Musica

Nova sede da Filarmônica trará arquitetura contemporânea produzida no estado

Arquiteta Jô Vasconcellos promete acústica de primeiro mundo. Previsão é de que orquestra se apresente no espaço em 2015

Walter Sebastião

Projeto do complexo cultural no Barro Preto
Já dá para ver da calçada da Rua Uberaba, em frente ao número 865, no Barro Preto: está surgindo a sede da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais. O prédio vai contar com sala de padrão internacional dedicada exclusivamente a concertos sinfônicos, com 1,4 mil lugares, além de instalações minuciosamente planejadas para atividades musicais. Ele integra a Estação da Cultura Itamar Franco, conjunto que compreende três construções erguidas no terreno de 14,4 mil metros quadrados para abrigar também a Rádio Inconfidência e a Rede Minas. O investimento de R$ 140 milhões está a cargo da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais (Codemig).


“Sinto falta de uma grande praça, de uma região que seja espaço de convivência”, observa a arquiteta Jô Vasconcellos, autora do projeto em parceria com Rafael Yanni. E é exatamente essa praça – além de garagem e pérgola – o fator de integração dos três prédios. A obra é executada há 18 meses. A previsão é de que a Filarmônica se apresente lá em 2015.


“Não será um prédio ícone, mas arquitetura correta, funcional e sem malabarismos”, explica Jô Vasconcellos. Pela primeira vez, ela está em tempo integral no canteiro de obras. Geralmente, o arquiteto visita o local de seu projeto para supervisionar o trabalho. “No começo, achei que não ia aguentar poeira, barulho e instalações precárias. Mas é muito interessante ver o dia a dia do prédio, ele está crescendo sob olhar mais vigilante”, explica. Detalhista e exigente, Jô confessa: “Em casa, sou conhecida como iron mama, a mãe de ferro com um scanner nos olhos. Vejo tudo”.


A sede da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais é especial: o projeto ambicioso prevê espaço de apresentações com acústica perfeita. A arquiteta explica que isso não depende de material de revestimento, “mas do desenho afinando a sala”. Especializada no setor, Jô fez estudos e detalhamentos minuciosos que levaram à construção de uma “caixa” sem nada por cima ou por baixo. Os pilares têm ligação com a estrutura, mas ficarão isolados para evitar qualquer interferência ou vibração.

“Belo Horizonte vai ganhar uma sala de concertos de altíssimo nível”, afirma a arquiteta, denunciando o descaso generalizado com a acústica que se observa em espaços culturais e de entretenimento. “Halls, galerias, teatros, restaurantes e botecos são desconfortáveis e barulhentos. A gente tem de conversar gritando. Há soluções para esse problema, mas as pessoas não investem”, adverte.

Jô explica que, antes de desenhar, estuda tudo o que está ligado à obra – terreno, região, função e desejos dos clientes – em busca de um edifício que receba, com naturalidade, função e forma. “Não procuro nada exótico ou diferente, mas isso pode ocorrer”. Ela faz parte da geração de arquitetos cujos projetos buscam criar diálogo entre o antigo, o moderno e o contemporâneo – caminho que resultou em obras expressivas.

Antes de se formar em arquitetura e urbanismo, em 1971, Jô foi bailarina do Palácio das Artes. A opção profissional dela não foi considerada estranha em casa, pois sua mãe era prima de Sylvio de Vasconcellos (1916-1979), importante arquiteto e historiador. Casada por 30 anos com o arquiteto Éolo Maia, que morreu em 2002, Jô colaborou em vários projetos dele. “Fazíamos arquitetura diferenciada. Por isso tínhamos de cavar oportunidades de realizá-los”, conta. Vem daí a participação em concursos que valeram prêmios e fama à arquitetura mineira, mas também a iniciativa pessoal de articular empresários e construtores em torno de propostas consideradas ousadas.

“A rotina do arquiteto é muito projeto e pouca obra. Muita coisa fica engavetada. O fascinante da profissão é cada novo projeto, pequeno ou grande, significar uma nova história. Você começa do zero. Cada um é uma aventura diferente”, conclui.

