Edu Lobo, desde sempre, preza pela privacidade. Dá poucas entrevistas, não opina sobre o que não lhe diz respeito e não se mete em confusões. Aos 71 anos, o recluso carioca só não está mais escondido porque a obra que construiu ao longo dos últimos 50 anos continua a conquistar admiradores. Prova disso é que a trilha sonora do balé 'O grande circo místico', criada por ele e Chico Buarque, em 1983, inspirou musical homônimo que arrebatou as plateias do Rio e de São Paulo recentemente. O projeto será levado aos cinemas por Cacá Diegues. Para completar, Edu acaba de lançar CD comemorativo, ganhou biografia escrita pelo jornalista Eric Nepomuceno e tem songbook de partituras vindo por aí.
É por conta da publicação biográfica que Edu atende à entrevista. Ou será que não? “Sobre o livro? Mas eu não posso falar sobre o livro. Eu não sou o autor. Quem tem que falar é o Eric Nepomuceno”, brada, ao telefone. “Minha carreira está todinha lá. Está superbenfeito, a gente trabalhou muito em cima disso. E está lá, não tenho o que dizer. O que você quiser saber do CD, nenhum problema”, completou.
A solução foi abordar outros assuntos e, com jeitinho, abrir o caminho para que o cantor e compositor se sentisse à vontade para deixar as memórias escorrerem. Sempre sobre música, claro, já que a vida pessoal não foi abordada nem na biografia 'São bonitas as canções'. A exceção é um capítulo em que Edu narra a relação com o pai, o jornalista e compositor Fernando Lobo, que ele só conheceu quando tinha 10 anos de idade.
O compositor de 'Arrastão', 'Ponteio' e 'Beatriz' criticou o formato dos festivais que o alçaram à fama nos anos 1960 e admitiu que não saberia definir o que é música tropicalista. Animado com o musical 'O grande circo místico', Edu ainda aguarda o roteiro do longa-metragem. “Cedi as músicas, mas estou completamente por fora.”
Ponto a ponto
Biografia
Nunca na vida eu escreveria. Primeiro porque eu não sou um escritor que valha a pena ser lido, não tenho esse talento literário. E, segundo, um livro sobre minha vida (escrito por mim) não faria sentido. Agora, eu posso conversar sobre ela com uma pessoa que já me conhece bastante. Facilita muito. O Eric (Nepomuceno, autor de 'São bonitas as canções') vinha pra cá, trazia o gravador, a gente falava horas e horas. De vez em quando, ele me telefonava. Fui acompanhando de longe e gostei bastante: do tom, da forma como as coisas foram colocadas. Só tem verdade ali. Ela é completa. Eu não tenho outras coisas para falar.
Parcerias
Eu não sou letrista. Fiz algumas letras, mas não sou. Eu gosto sempre de fazer a música primeiro e receber a letra depois. É assim que eu trabalho com o Chico (Buarque). Pouquíssimas vezes na vida eu musiquei poemas, e só o fiz por razões específicas. Gosto mesmo é de fazer a música livremente e entregar para um parceiro de confiança e receber depois. Quase todo mundo é assim. Não sei se tem alguém que prefira musicar letras. A letra pronta te aprisiona.
MPB e bossa nova
É uma sigla de que não gosto, parece partido político. Não me incomoda porque não presto muita atenção, mas acho uma bobagem. MPB é colocada sempre como uma dissidência da bossa nova, e eu nunca saí da bossa nova. Fui formado nela. O time tinha Tom Jobim, Carlinhos Lyra e Baden Powell, que também eram parceiros de Vinicius. As minhas tentativas de bossa nova eram bem inferiores, bem fracas. Como tenho uma relação com o Nordeste, meus pais são pernambucanos, ouvia coisas regionais o dia inteiro. E comecei a incorporar essas coisas — só que eu fazia com as harmonias da bossa nova. Quando se tem 19 anos, você não faz especulações sobre o que daria certo ou não: vai fazendo. Eu chamava minhas composições de “música esquisita”.
Vinicius de Moraes
Nós nos tornamos parceiros na noite em que o conheci. Eu tenho certeza de que aquilo foi muito mais do que um empurrão (para que eu seguisse na carreira). Cheguei a uma reunião, toquei as músicas que eu sabia tocar, muitas com letras dele, e ele gostou muito e propôs uma parceria. Fizemos a música ('Só me fez bem'), como está no livro. No dia seguinte, eu acordei e não era mais apenas um estudante de direito da PUC que queria ser diplomata.
