O pianista fluminense André Mehmari está em franca atividade. Com trânsito livre pelas vertentes popular e erudita, ele atende encomendas ininterruptas de peças para orquestras e instrumentistas, atua como produtor e arranjador para outros artistas, amplia sua atuação no exterior e ainda encontra tempo para tocar projetos que alimentam sua bem-sucedida carreira solo. Para se ter ideia, ele acaba de lançar dois discos numa tacada só: 'Ouro sobre azul', dedicado ao repertório de Ernesto Nazareth, e o ao vivo 'Tokyo solo', exclusivo para o Japão, país onde o brasileiro conta com considerável reconhecimento.
Com peças como 'Turbilhão de beijos', 'Reboliço', 'Eponina', 'Odeon' e 'De tarde', 'Ouro sobre o azul' registra não apenas a leitura magistral de Mehmari, mas também sua visão sobre a obra de Nazareth. “As inúmeras citações de música clássica nesse disco ocorreram sem que eu planejasse. Essa música é mestiça e toda a mestiçagem que existe no meu trabalho cabe nos maxixes e valsas do Nazareth. Ela permite novas miscigenações, em várias faixas há influência de música mais moderna. Incomoda-me o discurso purista sobre Nazareth, parece nazismo. Essas músicas não são marchas militares”, diz.
Das 14 faixas, 11 foram interpretadas por ele exclusivamente ao piano, deixando as três últimas para performances ao lado de Neymar Dias (baixo acústico) e Sérgio Reze (bateria). A gravação foi feita em março do ano passado no estúdio do próprio artista, dias antes do recital em comemoração aos 150 anos de nascimento de Ernesto Nazareth, no Rio de Janeiro. “O disco foi gravado como preparativo e o recital foi muito bem recebido e comentado. Alexandre Dias, o maior estudioso de Nazareth do Brasil, elogiou muito”, conta o pianista.
Essencial
Em 'Tokyo solo', gravado no Japão no fim do ano passado, Mehmari mistura peças autorais e de compositores que admira. Além das próprias 'Um anjo nasce', 'Lagoa da Conceição' e 'Que falta faz tua ternura', ele trouxe Egberto Gismonti ('Baião malandro'), Zé Miguel Wisnik ('Assum branco'), Chico Buarque ('Beatriz') e novamente Nazareth ('Suíte Nazareth'), além de um medley dedicado ao Clube da Esquina ('Tudo que você podia ser', 'Trem azul' e 'Cravo e canela'). A produção ficou a cargo do próprio pianista, que, ciente da grande capacidade de escuta do público nipônico, orgulha-se de ter feito a mixagem e a masterização.
“O público japonês vai fundo: quando gosta de um artista, quer ouvir tudo. Lembro-me de um jornalista que foi me entrevistar e chegou com uma sacola de 30 discos meus ou de que participei. O público japonês não está preocupado em receber música brasileira estereotipada. No caso das minhas composições, eles gostam das que menos espero. Entregam-se à escuta e se emocionam, são intensos. Choram nos concertos. O país trata a arte como algo essencial à vida”, elogia. Não por acaso, André Mehmari já esteve lá quatro vezes e voltará em 2015.
Compositor disputado
André Mehmari ainda não começou a escrever o Concerto para dois pianos e orquestra, peça que marcará sua estreia como compositor residente da Orquestra Sinfônica de Miami (EUA), em maio de 2015. “Começarei agora a escrever para a Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. Desde 2004, tenho uma encomenda atrás da outra”, diz.
No caso da composição para os norte-americanos, André ficará mais livre para improvisar, enquanto o pianista Christopher O’Riley seguirá à risca a partitura – o convite surgiu por meio de um músico da orquestra que conhecia a obra do brasileiro e a mostrou a O’Riley.
Recentemente, o pianista se apresentou na Holanda, Suíça e Itália. No ano que vem, ele quer ministrar curso de música brasileira na cidade holandesa de Roterdã. No fim de janeiro, embarca para Portugal, onde vai se apresentar com o pianista luso Mário Laginha, com quem gravou o disco 'Ao vivo no Auditório Ibirapuera', em 2012.
“Laginha é dos meus pianistas favoritos. Sinto muita semelhança entre as nossas formas de ver a música. É mais um trabalho de dois compositores pianistas do que de dois pianistas”, resume Mehmari. Também estão no forno discos dele com Sérgio Reze e Neymar Dias, além do violonista Chico Pinheiro.