 

Duas perguntas para...Jô Vasconcellos, Arquiteta e urbanista

Jô Vasconcellos no canteiro de obras da Estação da Cultura Itamar Franco, em Belo Horizonte

Como você vê a arquitetura feita hoje?
Ela se valorizou um pouco, mas está longe do ideal. A população pede uma cidade melhor, mas não chegamos lá ainda. É muito grande o peso do não entendimento do que é arquitetura de qualidade e do que faz o arquiteto. Nossa geração pegou uma cidade ainda domável. Hoje, é muito mais difícil lidar com centros urbanos grandes, densos, desorganizados, com planejamento frágil, e conviver de forma amigável com o entorno. Às vezes, o contexto é tão inóspito que fica difícil dialogar. Tem um prédio, outro prédio, outro prédio e o seu no meio. Há especulação imobiliária que não está nem aí para a arquitetura e para a escala urbana, assim como o aumento populacional, a falta de infraestrutura, um ambiente urbano complexo em vários aspectos. A realidade a ser enfrentada exige criatividade, liberdade e sensibilidade, fundamentais para a melhoria das cidades. Essa difícil situação pode ser um desafio fascinante, ilimitado mundo de possibilidades e experiências.

Qual foi a contribuição de sua geração para a arquitetura brasileira?
Chutamos o balde e nos propusemos a fazer arquitetura contemporânea do momento que vivíamos. O modernismo foi importante, mas escolhemos fazer novas pesquisas espaciais, materiais e funcionais em todos os sentidos. E com responsabilidade ambiental, oferecendo conforto, dialogando com o entorno quando esses temas ainda não eram tratados. O Rainha da Sucata, na Praça da Liberdade, de Éolo Maia e do Sylvio Podestá, poderia ser um prédio alto, pois não havia orientações do patrimônio para respeitar o entorno. Mas eles trabalharam procurando harmonia, diálogo e respeito com os prédios vizinhos. O Offcenter, que fiz com o Éolo, é divertido, estabelece um ponto referencial para a cidade. Traz humor para a arquitetura, o que é muito bom. Ele surpreende, as pessoas relaxam. Desperta interesse e curiosidade. Isso pode levantar questões, criar interatividade e contaminar as pessoas de forma positiva.

 

História corre risco

Omineiro Éolo Maia é pioneiro da arquitetura pós-moderna no Brasil

O ouro-pretano Éolo Maia (1942-2002) é um dos mais importantes arquitetos brasileiros, premiado no país e no exterior. Formado em 1967 pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde deu aula, é considerado pioneiro do pós-moderno (chamado também de contemporâneo) no cenário arquitetônico brasileiro.

Éolo defendia mais cor nas cidades como forma de torná-las menos tristes. Suas criações evocavam o gosto pelo tropicalismo e as HQs, o que se pode notar nos prédios Rainha da Sucata, na Praça da Liberdade, e no Edifício Offcenter, no Bairro Floresta – exemplos da ousada irreverência da arquitetura de Maia.

A viúva Jô Vasconcellos guarda 200 pastas e caixas com cerca de 300 projetos, desenhos e croquis do marido, além de 45 maquetes, textos, vasta biblioteca de arquitetura e slides. “Gostaria de digitalizar todo esse material e disponibilizá-lo para estudantes, pesquisadores e historiadores. Éolo foi um arquiteto importante e já está sendo esquecido, o que, por aqui, vem de forma muito rápida”, afirma ela.

Jô se preocupa com a preservação da obra de Éolo e da memória da arquitetura. “Não há quem cuide dos acervos de arquitetos muito importantes para Belo Horizonte e Minas Gerais. Considero isso falta de cultura. Se tivermos um museu da arquitetura, corremos o risco de não encontrar nada sobre Éolo Maia, Cid Horta, Álvaro Hardy, o professor Cuno Roberto Lussy e Humberto Serpa, entre outros. Existe alguma pesquisa, mas pouca e pontual. Vai-se até Sylvio de Vasconcellos e os anos 1960, mas para por aí. Precisamos avançar. A vida continua e outros arquitetos devem ser considerados”, defende Jô.