Moreno Veloso lança CD com faixas que o artista vem colecionando ao longo da carreira

Show de estreia do disco 'Coisa boa', que tem a presença de parceiros constantes, será em São Paulo

por Mariana Peixoto 25/05/2014 09:51

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

RECOMENDAR PARA:

INFORMAÇÕES PESSOAIS:

CORREÇÃO:

Preencha todos os campos.
Caroline Bittencourt / Divulgação
(foto: Caroline Bittencourt / Divulgação)
O pai é Caetano, a madrinha é Gal. Mas é sobre Tom Jobim que Moreno Veloso prefere falar: “Num disco do Tom em Minas Gerais (Ao vivo em Minas, de 2008, resultado de um show realizado em 1981 no Palácio das Artes), em que ele está sozinho ao piano, ele começa (a apresentação) falando um texto bonito... Diz que quando a gente está amparado pelos amigos é mais fácil, principalmente para quem é tímido. Que a gente tem que se doar, e não pode ser aquele garoto tímido a vida inteira.” Aos 41 anos e com uma carreira que caminha para a segunda década, Moreno diz que as palavras de Tom não o largam. No entanto, é hora de seguir em frente. Sozinho, mas com a ajuda dos amigos.

Coisa boa é o primeiro álbum de Moreno Veloso. Na verdade, é o primeiro que ele assina sozinho. Sua estreia discográfica, por assim dizer, ocorreu quase 15 anos atrás, quando se reuniu aos amigos de colégio Kassin e Domenico para lançar Máquina de escrever música (2000), trabalho que também marcou o início do projeto +2. Ao longo da década passada houve outros dois registros do projeto, o de Kassin +2 e o de Domenico +2, sempre com o trio como protagonista, além de músicos convidados. Moreno ainda lançou dois discos com a Orquestra Imperial. Nesse meio tempo, criou com os amigos a trilha de Imã, espetáculo do grupo Corpo. Houve outros trabalhos, produções, participações, até mesmos os discos solo dos antigos companheiros de +2.

Até que chegou a sua vez. Produzido pelo próprio Moreno, em parceria com Pedro Sá (outro da turma que vem produzindo e tocando com Caetano Veloso na fase mais recente, da banda Cê), Coisa boa traz 11 faixas. “São coisas que vim colecionando ao longo dos anos. Quem me ajudou a montar o repertório foi o Pedro Sá. Ele se sentou comigo e começamos a lembrar das músicas que gostaria de ter gravado”, comenta. Entre o material inédito, há canções registradas na voz de outrem. O disco, por exemplo, é aberto com Lá e cá, que Nina Becker (mais uma da turma, é uma das crooners da Orquestra Imperial) gravou duas vezes, em diferentes versões, para os álbuns Azul e Vermelho. Hoje e Um passo à frente foram conhecidas primeiro na voz de Gal Costa. Da seleção, há somente uma canção não autoral, Num galho de acácias, versão de J. Carlos para a francesa Un peu d’amour.

A turma carioca não deixou Moreno de lado em momento algum. Kassin, Domenico e boa parte da Orquestra Imperial se fizeram presentes nas gravações. Mas como o disco teve um tempo longo de gestação – não custa nada lembrar que Moreno vem produzido os discos e DVDs de Caetano desde Cê, como também Recanto, de Gal, e o Partimpim, de Adriana Calcanhotto – houve espaço para que outras turmas se aproximassem. Entre 2010 e 2012, por causa do trabalho da mulher, Clara, Moreno se mudou com ela e os dois filhos para Salvador. O primogênito de Caetano e Dedé Gadelha é soteropolitano, mas já aos 3 anos mudou-se para o Rio, onde fez toda sua formação. Dessa maneira, esse retorno a Salvador apresentou uma nova cidade a ele.

De Salvador a Tóquio

A capa de Coisa boa traz fotografia de Arthur Nobre feita na praia do Porto da Barra, no pôr do sol. Em primeiro plano há um menino olhando para o mar. Mais acima, um grupo de pessoas, Moreno e amigos baianos entre elas. “(Depois da temporada) Fiquei muito mais próximo culturalmente da Bahia. Quando a gente está longe, só escuta uns ecos distantes. Daniela Mercury, Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, além deles, tem muito mais. Ronei Jorge, meu primo Jota (Veloso), Márcio Melo, Gabi Guedes, um percussionista que tocou com Peter Tosh e hoje é figura central da Orquestra Rumpilezz.”

