“O Mali tem diferentes tipos de música. São 300 povos, cada um com a sua música. Meu foco é na da região de Segu, que é pentatônica como o blues. Os escravos que foram levados para os Estados Unidos levaram com eles o ngoni, que deu origem ao banjo mais tarde. Esses escravos foram para lá trabalhar em lavouras de arroz e algodão, e o maior produtor de algodão da África é o Mali”, conta Kouyate, que tocou na madrugada de domingo em Ouro Preto, durante o festival Mimo.
Sua vibrante apresentação, na Praça Tiradentes, deixou claro que a música que compõe não é só criativa e conectada à tradição malinesa, mas também aparentada com o blues. Aliás, a palavra blues, conta o músico, não costuma fazer tanto sentido para vários músicos malineses: “A semelhança entre o que os músicos antigos do Mali tocavam e o blues é muito grande. Se você pedir a um velho que toque blues, ele não saberá o que é, mas sabe tocar o korosse, que é um estilo muito parecido”.
No fim dos anos 1980, quando Kouyate foi convidado a participar de um evento de blues nos Estados Unidos, sua música chamou a atenção justamente por isso. “O Taj Mahal estava lá e quando me ouviu achou que o que eu estava tocando era a origem da música dele. Ele passou a me considerar como se fôssemos da mesma família. Sempre que nos encontramos, sentimos essa ligação por meio da terra”, lembra o africano.
Os dois estiveram juntos recentemente na Europa, onde definiram as bases do disco. As músicas ainda não foram gravadas, mas o africano adianta que a maioria das composições será dele, com uma ou outra parceria. “Mostrarei como o blues foi para os Estados Unidos. Voltaremos às raízes do gênero, ou seja, 700 anos atrás, como os antigos faziam”, anuncia Kouyate.
Prêmio Mesmo com a agenda cheia de colaborações com artistas e participações em festivais pelo mundo, Bassekou Kouyate diz que não pensa em deixar o Mali. “Muita gente já deixou o país. Quero manter a conexão com minhas raízes”, justifica o artista, que mora na capital, Bamako. Uma vez por ano ele retorna a Garana, vila onde nasceu e promove um campeonato de futebol com 12 times formados por moradores – a equipe vencedora leva o equivalente a R$ 5 mil, e seu capitão, uma moto.
O artista, que conta apenas com familiares em sua banda (filhos, irmãos, um sobrinho e a mulher, a cantora Amy Sacko), a Ngoni Ba, tem ampliado sua atuação no país como forma de estimular a renovação artística local. Ele tem motivo: músicos malineses reconhecidos internacionalmente já morreram (caso de Ali Farka Toure) ou pertencem a gerações anteriores à sua (caso de Salif Keita). Em dezembro, organizará no país a primeira edição do prêmio Ngoni d’Or, para destacar jovens talentos em categorias que vão da música tradicional local ao rap.
VEM AÍ
Para a edição do ano que vem, Lu Araújo, diretora-geral do Mimo, revela que está em negociação para trazer o inglês John McLaughlin, um dos mais importantes guitarristas do jazz mundial. A intenção, continua ela, é manter o formato do festival, com shows, filmes, workshops e etapa educativa em cidades históricas brasileiras. Depois da etapa de Ouro Preto, terminada ontem, o festival segue para Olinda (de quinta a domingo), Paraty (de 10 a 12 de outubro) e Tiradentes (17 a 19 de outubro).
O repórter viajou a convite do festival Mimo.