“Ah, o que você faz é uma música meio brasileira, não é?”. A cantora e compositora cabo-verdiana Mayra Andrade ouve com frequência essa pergunta. Apesar de admitir a influência e de manter intenso intercâmbio sonoro com nosso país, a artista tem insistido em apresentar a cultura musical de Cabo Verde em seu trabalho. No último disco que lançou, 'Lovely difficult' (2013), Mayra deixou cuíca e pandeiro de fora. “Fiz questão de que não tivesse elementos brasileiros. Para mim, é importante que as pessoas saibam diferenciar.”
Mas não se pode colocar Mayra Andrade no balaio da música folclórica — como Cesária, por exemplo, considerada a rainha da morna, gênero típico de Cabo Verde. A busca por mesclar o tradicional a elementos diversos, aliás, tem dado a tônica dos trabalhos que saíram da África recentemente. Mayra, de 29 anos, com quatro discos lançados, está mais para o que se chama, genericamente, de world music. É por isso que, além do criolo, canta também em francês e inglês.
Ela tinha apenas 12 anos quando conheceu Cesária, a maior artista internacional de Cabo Verde. Tornaram-se amigas e, quando a veterana, muitos anos mais velha, descobriu que a garota cantava, tratou de dar-lhe logo um conselho: “Nunca se esqueça de que o público é que vai decidir o que será feito de você”. A novata guardou o recado.
Apesar da enorme admiração, Mayra admite que a música de Cesária não foi exatamente uma influência para seu trabalho. Segundo ela, nomes como Caetano e João Gilberto, por exemplo, são mais evidentes em sua escola musical. “Ela era sempre Cesária em qualquer lugar, com qualquer pessoa. Uma senhora muito autêntica e espontânea. Admiro muito a música dela, principalmente a voz, que tem enorme profundidade, revela o espírito cabo-verdiano e me emociona muito”, conta.
Nômade
Mayra Andrade cantou ao lado de Dominguinhos, Yamandu Costa e Hamilton de Holanda, e dividiu o microfone com cantoras como Tulipa Ruiz, Márcia Castro e Maria Gadú. Da música portuguesa, ela revela o apreço por Antônio Zambujo e Ana Moura. O intercâmbio entre o país europeu e as ex-colônias é intenso e histórico. “A música cabo-verdiana são várias músicas. É um país com um posicionamento marítimo estratégico. Muitos navios passavam por lá, indo e vindo do Brasil, por exemplo. Temos um pouco do fado português também. As influências atlânticas são reais. Existe até a história de que o cavaquinho foi de Cabo Verde para o Brasil”, destaca.
Ela não descarta a possibilidade de fazer um disco de música tradicional cabo-verdiana no futuro, mas não está em seus planos agora. 'Lovely difficult', por exemplo, é reflexo da vivência nômade da cantora. “Morei em muitos lugares, esta é minha forma de estar no mundo. Isso acaba fazendo com que meu som seja muito híbrido, mas não me interessa fazer de outro jeito”, comenta. Cabo Verde parece apenas uma fotografia na parede, mas os artistas que saem de lá guardam o país com muita ternura.
Entrevista / Mayra Andrade
Fale um pouco sobre sua relação com a música brasileira.
Eu comecei a ouvir Caetano (Veloso) muito cedo. Ouvia muito, também, Maria Bethânia, Chico Buarque, Djavan, Elis Regina e Milton Nascimento. É uma relação muito antiga, foi uma escola para mim. Essa sensibilidade e riqueza harmônica e poética na música brasileira foram referências muito importantes para mim. E eu continuo tendo uma ligação grande com artistas brasileiros, em colaborações, mas com uma sonoridade mais moderna. E vai continuar.
Você já esteve no Brasil várias vezes. O que acha do país?
Não é um país, é um continente, né? Muito rico culturalmente, com uma diversidade enorme de tudo. Vejo o Brasil como um celeiro natural, que alimenta o imaginário de muitas pessoas — o meu, inclusive.