De Salvador ele fez uma ponte até Tóquio. Presenças recorrentes em Coisa boa são a cantora japonesa Takako Minekawa e o músico e produtor Hiroshi Takano. Para falar sobre eles, Moreno volta alguns anos atrás, quando ainda estava com o +2. Convidado para shows no Japão, o então trio teve as datas da apresentação modificadas. Resultado: quando conseguiram uma nova data, somente Moreno tinha disponibilidade para viajar. Foi sozinho encarar os japoneses – até então nunca havia feito um show solo. Apesar do nervosismo, as duas apresentações no interior do Japão deram tão certo que ele foi convidado para mais duas em Tóquio. Os shows foram gravados, e resultaram num álbum ao vivo lançado somente no mercado japonês (daí a analogia à experiência mineira de Tom Jobim).

Como uma coisa leva a outra, depois dessa houve outras temporadas do outro lado do mundo. Conversa daqui, conhece dali, se aproximou da cantora Takako Minekawa, que com Hiroshi e outros tantos, tem uma turma não muito diferente da de Moreno no Rio. Assim que começou a trabalhar em seu próprio disco, ele fez o convite para uma participação. “Poderia ser qualquer coisa: um barulho eletrônico, acústico, alguma coisa experimental”, relembra ele. Mandou o que tinha até então e recebeu a seguinte resposta de Takako: “Vou gravar Num galho de acácias junto com você, só que com uma oitava acima e em português!” Diante dessa proposta inusitada, Moreno resolveu fazer o mesmo, só que ao contrário. Takako escreveu a letra de Onaji sora (O mesmo céu, em bom português) que foi cantada em japonês pelos dois. A gravação foi realizada num estúdio em Tóquio, em mais uma viagem que Moreno fez àquele país. Aproveitando a oportunidade, os dois japoneses fizeram pequenas participações em canções, fazendo algumas interferências.

Coisa boa estreia em palco em 26 de junho, no Sesc Pompeia, em São Paulo. A seu lado Moreno vai ter Pedro Sá (violão, guitarra), Bruno Di Lullo (baixo) e Rafael Rocha (bateria), os dois últimos integrantes da banda Tono, de Bem, filho de Gilberto Gil. Ainda que assine sozinho seu primeiro disco, Moreno nunca está só. E continua lembrando-se de Tom Jobim nessa nova fase da carreira: “Com a ajuda dos amigos aprendi a caminhar, ganhei força para ficar em pé sozinho. Como disse o Tom, tem uma hora que o artista tem que chegar mais perto do público sem aquela armadura toda.”

Para descortinar, sem pressa

É o próprio Moreno quem escreve o release (texto de divulgação enviado à imprensa) de Coisa boa. Há um adendo assinado por Rodrigo Amarante, colega de geração, de Orquestra Imperial, e que tem uma participação no trabalho. “Seu disco me olha calmo porque sabe quem eu sou, tem esse ar, me reconhece e me faz lembrar quem eu gostaria de ser”, escreveu o hermano.

Coisa boa vem a público meses depois de Cavalo, também o primeiro álbum solo assinado por Amarante. Além da proximidade que os une, Coisa boa e Cavalo encontram semelhanças na sonoridade. Ambos são álbuns baseados na canção, cheio de barulhinhos e efeitos.

A música-título nasceu como uma canção de ninar, melodia que Moreno entoava para os filhos Rosa e José. Seus versos, com um clima infantil (“Nossa brincadeira agora/ Pode ser também dormir”), encontram pares em outras canções, Jacaré coruja e Não acorda o neném. O restante do repertório tem outros temas tangíveis – a praia, o mar, a terra – e intangíveis – a noite, a saudade, o amor.

De tentar voltar é marcada pelos cellos executados pelo próprio Moreno (que também assina boa parte dos violões e percussões do álbum); o choro Não acorde o neném tem um cavaquinho de Davi Moraes que é colorido por palmas de amigos em tom saudosista; Um passo à frente carrega no clima festivo; enquanto Em todo lugar já se aproxima do rock.

Lento e cheio de silêncios, Coisa boa se encontra com Cavalo também nessas características. Só que o resultado do trabalho de Amarante é um tanto monocórdio, enquanto o de Moreno vai ganhando diferentes tonalidades e camadas, para serem descortinadas sem pressa, a partir de cada nova audição.

MAIS SOBRE MÚSICA