Musica

'Abraçaço', mais recente trabalho de Caetano Veloso, ganha disco e DVD ao vivo

Acompanhado de trio, artista reforça sonoridade rock e pegada política

Ângela Faria

Caetano mostrou seu 'Abraçaço' aos mineiros em abril do ano passado, no Palácio das Artes
Caetano mostrou seu 'Abraçaço' aos mineiros em abril do ano passado, no Palácio das Artes
Com o perdão da rima pobre, 'Abraçaço ao vivo' é um discaço. Gravado em agosto no Vivo Rio, o CD/DVD traz o repertório do álbum homônimo, lançado por Caetano Veloso em 2012, em vigoroso diálogo com antigas canções. Aos 71 anos, cabelos brancos e sutil rebolado, o velho baiano empurra a MPB para longe da zona de conforto. A Banda Cê – o power trio Pedro Sá (guitarra), Ricardo Dias Gomes (baixo e piano) e Marcelo Callado (bateria) – é coautora da proeza.


A faixa de abertura, a recente 'A bossa nova é foda', petardo em homenagem ao “bruxo de Juazeiro”, virou praticamente grito de guerra. De braço erguido, a plateia grita o refrão (ou palavra de ordem?) para em seguida ouvir 'Lindeza', com seus doces acordes, gravada em 'Circuladô' (1991). Três meses depois das manifestações de junho, o público aplaude para valer o verso “vida sem utopia não entendo que exista”, de 'Um comunista', tributo ao guerrilheiro Carlos Marighella, ícone da esquerda brasileira. Enquanto Caetano revela seu desencanto com revoluções e violência, o “samba fúnebre” reverencia a saga do fundador da Aliança Libertadora Nacional (ALN), executado por agentes da ditadura militar. A setentista 'Triste Bahia' parece ter sido feita hoje, tão bem se encaixa na saga do mulato baiano. O pot-pourri de cantos populares traz toques de capoeira. Marighella costumava jogar com mestres no Pelourinho.


À recente 'Estou triste' – “o lugar mais frio do Rio é o meu quarto” – segue-se a vigorosa 'Odeio', do álbum 'Cê' (2006), em que o poeta se diz velho e feio. A tristeza acaba em samba, a contagiante 'Escapulário'. “Dai-nos senhor a poesia de cada dia”, cantam Caetano e o público, arrebatado pela versão arrasa-quarteirão da Banda Cê para 'Funk melódico'. Rock na veia.

Bom de palco, o setentão Caetano não está ali para conversar. Dança, dá seus pulinhos, brinca de roqueiro e, performático, se joga. Em 'Homem', ele confessa a inveja dos orgasmos múltiplos femininos e se esparrama pelo chão. Faz sutil striptease durante a veterana returbinada 'De noite na cama'. Abre a blusa, mostrando barriga e peito. Bem menos que Ney Matogrosso, é certo, mas o suficiente para ironizar os militantes da ditadura dos sarados, devotos da eterna juventude.

O público o aplaude ao ouvir “cadê o Amarildo?”, mantra cívico que ecoou pelo Brasil durante as manifestações de junho e julho do ano passado. A pressão popular obrigou o governo fluminense a esclarecer o assassinato do pedreiro, acusado de tráfico, mas, na verdade, torturado por PMs na Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Favela da Rocinha. “O império da lei há de vingar”, roga o velho baiano.

Descrente das revoluções, o conterrâneo de Marighella não foge à luta. Há anos Caetano Veloso ocupa seu lugar na arena para brigar por suas convicções – seja para questionar a atuação dos biógrafos no Brasil, defender o diálogo com os black blocs ou denunciar a posição da mídia em relação ao deputado Marcelo Freixo (PSOL-RJ) no recente episódio da morte do cinegrafista Santiago Andrade. Zona de conforto, definitivamente, não é a praia deste medalhão da MPB.