Sexta-feira à noite, o Racionais MCs, ao comemorar seus 25 anos, ganhou um emocionado presente do público mineiro. Mano Brown, Edi Rock, KL Jay e Ice Blue foram acompanhados -- palavra por palavra -- pelo coro formado pela plateia que lotou o Chevrolet Hall, no Bairro São Pedro. Braços para o alto, como é de lei no hip-hop, e versos quilómetricos na ponta da língua, a multidão de cinco mil fãs vibrou com clássicos do grupo de rap mais importante do país. A vida é desafio, Vida loka e Jesus chorou, entre outros antigos hits, ainda são mantras para os jovens, muitos deles nem sequer nascidos quando o Racionais surgiu.
Formado predominantemente por garotos da periferia, o público brindou a banda com interpretações apoteóticas de Negro drama -- cuja letra fala de racismo e do apartheid social no país --, Artigo 157, Da ponte pra cá e Vida loka 2 ("Glória... Glória/ Sei que Deus tá aqui/ E só quem é/ Só quem é vai sentir/ E meus guerreiros de fé/ Quero ouvir! Quero ouvir!"). E Mano Brown ouviu mesmo: a moçada, só no gogó, toureou a deficiente acústica da arena. Não há som embolado que resista ao poderoso canto daquela multidão.
"Mais um ano se passou/ E eu estou ficando velho e acabado", cantarolou Brown, em certo momento. Quarentão, o quarteto comprova a velha máxima: quem sabe faz ao vivo. Brown, inegavelmente, é o astro. Mas divide a função com os trutas Edi Rock e Ice Blue, dois mestres de cerimônias de muita responsa. Helião e Lino Krizz são bem mais do que coadjuvantes: craques do microfone, com o providencial reforço de Boy Killa e Big da Godoy. Além de conduzir a massa, o grupo lança mão de performances bem-boladas -- os rapazes se agacham como se estivessem na beira do passeio numa quebrada de favela, cruzam o palco sincronizadamente, parecem reproduzir ali o vaivém no beco. A cenografia de bom gosto projeta imagens de São Paulo ao fundo. Quando KL Jay dá show solo com suas picapes, sua "nave" se transforma num rádio. Sedutora, a metrópole enfeita o palco.
Há 12 anos sem lançar disco de inéditas, o grupo abre espaço para o projeto solo de Edi Rock, que gravou o ótimo disco Contra nós ninguém será em 2013. Algumas faixas do CD, como Cava cava, Aro 20 e Salve nego, entraram no repertório do novo show: se não mobilizam o público como os velhos hits, vêm comprovar que os rapazes do Racionais continuam na atividade. Mas a coisa muda quando Edi canta That's my way (gravada com Seu Jorge em Contra nós...), o público delira e repete o refrão: "Esse é meu caminho e nele eu vou/ Eu gosto de pensar que a luz do sol/ Vai iluminar o meu amanhecer...".
Composta por Mano Brown para um documentário sobre Carlos Marighella, Mil faces de um homem leal já está na ponta da língua dos fãs, que canta com ele a homenagem ao baiano que "ousou lutar/ honrou a raça/ honrou a causa que adotou". Punhos erguidos para o alto, Racionais e seus jovens comandados celebram: "Revolução no Brasil tem um nome: Carlos Marighella". É um dos momentos mais bonitos do show. Pena que Brown não tenha usado o palco do Chevrolet para apresentar ao vivo sua Mulher elétrica, parceria com a banda Black Rio. Seria interessante observar a reação do público à faceta romântica que o rapper tem desenvolvido em sua carreira solo. Em compensação, ele brindou o público com sua performance como DJ, dividindo as batidas com KL Jay, ouvido absoluto do hip-hop nacional.
Quando o grupo paulistano anunciou sua turnê especial de 25 anos, com iluminação e cenografia idealizadas para grandes casas de shows, muita gente duvidou do projeto, feito sob medida para espaços frequentados pelos "playboys", alvo da ira de tantos rappers. Sexta-feira, o Chevrolet Hall praticamente virou uma quebrada dos manos. A chamada "classe C" não se intimidou diante do preço dos ingressos, que partiram de R$ 50 para chegar à inteira de R$ 140, no quinto lote. Vários fãs disseram à reportagem que valeu a pena pagar caro para ver um showzaço do Racionais.
"Din din don. O rap é o som", celebrou Brown do palco, enquanto os companheiros estouravam a champanhe. "São 25 anos fazendo do nosso jeito. Faça do seu jeito", disse ele à multidão, agradecendo a Minas Gerais, "terra das montanhas, das catedrais, de Milton Nascimento e do Clube da Esquina".
Não teve bis. Luzes acesas, um garoto de 17 anos, morador da Zona Sul, deixou o Chevrolet Hall injuriado. "Eles não tocaram Diário de um detento", reclamou, referindo-se ao rap que descreve de forma tocante o massacre do Carandiru, em que 111 presos foram assassinados pela polícia dentro da Casa de Detenção de São Paulo. "Fala sério...", resmungava ele, enquanto descia as escadas.
Vencedor do Duelo de MCs abre show
O rapper mineiro Douglas Din, de 23 anos, abriu a noite de sexta-feira no Chevrolet Hall. Vencedor de duas edições nacionais do Duelo de MCs, o morador do Aglomerado da Serra começou a rimar às 21h, quando pouca gente havia chegado à arena.
Douglas chamou a atenção com seu canto vigoroso. "O mundo é diferente/ do Chevrolet Hall pra lá", afirmou ele, ao falar de sua favela. Contou que mora na Rua Ritmo e foi à pé até a casa de shows pensando na responsabilidade de abrir a noite dos 25 anos do Racionais em BH. "Uma coisa é fazer rap. Outra coisa é ser realmente útil para o mundo", disse ele, pregando a necessidade de mais amor e mais informação para as pessoas.
A curitibana Karol de Souza foi a outra convidada para abrir o show do Racionais. A MC é um exemplo do avanço das mulheres no hip-hop, território machista até alguns anos atrás. Ela fez um show vigoroso e deixou o palco elogiando o Duelo de MCs realizado em Minas Gerais, afirmando que se trata de um dos eventos de rap mais importantes do país.