Do sucesso dos grupos Tarancón e Raíces de América, criados no Brasil dos anos 1970-80, ao atual fenômeno colombiano Shakira, passando pela argentina Mercedes Sosa (1935-2009) e pelo uruguaio Jorge Drexler, que volta e meia vem ao país, a música latino-americana viveu e vive momentos distintos por aqui.
Atração de amanhã do Cine Theatro Brasil, os dois grupos, radicados em São Paulo, reencontram os fãs mineiros em noite única, com direito a clássicos dos cancioneiros folclórico e popular, incluindo alguns sucessos que conquistaram principalmente o público universitário em pleno regime militar. Para se ter ideia da força dos grupos na época, há 32 anos a Censura Federal proibiu o show que reuniria no Teatro da Universidade Católica (Tuca), em São Paulo, Quinteto Violado, Tarancón e Joan Baez, ela, coincidentemente, em turnê comemorativa dos 50 anos de carreira no país.
“Tarancón e Raíces de América são filhos da mesma placenta. Trata-se de grupos gêmeos, que têm foco na música latino-americana, que é de uma riqueza incomensurável. Hoje, infelizmente, o Brasil desconhece isso”, repara o cantor, compositor e instrumentista Sérgio Moreira, de 59 anos, que depois do vestibular para comunicação social acabou trocando a universidade pela carreira artística.
Sérgio chegou aos dois grupos por meio do Ingazeira, conjunto que criou e liderou em Belo Horizonte, além da música de Milton Nascimento. “Com toda a influência dos latinos e cubanos na música dele (Milton Nascimento), acabei sorvendo um pouco disso também”, recorda Sérgio, que garante não ter ficado imune ao ambiente cultural na época.
Diretor musical do extinto Bar Pró-Arte, pessoalmente ele teve a chance de contratar o Tarancón por três vezes para shows em BH, tornando-se amigo da formação original do grupo. “Na época, havia até um artista plástico (Félix), que pintava telas de grandes proporções durante as apresentações”, recorda emocionado Sérgio Moreira, admitindo que um dos pilares da composição dele está ligado ao Tarancón.
Preconceito
“Agora está tudo muito voltado para o mercado. Com o passar dos anos, compositores e intérpretes acabaram perdendo a autonomia”, denuncia a cantora e instrumentista Míriam Miràh, de 60 anos, que depois de trocar o Tarancón pela carreira solo acabou se transformando também em solista do Raíces de América.
Na opinião de Míriam, apesar de alguma renovação do público, a música latina seria muito mais expressiva no Brasil se o alcance dela na mídia fosse maior. “Todos tivemos de nos transformar e passar a fazer um som misto para nos adaptar à nova realidade”, pondera. A cantora do Raíces de America admite a existência de “certo preconceito” de produtores e de segmentos da mídia em relação ao gênero, que ainda veem como um “som menor”.
“No governo Fernando Collor, nos anos 1990, tivemos de dar inclusive uma parada, diante das circunstâncias do momento, que não estava para a cultura”, recorda o cantor e instrumentista espanhol Emilio de Angeles, de 62 anos, um dos poucos remanescentes da formação original do Tarancón, junto de Jica Thomé (voz e percussão). Ao lado deles, integram o grupo, atualmente, Jorge Miranda (baixo, charango e cordas) e Enan Racan (voz e violão). Segundo Míriam, o público atual da música latina está mais para o pré-universitário, já que o universitário em si prefere o funk e o sertanejo.
“Na verdade, nos anos de chumbo os eventos eram muito mais potentes e conscientes. Eram quase uma unanimidade”, avalia Emilio. “Vejo a presidente Dilma Rousseff falar em América Latina, mas há muito blá-blá-blá. Não há políticas culturais para a região. Em São Paulo, o Memorial da América Latina (atingido por incêndio de grandes proporções no fim do ano passado) parece um fantasma. Virou algo burocrático, onde não há eventos”, lamenta o músico.
Herdeira
Aos 26 anos, Maetê Gonçalves, filha de Míriam Miràh, ingressou recentemente no Tarancón, também como cantora solista. “Deixei uma herdeira lá”, orgulha-se Míriam, que diz ter aceitado o convite do maestro Willy Verdaguer para fazer parte do Raíces de América diante da saudade do som latino. “Willy é um maestro competentíssimo”, justifica a cantora, salientando a presença no Raíces do autor do arranjo de Alegria, alegria, um dos marcos do Tropicalismo, com o qual Caetano Veloso se classificou em quarto lugar no Festival de MPB da TV Rercord, em 1967.
