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Muito além de todas as aquarelas

Coletânea de discos recupera bons momentos de Emílio Santiago

Cantor agradava o público e impressionava os colegas

Estado de Minas

O cantor Emílio Santiago (1946-2013) foi um caso curioso na história da música popular brasileira. Considerada uma das vozes mais bonitas do país, dono de afinação perfeita e senso de divisão criativo e original, o cantor era dos poucos continuadores da tradição das grandes vozes masculinas que marcaram época no Brasil na era do rádio. Com a ascensão das cantoras – que passaram a dominar a cena – e a partir do momento em que os próprios compositores começaram a defender suas criações, os cantores foram ficando em segundo plano. Emílio Santiago era a mais notável exceção nessa história.


Além da belíssima voz e qualidade da interpretação, o artista sempre mostrou gosto e ousadia na escolha do repertório. Nunca teve medo de lançar novos compositores, passeava por vários estilos. Do samba ao bolero, da MPB à canção romântica, gravou discos com orquestras e pequenos grupos era sempre charmoso ao vivo. No entanto, numa trajetória tão variada e rica, acabou ficando conhecido por grande parte do público apenas pela série 'Aquarela brasileira', que entre 1988 e 1995 gerou sete volumes de standards.


O primeiro 'Aquarela brasileira', que não levava número, nasceu para ser único quando Emílio Santiago já tinha 15 anos de carreira. O disco foi um sucesso arrasador e, até completar os sete álbuns, vendeu mais de 4 milhões de cópias. Mas Emílio Santiago não se rendeu ao sucesso fácil. Lançou tributos a Dick Farney, Gonzaguinha e João Donato, ganhou um Grammy por projeto dedicado ao samba registrou um álbum só de bossa nova.


Por essas e outras, o pacote 'Três tons de Emílio Santiago', que está sendo lançado pela Universal, chega em boa hora. Nada melhor, para reavaliar a importância do cantor, que voltar aos discos da década de 1970, antes da avalanche das Aquarelas, e que passeiam com naturalidade por vários estilos e compositores. A seleção é do pesquisador Rodrigo Faour. O estojo reúne os discos 'Comigo é assim', de 1977; 'O canto crescente de Emílio Santiago', de 1979; e 'Guerreiro coração – Ao vivo', de 1980.

'Comigo é assim' foi o terceiro disco de Emílio Santiago e, desde a canção escolhida para o título, samba-choro de 1945, mostra a reverência à tradição. Mas o cantor, que já antenava a onda do sambão, emenda o sucesso Nega e recria o enredo 'Domingo', da União da Ilha, em andamento mais cadenciado. Entre os compositores que têm canções gravadas no disco comparecem o quase estreante Djavan, ao lado de Gonzaguinha, Dominguinhos e João Nogueira. Os músicos que acompanham Emílio Santiago são Antonio Adolfo, João Donato, Menescal, Sivuca e Zé Menezes, o que dá dimensão do prestígio do artista na gravadora.


Para alguns críticos, 'O canto crescente de Emílio Santiago' talvez seja o melhor trabalho do cantor. Na linha do samba, destaque para 'Bufete e cascudo' e 'Rola bola', além do dueto com João Nogueira em 'Amigo é pra essas coisas'. O disco abre ainda espaço para clássicos como 'As rosas não falam', de Cartola (uma das melhores interpretações do samba) e 'Caridade', de Nelson Cavaquinho. O maior sucesso, no entanto, ficou com o malicioso 'Logo agora', de Jorge Aragão e Jotabê.

O terceiro álbum da caixa, 'Guerreiro coração – Ao vivo', registra show realizado no Rio de Janeiro em setembro de 1980. Se o samba é a marca mais forte, com temas de João Nogueira, Cartola, Leci Brandão e Jorge Aragão, o disco-show abre espaço para artistas da MPB, como Gonzaguinha (faixa-título), Milton Nascimento, Ivan Lins. Menescal e Chico Buarque. Puro Emílio, um cantor que emocionava o público e colhia admiração dos colegas.