Adeus ao simples ato de apertar um botão ou clicar no mouse. Bem-vindo a um modus operandi quase ritual, que demanda espaço, tempo e atenção. Vinte e cinco anos atrás, se alguém vislumbrasse um retorno ao vinil em meio ao avanço tecnológico que viu nascer o CD e depois o MP3, poderia ser chamado de conservador, para dizer o mínimo. Mas eis que em pleno 2014, em meio à explosão dos sites de streaming – Spotify, Deezer e congêneres –, alguns fatos vêm comprovar que o retorno do vinil não é mais restrito a grupos de audiófilos ou nostálgicos avessos à tecnologia. Ele está fazendo parte efetivamente do cotidiano de pessoas que consomem música atual, que amadureceram com o meio digital e que têm acesso a todas as facilidades que o universo 2.0 oferece.
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O gasto com aparelhagem acompanha o de discos. Para Leandro, as compras são mensais. Como, nas palavras dele, “o vício é recente”, sua coleção ainda é pequena, com 80 discos no máximo. Muita coisa da Motown (Marvin Gaye e Stevie Wonder), Novos Baianos, Jorge Ben e Bruce Springsteen. A redescoberta da bolachona fez com que ele diminuísse o consumo de música digital. Algo que o advogado de Belo Horizonte Wagner Nardy, também de 30 anos, nem chega a ouvir. Com uma formação musical que veio do vinil, do acervo dos pais e irmãs mais velhas, ele prefere nem se aproximar do MP3. Sua coleção é basicamente feita de vinis e CDs. E ao contrário do que diz o senso comum, Wagner está longe de ser um rato de sebo. Sua coleção recente, montada nos últimos três anos, é quase que apenas de discos novos. Entre os títulos, clássicos oitentistas (New Order), dos 1960 e 1970 (Rolling Stones, Beatles, Simon & Garfunkel) e artistas novos, que já começaram suas carreiras na música digital (Amy Winehouse, Adele e Arcade Fire).
Prova do interesse crescente da produção atual vem do guitarrista Jack White. Seu segundo álbum solo, Lazaretto, tornou-se o disco de vinil mais vendido desde 1994 (época em que foi lançado Vitalogy, do Pearl Jam). Lançado em 10 de junho, o álbum vendeu nos EUA, em sua semana de estreia, 40 mil cópias – já totalizou 60 mil vendidos. Outros nomes que figuram na lista dos top 10 dos vinis são o duo francês Daft Punk e os ingleses do Arctic Monkeys. “O ritual da música é importante. Gosto de ouvir o lado A inteiro, depois o B. O vinil não tem a comodidade do MP3, em que você avança já para a faixa que quer, você tem que estar disposto a ouvir. E além do mais, no vinil o som do grave faz a diferença. Acho um prazer mais sincero”, acrescenta Wagner, que adquiriu há alguns anos um aparelho da marca norte-americana Crosley, especializada em toca-discos, rádios e aparelhos de som com design vintage.
De verdade A procura crescente pelo vinil vem acarretando mudanças em toda a cadeia que cerca uma bolacha. Artistas que nunca tinham tido um registro no formato resolveram investir. Formada há 10 anos, a banda paulistana Ludov tinha três álbuns e quatro EPs até o lançamento de Miragem. Lançado em junho, o trabalho só existe nas versões em vinil e MP3. Foram prensadas 300 cópias em vinil – só restam 50 da primeira tiragem, tanto que a banda já pensa numa segunda. Os custos foram arcados pelos próprios fãs do Ludov por meio do sistema de crowdfunding, a chamada vaquinha virtual. O grupo conseguiu R$ 12 mil para bancar a prensagem, realizada pela Polysom, única fábrica de vinil em atividade na América Latina.
“Foi a oportunidade de realizar um sonho de infância de ter um disco nosso de verdade. E mudou tudo, pois antes mesmo de gravar a gente ensaiava pensando qual música seria boa para começar um lado B, qual tinha cara de terminar o lado A. Quando se lança um disco em MP3, você também perde o conceito de capa, a ordem das músicas. Tudo fica randômico”, comenta o guitarrista Habacuque Lima. Orgulhoso da bolacha, ele ainda chama a atenção para a capa dupla, que leva a assinatura do quadrinista Gabriel Bá. No Brasil, a reabertura da fábrica Polysom, em 2010, serviu como um estímulo e tanto para gravadoras e artistas independentes. Ainda que seu campeão de vendas seja um álbum clássico – A tábua de esmeralda (1974), de Jorge Ben –, atualmente, boa parte dos artistas nacionais faz uma edição em vinil.
Selo mineiro aposta na onda
Selo criado pelo mineiro Luiz Valente, que se divide entre BH e Londres, a Vinyl Land já lançou, neste período, 30 títulos (entre compactos e LPs) de artistas nacionais. Até então todos eram prensados em fábricas na Europa, por causa do preço reduzido. Pela Polysom, lançou até então somente a coletânea Collector’s choice, com 21 artistas de BH, realizada com recursos de incentivos fiscais. Agora, Valente está lançando o primeiro vinil produzido pela Polysom de um só artista, o álbum Sobre noites e dias, de Lucas Santtana, que deve ficar pronto em outubro. Valente está bancando metade da produção – a outra parte cabe ao artista. O investimento da dupla é de R$ 13 mil para uma tiragem de 500 cópias. “A grande dificuldade de um selo é fazer a venda direta para os fãs. Normalmente, a compra é realizada nos shows, então fechei a parceria com o Lucas, que vai vender nas apresentações tanto a cota dele quanto a nossa.”
Como seus vinis eram prensados no exterior, a venda era feita por um site internacional – ou então de lojas que compravam do site. Agora, com a produção via Polysom, a Vinyl Land vai poder realizar a venda no Brasil. “E o mercado nacional está aquecendo muito. Além das várias prensagens que a Polysom está fazendo, com o dólar e a libra muito caros, está mais difícil fazer compra internacional na internet. Além do mais, está havendo o ressurgimento das lojas (físicas)”, acrescenta Valente.
Números
135 mil
discos foram produzidos pela Polysom desde 2010
63%
foi aumento registrado na produção em 2013
300 unidades
é a tiragem mínima de um vinil
60 mil
vinis de Lazaretto, de Jack White, vendidos este ano
R$ 10 mil
é o custo médio de uma tiragem de 500 discos