Willy foi um dos integrantes do grupo argentino Beat Boys, que acompanhou o músico baiano no festival e, mais tarde, iria trabalhar também como diretor musical do extinto grupo Secos & Molhados, liderado por Ney Matogrosso. Com quase 35 anos de estrada, o Raíces de América nasceu da iniciativa do empresário argentino Enrique Bergen, radicado no Brasil, que reuniu músicos de seu país a chilenos e brasileiros. A estreia do Raíces foi em 1980, em São Paulo, tendo Mercedes Sosa por madrinha. A partir de então, o grupo conquistou fãs, especialmente estudantes engajados em movimentos pelo fim da ditadura militar e na mobilização pela abertura política.
A atual formação do Raíces de América tem André Perine (violão, guitarra, baixo, charango, fretless, voz e viola caipira), Chico Pedro (quenza, campoña, tarkas, ocarinas e flauta transversal), Jara Arrais (violão, charango e voz), Míriam Miràh (voz, violão e charango), Oscar Segovia (percussão, bateria e voz), Pedro La Colina (voz, bombo leguero, guiro, maracas, cowbell), Tadeu Passarelli (craviola, bandolim, teclados, violão e guitarra) e Willy Verdaguer (baixo elétrico, violão, guitarra, charango, zampoña, bombo leguero e voz).
Identidade e diferença
O que distingue o Tarancón do Raíces de América é a linha de trabalho adotada por cada grupo. Enquanto o primeiro privilegia o instrumental andino e o folclore latino, em som de pegada acústica, sem ignorar os clássicos populares, o segundo passeia por algo mais pesado, roqueiro e eletrônico. Na discografia do Tarancón se destacam títulos como Graças a la vida (1976), Lo único que tengo (1978) e Rever minha terra (1979). O último disco do grupo foi comemorativo aos 25 anos de carreira, em 1999. Já o Raíces de América reúne em sua discografia títulos como Metal na pedra, Dulce América, Fruto do suor e Amazônia. Os dois grupos se classificaram em segundo lugar em festivais nacionais. No Festival MPB Shell de 1982, o Raíces apresentou Fruto do suor, e o Tarancón defendeu Mira Ira no Festival dos Festivais, em 1985.
TARANCÓN E RAÍCES DE AMÉRICA
Amanhã, às 21h, no Cine Theatro Brasil, Praça Sete, entre as avenidas Afonso Pena e Amazonas e Rua Carijós, Centro. Ingressos: plateia, 1º lote, R$ 60; 2º lote, R$ 70; e 3º lote: R$ 80. Mezanino: 1º lote. R$ 50; 2º lote, R$ 60; 3º lote: R$ 70. Meia-entrada para jovens de até 21 anos, estudantes e maiores de 60 anos. Informações: (31) 3222-4389.
Atração de amanhã do Cine Theatro Brasil, os dois grupos, radicados em São Paulo, reencontram os fãs mineiros em noite única, com direito a clássicos dos cancioneiros folclórico e popular, incluindo alguns sucessos que conquistaram principalmente o público universitário em pleno regime militar. Para se ter ideia da força dos grupos na época, há 32 anos a Censura Federal proibiu o show que reuniria no Teatro da Universidade Católica (Tuca), em São Paulo, Quinteto Violado, Tarancón e Joan Baez, ela, coincidentemente, em turnê comemorativa dos 50 anos de carreira no país.
“Tarancón e Raíces de América são filhos da mesma placenta. Trata-se de grupos gêmeos, que têm foco na música latino-americana, que é de uma riqueza incomensurável. Hoje, infelizmente, o Brasil desconhece isso”, repara o cantor, compositor e instrumentista Sérgio Moreira, de 59 anos, que depois do vestibular para comunicação social acabou trocando a universidade pela carreira artística.
Sérgio chegou aos dois grupos por meio do Ingazeira, conjunto que criou e liderou em Belo Horizonte, além da música de Milton Nascimento. “Com toda a influência dos latinos e cubanos na música dele (Milton Nascimento), acabei sorvendo um pouco disso também”, recorda Sérgio, que garante não ter ficado imune ao ambiente cultural na época.
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Preconceito
“Agora está tudo muito voltado para o mercado. Com o passar dos anos, compositores e intérpretes acabaram perdendo a autonomia”, denuncia a cantora e instrumentista Míriam Miràh, de 60 anos, que depois de trocar o Tarancón pela carreira solo acabou se transformando também em solista do Raíces de América.
Na opinião de Míriam, apesar de alguma renovação do público, a música latina seria muito mais expressiva no Brasil se o alcance dela na mídia fosse maior. “Todos tivemos de nos transformar e passar a fazer um som misto para nos adaptar à nova realidade”, pondera. A cantora do Raíces de America admite a existência de “certo preconceito” de produtores e de segmentos da mídia em relação ao gênero, que ainda veem como um “som menor”.
