
Trabalhando com o mesmo universo – e inclusive com muitos dos músicos de 2002 – Beck fez um trabalho oposto e, ao mesmo tempo, complementar. No que Sea change era obscuro, por vezes solar, Morning phase (Fase matinal, numa tradução literal, ou algo como o dia seguinte, numa leitura menos óbvia). O bardo Nick Drake foi a referência mais imediata do primeiro trabalho. Drake continua ali, mas as harmonias vocais remetem a Crosby, Stills, Nash & Young. Do folk produzido nos dias de hoje, há ecos também de Bon Iver.
É um álbum com conceito de álbum, algo raro no universo dos singles imediatistas ou do EPs virtuais por vezes descuidados. Uma canção como que complementa a outra, formando um só corpo. Fãs do Beck das colagens, das batidas quebradas, vão achar esse trabalho um tanto monocórdio. Nada disso, e audições bem cuidadas só fazem o trabalho crescer. Com arranjos de cordas assinados por David Campbell, pai de Beck (que tinha assumido tal função em Sea change), o disco traz 13 faixas.
Há vinhetas, como Cycle, que abre o álbum. É apenas uma introdução para a primeira canção, Morning – “Acorde nesta manhã/ Depois de uma longa noite de tempestade”, dizem os versos iniciais, acompanhados de instrumentação econômica. Mas há muita coisa além. Wave é baseada em violino e piano; Country down carrega uma levada country (obviamente), com direito até a gaita; Unforgiven tem sintetizadores, escapando do formato acústico que permeia boa parte do repertório; e Heart is a drum, com levada blueseira, se destaca pelo belo arranjo vocal.
Mas não se deixe enganar. Morning phase é um momento de Beck, hoje casado e pai de um casal. No palco, como em sua mais recente passagem pelo Brasil, em novembro, no Planeta Terra, o californiano transcende rótulos, passeando, com facilidade, pelo blues, rock, eletrônica, folk e country. Há seis anos sem lançar um disco novo – mas produzindo bastante, inclusive nomes como Charlotte Gainsbourg, Thurston Moore, do Sonic Youth, Stephen Malkmus and the Jicks, além de contribuir para trilhas de produções díspares, da saga Crepúsculo à série True blood – promete para daqui a pouco um outro disco. Que será, com certeza, completamente diferente deste. Afinal, fases passam.