Fundamentais. É como o próprio Jorge Mautner classifica os três primeiros discos de carreira, da década de 1970, reunidos agora no box 'Três tons', da Universal Music, sob a coordenação do jornalista Renato Vieira. Produto de um período em que, além da excitação criativa característica da idade, o artista vivia às voltas com o peso da ditadura militar, que acabou levando-o ao encontro de Caetano Veloso e Gilberto Gil, em pleno exílio londrino, 'Para iluminar a cidade' (1972), Jorge Mautner (1974) e 'Mil e uma noites de Bagdá' (1976) trazem a essência de uma obra. Mesmo sob o rótulo de maldito, o artista já havia mostrado a que vinha, com o lançamento de quatro livros, entre eles 'Deus da chuva e da morte', além do filme 'O demiurgo'.
Aos 73 anos, avô de Júlia, de 6, a quem promete dedicar uma das canções do próximo disco de inéditas, Mautner diz viver a alegria de “um novo Brasil”, curtindo a passagem do tempo com todos os problemas que a idade implica. “A gente vai ficando mais fraco”, reconhece o cantor, compositor, instrumentista, escritor e cineasta, cuja entrevista foi concedida pouco depois de uma consulta médica. Os 40 anos da profícua parceria com Nelson Jacobina (1953-2012), que integrou a Banda Atômica do artista, ao lado de Vinícius Cantuária e Arnaldo Brandão, são lembrados com carinho. “A presença dele é maior ainda”, emociona-se Mautner.
O lançamento de 'Três tons' de Jorge Mautner vai começar pelo Rio, onde o multiartista se apresentará em 20 de março, no Teatro Rival, em companhia da Banda Tono, do filho do amigo Gilberto Gil, Bem Gil. No mesmo período, o cantor promete voltar ao estúdio para gravar disco de inéditas, no qual, além de parcerias com Gil e Caetano Veloso, deverá incluir as que vem fazendo com o jovem Iuri Brito, da banca carioca Exército de Bebês. Entre as regravações prometidas estão Jesus de Nazaré e Bandeira do meu partido. Mautner anuncia ainda para este ano a reedição, em pequenos volumes, da trilogia Mitologia do Kaos, que está esgotada. Inédito, ele promete para o segundo semestre livro das memórias com o amigo e ex-ministro da Cultura Gilberto Gil.
Recém-descobertas pelo pesquisador Marcelo Fróes, seis canções inéditas de Mautner também deverão integrar um álbum duplo, ao vivo, que o selo Discobertas deverá lançar em abril. “Eu nem sabia deste show, que fiz com Nelson Jacobina, antes do Pirata”, recorda, referindo-se ao show 'Para iluminar a cidade', gravado ao vivo, no Teatro Opinião, do Rio, em 1972. “Foi uma tentativa talvez para fazer minha música tocar no rádio”, acrescenta, a respeito da sugestão do executivo da gravadora, André Midani, que, ironicamente, viria a se tornar o primeiro “disco pirata” do Brasil. “Só no Recife vendeu 7 mil cópias”, lembra, salientando que o produto foi comercializado pela metade do preço então praticado no mercado.
Dos três discos reunidos na caixa, o próprio Jorge Mautner destaca o de 1974, batizado com seu nome, em que reuniu no repertório aqueles que hoje são considerados os seus maiores clássicos: 'Maracatu atômico', 'Cinco bombas atômicas' e 'Guzzy muzzy'. Além da direção artística de Gilberto Gil, que havia gravado antes o Maracatu atômico, Mautner promove a estreia, no disco, de um jovem instrumentista. Trata-se de Roberto de Carvalho (piano, piano elétrico, órgão, violão e guitarra), que iria se tornar marido e principal parceiro de Rita Lee.