“No governo Fernando Collor, nos anos 1990, tivemos de dar inclusive uma parada, diante das circunstâncias do momento, que não estava para a cultura”, recorda o cantor e instrumentista espanhol Emilio de Angeles, de 62 anos, um dos poucos remanescentes da formação original do Tarancón, junto de Jica Thomé (voz e percussão). Ao lado deles, integram o grupo, atualmente, Jorge Miranda (baixo, charango e cordas) e Enan Racan (voz e violão). Segundo Míriam, o público atual da música latina está mais para o pré-universitário, já que o universitário em si prefere o funk e o sertanejo.
“Na verdade, nos anos de chumbo os eventos eram muito mais potentes e conscientes. Eram quase uma unanimidade”, avalia Emilio. “Vejo a presidente Dilma Rousseff falar em América Latina, mas há muito blá-blá-blá. Não há políticas culturais para a região. Em São Paulo, o Memorial da América Latina (atingido por incêndio de grandes proporções no fim do ano passado) parece um fantasma. Virou algo burocrático, onde não há eventos”, lamenta o músico.
Herdeira
Aos 26 anos, Maetê Gonçalves, filha de Míriam Miràh, ingressou recentemente no Tarancón, também como cantora solista. “Deixei uma herdeira lá”, orgulha-se Míriam, que diz ter aceitado o convite do maestro Willy Verdaguer para fazer parte do Raíces de América diante da saudade do som latino. “Willy é um maestro competentíssimo”, justifica a cantora, salientando a presença no Raíces do autor do arranjo de Alegria, alegria, um dos marcos do Tropicalismo, com o qual Caetano Veloso se classificou em quarto lugar no Festival de MPB da TV Rercord, em 1967.
Willy foi um dos integrantes do grupo argentino Beat Boys, que acompanhou o músico baiano no festival e, mais tarde, iria trabalhar também como diretor musical do extinto grupo Secos & Molhados, liderado por Ney Matogrosso. Com quase 35 anos de estrada, o Raíces de América nasceu da iniciativa do empresário argentino Enrique Bergen, radicado no Brasil, que reuniu músicos de seu país a chilenos e brasileiros. A estreia do Raíces foi em 1980, em São Paulo, tendo Mercedes Sosa por madrinha. A partir de então, o grupo conquistou fãs, especialmente estudantes engajados em movimentos pelo fim da ditadura militar e na mobilização pela abertura política.
A atual formação do Raíces de América tem André Perine (violão, guitarra, baixo, charango, fretless, voz e viola caipira), Chico Pedro (quenza, campoña, tarkas, ocarinas e flauta transversal), Jara Arrais (violão, charango e voz), Míriam Miràh (voz, violão e charango), Oscar Segovia (percussão, bateria e voz), Pedro La Colina (voz, bombo leguero, guiro, maracas, cowbell), Tadeu Passarelli (craviola, bandolim, teclados, violão e guitarra) e Willy Verdaguer (baixo elétrico, violão, guitarra, charango, zampoña, bombo leguero e voz).
Identidade e diferença
O que distingue o Tarancón do Raíces de América é a linha de trabalho adotada por cada grupo. Enquanto o primeiro privilegia o instrumental andino e o folclore latino, em som de pegada acústica, sem ignorar os clássicos populares, o segundo passeia por algo mais pesado, roqueiro e eletrônico. Na discografia do Tarancón se destacam títulos como Graças a la vida (1976), Lo único que tengo (1978) e Rever minha terra (1979). O último disco do grupo foi comemorativo aos 25 anos de carreira, em 1999. Já o Raíces de América reúne em sua discografia títulos como Metal na pedra, Dulce América, Fruto do suor e Amazônia. Os dois grupos se classificaram em segundo lugar em festivais nacionais. No Festival MPB Shell de 1982, o Raíces apresentou Fruto do suor, e o Tarancón defendeu Mira Ira no Festival dos Festivais, em 1985.
TARANCÓN E RAÍCES DE AMÉRICA
Amanhã, às 21h, no Cine Theatro Brasil, Praça Sete, entre as avenidas Afonso Pena e Amazonas e Rua Carijós, Centro. Ingressos: plateia, 1º lote, R$ 60; 2º lote, R$ 70; e 3º lote: R$ 80. Mezanino: 1º lote. R$ 50; 2º lote, R$ 60; 3º lote: R$ 70. Meia-entrada para jovens de até 21 anos, estudantes e maiores de 60 anos. Informações: (31) 3222-4389.