Musica

Fitas cassete estão de volta à cena musical

Objeto volta aos trabalhos de artistas e bandas interessados em resgatar o charme do passado. Estúdio em BH se especializou em gravações analógicas

Carolina Braga

Ao digitar a expressão “fita cassete” no shopping do Google, não se assuste: vão aparecer capachos, cofres de porcelana, capa para iPhones, porta-chaves, almofadas e muitos outros produtos com o design inspirado nas antigas fitinhas. Será que o formato, considerado “primo” do vinil, ícone musical das décadas de 1980 e 1990, virou apenas peça de decoração? O interesse de algumas bandas mostra que não. Na onda vintage dos bolachões, as cassetes também estão voltando à cena. O prometido relançamento no formato da trilha sonora do filme 'Guardiões das galáxias' é o sinal mais expressivo da sobrevivência das fitas magnéticas. 


Com clássicos de David Bowie, The Jackson 5 e Marvin Gaye, a fita intitulada 'Awesome mix vol. 1' tem papel importante no filme: ela foi um presente que o protagonista ganhou da mãe, com lembranças da Terra. Quando saiu em CD, chegou a ficar no topo da badalada lista da revista Billboard. O lançamento em cassete está prometido para 28 de novembro, na movimentada black friday americana.


Estrelas internacionais como Snoop Dogg, Dave Grohl e o duo She & Him são outros artistas que recentemente aderiram ao formato. Ainda que não seja algo que tenha despertado atenção do mainstream brasileiro, a crescente aproximação dos artistas independentes demonstra que o revival da fita cassete tem força conceitual.


“É uma necessidade que as pessoas estão tendo de se relacionar de uma maneira diferente com a música. Quando essa onda vem, chega com fundamento. Não é à toa”, defende o músico e produtor Anderson Guerra. “Vem um pouco do resgate do vinil, de uma vontade de ter as coisas. Ocorre com o cassete, o vinil e o disquete”, completa Luiz Valente, do selo Viny Land, especializado no formato.


Dono de um dos raros estúdios brasileiros a operar exclusivamente com aparelhos analógicos, Guerra é entusiasta do formato. Tanto que seu segundo álbum solo, Sam Marino, será vendido por encomenda, somente em cassete ou vinil. A fita convencional também faz parte do dia a dia do produtor. Mantém no carro o antigo toca-fitas e, curiosamente, é nele que costuma fazer as audições do que foi gravado profissionalmente no estúdio. “Uso para conferir a mixagem. Gravo a fita e saio para passear de carro. Como é um formato mais próximo daquele com o qual trabalho, me dá um retorno melhor do som”, diz.


Anderson Guerra tem bom humor ao contar que durante muito tempo foi visto como um estranho no ninho. Muitos amigos eram céticos sobre o retorno da fita, achavam que era mais uma mania, que levava adiante sua paixão pelo analógico. Para o produtor, o revival das cassetes tem a ver com um fetiche pelo objeto. “Você tem uma relação física com a fita, não é um arquivo que você não tem como pegar, não precisa cuidar. Por isso é uma maneira diferente de também se relacionar com a música”, explica Anderson.


No esquema vintage das cassetes, cai por terra a moda do single, reforçada pela popularização do MP3. Hoje, é difícil que alguém pare para ouvir um álbum inteiro, como ele foi pensado pelo artista. As pessoas apegadas aos arquivos escutam uma faixa ou outra, sem pensar no conjunto da produção. Assim, escolher lançar um trabalho em cassete obriga planejá-lo na totalidade. “Não precisa mostrar tudo na primeira música. Pode criar uma narrativa. Acho que isso favorece outra relação, inclusive para experimentar a música de maneira coletiva”, analisa Anderson.

Qualidade Embora as fitas cassetes não sejam reconhecidas pela qualidade sonora, como é o caso do vinil, as imperfeições e os chiados acabam fazendo parte do ritual da audição. “Apesar de carregar essas deficiências, elas fazem parte do charme do formato”, acredita Anderson Guerra. Para Luiz Valente, assim como já funciona com os bolachões, a qualidade do som depende diretamente do aparelho que o executa. “O som é melhor, mas se tiver um toca-disco fuleiro não adianta. A mesma coisa se tiver uma fita boa ou uma vagabunda. Todos os discos clássicos do rock foram gravados em fita magnética. São todos registros com qualidade”, comenta Valente.


Integrante da banda carioca Autoramas, Gabriel Thomaz está fazendo um importante trabalho de resgate respaldado na qualidade. Até o fim do ano, ele vai digitalizar o próprio arquivo com cerca de 400 fitas que guardou nos últimos 20 anos. No acervo estão clássicos do pop-rock brasileiro e também raridades, como fitas remasterizadas do início das carreiras de Mundo Livre S/A, Raimundos e até Los Hermanos.


Para quem quiser aderir à moda, Anderson Guerra avisa que não é tão difícil assim encontrar fitas para comprar. Além da opção da internet, muitas lojas do Centro de Belo Horizonte ainda têm caixas fechadas em estoque.

 

Quem já aderiu

Boogarins

A banda goiana Boogarins, que faz show em Belo Horizonte sábado, dentro da programação do Festival Transborda, na Spaço Escola de Circo, é uma das que aderiram à moda das cassetes.
O álbum de estreia, As plantas que curam, chegou no território americano em cassete, por iniciativa da gravadora
Burger Records.

Dave Grohl

Como ação de marketing para divulgar Sound city, documentário dirigido por Dave Grohl, líder do Foofighters, a gravadora distribuiu uma mix tape com clássicos do rock. Fotos do set-list foram publicadas no Facebook do filme. Foi o que bastou para pipocarem comentários sobre um possível lançamento no formato. Por enquanto, nada confirmado.

MGMT
Depois de um hiato criativo, a banda MGMT voltou à ativa com o lançamento do single de Alien days em cassete. A fita, em edição limitada, veio acompanhada de um link com autorização para download do álbum completo.

She & Him
O duo americano formado pela atriz Zooey Deschanel e M. Ward disponibilizou no ano passado o álbum Volume 3 em CD, LP, cassete e versão digital para download. O lançamento foi pelo selo norte-americano Merge. Como a dupla mudou de gravadora, ainda não se sabe se manterá firme a proposta retrô. O novo single Stay awhile já está disponível no YouTube.

 

Saiba mais

Fita magnética

 

Destinada à gravação de áudio, as cassetes surgiram em 1963, invenção da holandesa Philips. Constituída basicamente por dois carretéis, todo o mecanismo de movimento da fita fica alojado em uma caixa plástica com o tamanho de 10cm x 7cm. Na época, essa foi a grande inovação, já que facilitava o manuseio em comparação com as fitas de rolo. Sua popularização culminou nos anos 1980, com a invenção do walkman, reprodutor compacto lançado pela Sony.