Festivais
Fique muito contente com a vitória de 'Arrastão' (1965), porque ninguém sabia quem eu era e, em 24 horas, quem conhecia de música sabia de mim. Com 'Ponteio' (1967), fiquei desapontado alguns dias com esta coisa da competição. É muito difícil julgar a música naquele contexto, naquela balbúrdia, aquela coisa apaixonada. É só lembrar as histórias: 'Sabiá', de Chico e Tom, vaiada pelo Maracanãzinho inteiro em 1968. E é uma música maravilhosa. Como era lenta, e lírica, os caras começam a gritar, a vaiar. Que isso? Tanto é que os festivais acabaram. Tentaram algumas vezes depois, mas não funciona mais. Festival, na Europa e nos Estados Unidos, não é uma competição. Mas é que televisão adora competição, né?! Isso chama audiência. Perdeu o sentido.
Tropicália
Eu não estava prestando atenção à Tropicália, sinceramente. Naquela época, estava completamente focado em um grupo de Minas, que depois eles chamaram de Clube da Esquina, que fazia uma música que era diferente, com acordes diferentes, melodias diferentes. Uma coisa meio que semirreligiosa, tinha a voz do Milton, enfim… Estava prestando atenção naquilo. A Tropicália não me pegou assim. Especialmente porque, se você me pedir pra definir o que era a música tropicalista, eu não sei a resposta. Pode ser que alguém saiba. Eu sei o que é uma atitude tropicalista: isso eu vi acontecer.
Chico Buarque
A gente se encontrava na televisão, mas não tinha nenhuma aproximação especial. E acho que essa coisa de festival, também… Eu ganhei um, ele ganhou outro, depois eu ganhei outro, ele outro… Sabe esse negócio? Acho que isso meio que afasta, ou intimida. O tempo foi passando, a gente se encontrando, e temos uma amizade ótima. É muito bom trabalhar com um parceiro que também é seu amigo. Eu queria fazer músicas novas para o musical 'O grande circo místico', pois as feitas para o balé de 1983 não seriam suficientes para esse formato. O Chico desde o início falou que não poderia fazer letras novas. Quando ele escreve livro, como agora, deixa de ser músico. É assim que ele é, então tudo bem. Eu respeito totalmente. Fizemos 42 músicas, sendo que apenas duas não foram para musicais.
Encomenda
Quando eu tenho uma encomenda, minha vida muda completamente, por que eu tenho o que fazer: conviver com personagens, ter ideias... Eu fico o dia inteiro fazendo. E, fundamentalmente, eu tenho um contrato e uma data. Se aparecesse um megaprodutor com US$ 10 milhões pra produzir o maior espetáculo do mundo, eu perguntasse a data e ele respondesse “pra quando você quiser”, sabe quando ia ficar pronto? Nunca. É verdade. Quando se tem a data, você acorda nesse clima. Eu odeio atrasar ou descumprir alguma coisa que tenha a minha assinatura. Acho horroroso isso. Nunca aconteceu.
É por conta da publicação biográfica que Edu atende à entrevista. Ou será que não? “Sobre o livro? Mas eu não posso falar sobre o livro. Eu não sou o autor. Quem tem que falar é o Eric Nepomuceno”, brada, ao telefone. “Minha carreira está todinha lá. Está superbenfeito, a gente trabalhou muito em cima disso. E está lá, não tenho o que dizer. O que você quiser saber do CD, nenhum problema”, completou.
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O compositor de 'Arrastão', 'Ponteio' e 'Beatriz' criticou o formato dos festivais que o alçaram à fama nos anos 1960 e admitiu que não saberia definir o que é música tropicalista. Animado com o musical 'O grande circo místico', Edu ainda aguarda o roteiro do longa-metragem. “Cedi as músicas, mas estou completamente por fora.”
Ponto a ponto
Biografia
Nunca na vida eu escreveria. Primeiro porque eu não sou um escritor que valha a pena ser lido, não tenho esse talento literário. E, segundo, um livro sobre minha vida (escrito por mim) não faria sentido. Agora, eu posso conversar sobre ela com uma pessoa que já me conhece bastante. Facilita muito. O Eric (Nepomuceno, autor de 'São bonitas as canções') vinha pra cá, trazia o gravador, a gente falava horas e horas. De vez em quando, ele me telefonava. Fui acompanhando de longe e gostei bastante: do tom, da forma como as coisas foram colocadas. Só tem verdade ali. Ela é completa. Eu não tenho outras coisas para falar.
