow the world'.
Baterista dos 'Meldas', banda de Belo Horizonte, extinta ainda nos anos 90, que ficou conhecida como ''O Ramones das Gerais'', Claudão Pilha lembra com detalhes do dia 6 de novembro de 94. “Eu estava de muletas, com um joelho machucado. Fomos em uma turma muito grande e ficamos bebendo em um posto de gasolina na esquina, um pouco distante da portaria, tranquilos, achando que o Ramones seria a última banda, quando chega um amigo dizendo para a gente correr porque o Ramones estava no palco. O pessoal xingou ele, mas eu preferi acreditar e saí correndo, de muletas, feito um morcego fugindo do inferno, foram uns 800 metros até chegar naquela loucura de gente pulando palco e aquela nuvem de poeira. Um amigo meu e a namorada dele tinham ingresso e não acreditaram que o show já havia começado, ficaram tão putos por perder o show que terminaram o namoro ali mesmo”; conta ele, orgulhoso da camisa oficial da turnê que guarda até hoje, comprada no dia do show com dinheiro emprestado de uns amigos para quem prometeu carona, mas acabou esquecendo para trás “Os caras só tinham dinheiro do ônibus e me deram para eu inteirar o valor e comprar a blusa, acabou o show, fui embora e me esqueci deles, só fui lembrar quando já estava no Bar do Lulu, lá no Bairro Santo Antônio, por sorte eles conseguiram aparecer lá depois de um tempo para me xingar”.
Esse foi o último show da formação original do Sepultura em Belo Horizonte. Depois que Max saiu da banda, em 96, os irmãos Cavalera só voltaram juntos à terra natal duas vezes, em 2012 e em setembro deste ano, com o Cavalera Conspiracy. Foi o único show do Ramones em BH. 12 anos depois, em 2006, o baterista Marky se apresentou no Chevrolet Hall, em carreira solo. O mesmo fez CJ Ramone, em 2013, quando tocou em Betim.