A estreia propriamente dita da carreira fonográfica de Jorge Mautner ocorreu em 1966, quando ele lançou um compacto simples. Na composição em si ele já estava desde os anos 1950. Vale lembrar que Para iluminar a cidade já havia sido relançado em CD, em 2002, com três faixas bônus, enquanto 'Jorge Mautner' e 'Mil e uma noites de Bagdá' também chegaram ao formato, nos anos 1990, em reedições de selo independente carioca.
Palavra de especialista
Marcelo Fróes, Produtor e pesquisador
Jorge Mautner é qualificado pelos preguiçosos como cantor e compositor. Ainda que os três álbuns dos anos 70 sejam efetivamente assinados por este cantor e compositor, Jorge Mautner, antes de ser Jorge Mautner, já era escritor, pensador e agitador da melhor espécie. A música pode ter lhe dado fama, já nos anos 70, quando voltou de Londres com Gil e Caetano e montou banda para fazer shows. Sua carreira fonográfica parece nunca ter sido prioridade, mas os três CDs do box contam uma história interessante. Eles guardam o mesmo caráter: são muito raros e mereciam uma remasterização bacana para o novo milênio. Conheço Mautner desde o século passado e sinto que 2014 é seu ano. Além do box e de outras coisas que ele está preparando, vou lançar em abril pela Discobertas um CD duplo ao vivo inédito, produzido a partir de gravações muito raras e que, para nossa surpresa, incluem nada menos que seis canções cujo título Mautner nem sequer lembrava. Devemos preparar mais coisas de Mautner na sequência, tanto em CD quanto em DVD. Ele é o máximo!
Três perguntas para...
RENATO VIEIRA
Coordenador de Três tons de Jorge Mautner
Por que reeditar Jorge Mautner?
Quando o Filho do Holocausto saiu, vi que os álbuns iniciais dele, há anos fora do mercado, faziam falta, porque os três são a base do Mautner como intérprete e compositor, como ele mesmo salienta. Tudo o que ele faria depois se sedimentou aí. É uma trilogia semelhante à de João Gilberto na Odeon, a gênese está ali. É um ponto de partida que é ao mesmo tempo o destino, aonde ele sempre quis chegar. Achava que era necessário que esses discos fossem ouvidos e reavaliados hoje, em um momento em que o Mautner se aproxima de um público da nova geração e também com músicos novos. Há algo de jovem e inconsequente ali, mas nunca caindo no banal.
Como você caracteriza a obra de Mautner?
O Mautner é atemporal, está sempre pensando no futuro. Ele fala em bomba atômica, astronautas, no uso da tecnologia. E essas coisas são pertinentes hoje e acho que, felizmente ou infelizmente, sempre serão. Além disso, ele é um cara alegre. Em uma entrevista a Nelson Motta, em 1975, ele reconheceu isso e citou Nietzsche, dizendo: “A alegria anseia a eternidade”. Concordo com essa visão. Além disso, suas músicas são sempre regravadas por pessoas que vão chegando. O volume de gravações é um exemplo de que a obra dele permanece pertinente.
Entre os três, qual disco você prefere?
É difícil falar em uma preferência, não só porque os discos são ótimos, mas por serem muito diferentes entre si. Porém, acho que o disco pelo qual o Jorge Mautner será lembrado é o de 1974, batizado com o nome dele. É um disco que traz os grandes clássicos do repertório dele – 'Cinco bombas atômicas', 'Maracatu atômico', 'Guzzy muzzy' – e que foi gravado com uma banda fabulosa, sob a direção artística de Gilberto Gil, que soube deixar os músicos livres para criar.
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Recém-descobertas pelo pesquisador Marcelo Fróes, seis canções inéditas de Mautner também deverão integrar um álbum duplo, ao vivo, que o selo Discobertas deverá lançar em abril. “Eu nem sabia deste show, que fiz com Nelson Jacobina, antes do Pirata”, recorda, referindo-se ao show 'Para iluminar a cidade', gravado ao vivo, no Teatro Opinião, do Rio, em 1972. “Foi uma tentativa talvez para fazer minha música tocar no rádio”, acrescenta, a respeito da sugestão do executivo da gravadora, André Midani, que, ironicamente, viria a se tornar o primeiro “disco pirata” do Brasil. “Só no Recife vendeu 7 mil cópias”, lembra, salientando que o produto foi comercializado pela metade do preço então praticado no mercado.
