“Sinto falta de uma grande praça, de uma região que seja espaço de convivência”, observa a arquiteta Jô Vasconcellos, autora do projeto em parceria com Rafael Yanni. E é exatamente essa praça – além de garagem e pérgola – o fator de integração dos três prédios. A obra é executada há 18 meses. A previsão é de que a Filarmônica se apresente lá em 2015.
“Não será um prédio ícone, mas arquitetura correta, funcional e sem malabarismos”, explica Jô Vasconcellos. Pela primeira vez, ela está em tempo integral no canteiro de obras. Geralmente, o arquiteto visita o local de seu projeto para supervisionar o trabalho. “No começo, achei que não ia aguentar poeira, barulho e instalações precárias. Mas é muito interessante ver o dia a dia do prédio, ele está crescendo sob olhar mais vigilante”, explica. Detalhista e exigente, Jô confessa: “Em casa, sou conhecida como iron mama, a mãe de ferro com um scanner nos olhos. Vejo tudo”.
A sede da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais é especial: o projeto ambicioso prevê espaço de apresentações com acústica perfeita. A arquiteta explica que isso não depende de material de revestimento, “mas do desenho afinando a sala”. Especializada no setor, Jô fez estudos e detalhamentos minuciosos que levaram à construção de uma “caixa” sem nada por cima ou por baixo. Os pilares têm ligação com a estrutura, mas ficarão isolados para evitar qualquer interferência ou vibração.
“Belo Horizonte vai ganhar uma sala de concertos de altíssimo nível”, afirma a arquiteta, denunciando o descaso generalizado com a acústica que se observa em espaços culturais e de entretenimento. “Halls, galerias, teatros, restaurantes e botecos são desconfortáveis e barulhentos. A gente tem de conversar gritando. Há soluções para esse problema, mas as pessoas não investem”, adverte.
Jô explica que, antes de desenhar, estuda tudo o que está ligado à obra – terreno, região, função e desejos dos clientes – em busca de um edifício que receba, com naturalidade, função e forma. “Não procuro nada exótico ou diferente, mas isso pode ocorrer”. Ela faz parte da geração de arquitetos cujos projetos buscam criar diálogo entre o antigo, o moderno e o contemporâneo – caminho que resultou em obras expressivas.
Antes de se formar em arquitetura e urbanismo, em 1971, Jô foi bailarina do Palácio das Artes. A opção profissional dela não foi considerada estranha em casa, pois sua mãe era prima de Sylvio de Vasconcellos (1916-1979), importante arquiteto e historiador. Casada por 30 anos com o arquiteto Éolo Maia, que morreu em 2002, Jô colaborou em vários projetos dele. “Fazíamos arquitetura diferenciada. Por isso tínhamos de cavar oportunidades de realizá-los”, conta. Vem daí a participação em concursos que valeram prêmios e fama à arquitetura mineira, mas também a iniciativa pessoal de articular empresários e construtores em torno de propostas consideradas ousadas.
“A rotina do arquiteto é muito projeto e pouca obra. Muita coisa fica engavetada. O fascinante da profissão é cada novo projeto, pequeno ou grande, significar uma nova história. Você começa do zero. Cada um é uma aventura diferente”, conclui.
Duas perguntas para...Jô Vasconcellos, Arquiteta e urbanista
Como você vê a arquitetura feita hoje?
Ela se valorizou um pouco, mas está longe do ideal. A população pede uma cidade melhor, mas não chegamos lá ainda. É muito grande o peso do não entendimento do que é arquitetura de qualidade e do que faz o arquiteto. Nossa geração pegou uma cidade ainda domável. Hoje, é muito mais difícil lidar com centros urbanos grandes, densos, desorganizados, com planejamento frágil, e conviver de forma amigável com o entorno. Às vezes, o contexto é tão inóspito que fica difícil dialogar. Tem um prédio, outro prédio, outro prédio e o seu no meio. Há especulação imobiliária que não está nem aí para a arquitetura e para a escala urbana, assim como o aumento populacional, a falta de infraestrutura, um ambiente urbano complexo em vários aspectos. A realidade a ser enfrentada exige criatividade, liberdade e sensibilidade, fundamentais para a melhoria das cidades. Essa difícil situação pode ser um desafio fascinante, ilimitado mundo de possibilidades e experiências.
Qual foi a contribuição de sua geração para a arquitetura brasileira?
Chutamos o balde e nos propusemos a fazer arquitetura contemporânea do momento que vivíamos. O modernismo foi importante, mas escolhemos fazer novas pesquisas espaciais, materiais e funcionais em todos os sentidos. E com responsabilidade ambiental, oferecendo conforto, dialogando com o entorno quando esses temas ainda não eram tratados. O Rainha da Sucata, na Praça da Liberdade, de Éolo Maia e do Sylvio Podestá, poderia ser um prédio alto, pois não havia orientações do patrimônio para respeitar o entorno. Mas eles trabalharam procurando harmonia, diálogo e respeito com os prédios vizinhos. O Offcenter, que fiz com o Éolo, é divertido, estabelece um ponto referencial para a cidade. Traz humor para a arquitetura, o que é muito bom. Ele surpreende, as pessoas relaxam. Desperta interesse e curiosidade. Isso pode levantar questões, criar interatividade e contaminar as pessoas de forma positiva.
História corre risco
O ouro-pretano Éolo Maia (1942-2002) é um dos mais importantes arquitetos brasileiros, premiado no país e no exterior. Formado em 1967 pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), onde deu aula, é considerado pioneiro do pós-moderno (chamado também de contemporâneo) no cenário arquitetônico brasileiro.
Éolo defendia mais cor nas cidades como forma de torná-las menos tristes. Suas criações evocavam o gosto pelo tropicalismo e as HQs, o que se pode notar nos prédios Rainha da Sucata, na Praça da Liberdade, e no Edifício Offcenter, no Bairro Floresta – exemplos da ousada irreverência da arquitetura de Maia.
A viúva Jô Vasconcellos guarda 200 pastas e caixas com cerca de 300 projetos, desenhos e croquis do marido, além de 45 maquetes, textos, vasta biblioteca de arquitetura e slides. “Gostaria de digitalizar todo esse material e disponibilizá-lo para estudantes, pesquisadores e historiadores. Éolo foi um arquiteto importante e já está sendo esquecido, o que, por aqui, vem de forma muito rápida”, afirma ela.
Jô se preocupa com a preservação da obra de Éolo e da memória da arquitetura. “Não há quem cuide dos acervos de arquitetos muito importantes para Belo Horizonte e Minas Gerais. Considero isso falta de cultura. Se tivermos um museu da arquitetura, corremos o risco de não encontrar nada sobre Éolo Maia, Cid Horta, Álvaro Hardy, o professor Cuno Roberto Lussy e Humberto Serpa, entre outros. Existe alguma pesquisa, mas pouca e pontual. Vai-se até Sylvio de Vasconcellos e os anos 1960, mas para por aí. Precisamos avançar. A vida continua e outros arquitetos devem ser considerados”, defende Jô.