Parcerias
Eu não sou letrista. Fiz algumas letras, mas não sou. Eu gosto sempre de fazer a música primeiro e receber a letra depois. É assim que eu trabalho com o Chico (Buarque). Pouquíssimas vezes na vida eu musiquei poemas, e só o fiz por razões específicas. Gosto mesmo é de fazer a música livremente e entregar para um parceiro de confiança e receber depois. Quase todo mundo é assim. Não sei se tem alguém que prefira musicar letras. A letra pronta te aprisiona.
MPB e bossa nova
É uma sigla de que não gosto, parece partido político. Não me incomoda porque não presto muita atenção, mas acho uma bobagem. MPB é colocada sempre como uma dissidência da bossa nova, e eu nunca saí da bossa nova. Fui formado nela. O time tinha Tom Jobim, Carlinhos Lyra e Baden Powell, que também eram parceiros de Vinicius. As minhas tentativas de bossa nova eram bem inferiores, bem fracas. Como tenho uma relação com o Nordeste, meus pais são pernambucanos, ouvia coisas regionais o dia inteiro. E comecei a incorporar essas coisas — só que eu fazia com as harmonias da bossa nova. Quando se tem 19 anos, você não faz especulações sobre o que daria certo ou não: vai fazendo. Eu chamava minhas composições de “música esquisita”.
Vinicius de Moraes
Nós nos tornamos parceiros na noite em que o conheci. Eu tenho certeza de que aquilo foi muito mais do que um empurrão (para que eu seguisse na carreira). Cheguei a uma reunião, toquei as músicas que eu sabia tocar, muitas com letras dele, e ele gostou muito e propôs uma parceria. Fizemos a música ('Só me fez bem'), como está no livro. No dia seguinte, eu acordei e não era mais apenas um estudante de direito da PUC que queria ser diplomata.
Festivais
Fique muito contente com a vitória de 'Arrastão' (1965), porque ninguém sabia quem eu era e, em 24 horas, quem conhecia de música sabia de mim. Com 'Ponteio' (1967), fiquei desapontado alguns dias com esta coisa da competição. É muito difícil julgar a música naquele contexto, naquela balbúrdia, aquela coisa apaixonada. É só lembrar as histórias: 'Sabiá', de Chico e Tom, vaiada pelo Maracanãzinho inteiro em 1968. E é uma música maravilhosa. Como era lenta, e lírica, os caras começam a gritar, a vaiar. Que isso? Tanto é que os festivais acabaram. Tentaram algumas vezes depois, mas não funciona mais. Festival, na Europa e nos Estados Unidos, não é uma competição. Mas é que televisão adora competição, né?! Isso chama audiência. Perdeu o sentido.
Tropicália
Eu não estava prestando atenção à Tropicália, sinceramente. Naquela época, estava completamente focado em um grupo de Minas, que depois eles chamaram de Clube da Esquina, que fazia uma música que era diferente, com acordes diferentes, melodias diferentes. Uma coisa meio que semirreligiosa, tinha a voz do Milton, enfim… Estava prestando atenção naquilo. A Tropicália não me pegou assim. Especialmente porque, se você me pedir pra definir o que era a música tropicalista, eu não sei a resposta. Pode ser que alguém saiba. Eu sei o que é uma atitude tropicalista: isso eu vi acontecer.
Chico Buarque
A gente se encontrava na televisão, mas não tinha nenhuma aproximação especial. E acho que essa coisa de festival, também… Eu ganhei um, ele ganhou outro, depois eu ganhei outro, ele outro… Sabe esse negócio? Acho que isso meio que afasta, ou intimida. O tempo foi passando, a gente se encontrando, e temos uma amizade ótima. É muito bom trabalhar com um parceiro que também é seu amigo. Eu queria fazer músicas novas para o musical 'O grande circo místico', pois as feitas para o balé de 1983 não seriam suficientes para esse formato. O Chico desde o início falou que não poderia fazer letras novas. Quando ele escreve livro, como agora, deixa de ser músico. É assim que ele é, então tudo bem. Eu respeito totalmente. Fizemos 42 músicas, sendo que apenas duas não foram para musicais.
Encomenda
Quando eu tenho uma encomenda, minha vida muda completamente, por que eu tenho o que fazer: conviver com personagens, ter ideias... Eu fico o dia inteiro fazendo. E, fundamentalmente, eu tenho um contrato e uma data. Se aparecesse um megaprodutor com US$ 10 milhões pra produzir o maior espetáculo do mundo, eu perguntasse a data e ele respondesse “pra quando você quiser”, sabe quando ia ficar pronto? Nunca. É verdade. Quando se tem a data, você acorda nesse clima. Eu odeio atrasar ou descumprir alguma coisa que tenha a minha assinatura. Acho horroroso isso. Nunca aconteceu.