Dos três discos reunidos na caixa, o próprio Jorge Mautner destaca o de 1974, batizado com seu nome, em que reuniu no repertório aqueles que hoje são considerados os seus maiores clássicos: 'Maracatu atômico', 'Cinco bombas atômicas' e 'Guzzy muzzy'. Além da direção artística de Gilberto Gil, que havia gravado antes o Maracatu atômico, Mautner promove a estreia, no disco, de um jovem instrumentista. Trata-se de Roberto de Carvalho (piano, piano elétrico, órgão, violão e guitarra), que iria se tornar marido e principal parceiro de Rita Lee.
A estreia propriamente dita da carreira fonográfica de Jorge Mautner ocorreu em 1966, quando ele lançou um compacto simples. Na composição em si ele já estava desde os anos 1950. Vale lembrar que Para iluminar a cidade já havia sido relançado em CD, em 2002, com três faixas bônus, enquanto 'Jorge Mautner' e 'Mil e uma noites de Bagdá' também chegaram ao formato, nos anos 1990, em reedições de selo independente carioca.
Palavra de especialista
Marcelo Fróes, Produtor e pesquisador
Jorge Mautner é qualificado pelos preguiçosos como cantor e compositor. Ainda que os três álbuns dos anos 70 sejam efetivamente assinados por este cantor e compositor, Jorge Mautner, antes de ser Jorge Mautner, já era escritor, pensador e agitador da melhor espécie. A música pode ter lhe dado fama, já nos anos 70, quando voltou de Londres com Gil e Caetano e montou banda para fazer shows. Sua carreira fonográfica parece nunca ter sido prioridade, mas os três CDs do box contam uma história interessante. Eles guardam o mesmo caráter: são muito raros e mereciam uma remasterização bacana para o novo milênio. Conheço Mautner desde o século passado e sinto que 2014 é seu ano. Além do box e de outras coisas que ele está preparando, vou lançar em abril pela Discobertas um CD duplo ao vivo inédito, produzido a partir de gravações muito raras e que, para nossa surpresa, incluem nada menos que seis canções cujo título Mautner nem sequer lembrava. Devemos preparar mais coisas de Mautner na sequência, tanto em CD quanto em DVD. Ele é o máximo!
Três perguntas para...
RENATO VIEIRA
Coordenador de Três tons de Jorge Mautner
Por que reeditar Jorge Mautner?
Quando o Filho do Holocausto saiu, vi que os álbuns iniciais dele, há anos fora do mercado, faziam falta, porque os três são a base do Mautner como intérprete e compositor, como ele mesmo salienta. Tudo o que ele faria depois se sedimentou aí. É uma trilogia semelhante à de João Gilberto na Odeon, a gênese está ali. É um ponto de partida que é ao mesmo tempo o destino, aonde ele sempre quis chegar. Achava que era necessário que esses discos fossem ouvidos e reavaliados hoje, em um momento em que o Mautner se aproxima de um público da nova geração e também com músicos novos. Há algo de jovem e inconsequente ali, mas nunca caindo no banal.
Como você caracteriza a obra de Mautner?
O Mautner é atemporal, está sempre pensando no futuro. Ele fala em bomba atômica, astronautas, no uso da tecnologia. E essas coisas são pertinentes hoje e acho que, felizmente ou infelizmente, sempre serão. Além disso, ele é um cara alegre. Em uma entrevista a Nelson Motta, em 1975, ele reconheceu isso e citou Nietzsche, dizendo: “A alegria anseia a eternidade”. Concordo com essa visão. Além disso, suas músicas são sempre regravadas por pessoas que vão chegando. O volume de gravações é um exemplo de que a obra dele permanece pertinente.
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