Mais do que o encontro de dois artistas e de dois países, reúnem-se “duas águas de um mesmo rio”. A cantora brasileira Jussara Silveira e o compositor e poeta português Tiago Torres da Silva acabam de lançar o disco 'Água lusa' (Dubas), que vem tendo boas críticas e repercussão.
A canção lusitana está presente na vida de Jussara – mineira de Nanuque, no Vale do Mucuri, e radicada em Salvador – desde criança. Sua bela voz se encaixa perfeitamente nas 11 faixas assinadas por Tiago em parcerias com os conterrâneos Pedro Joia, Miguel Ramos e Armando Machado, entre outros.
Mesmo familiarizada com o universo musical da “terrinha” há muitos anos, Jussara conta que deu, sim, um frio na barriga gravar fado, tanto pelo desafio quanto pela responsabilidade. “Costumo citar um verso do 'Fado da Adiça': ‘não é fadista quem quer/ só é fadista quem calha...’. E calhei! Isso não aconteceria sem o lastro que o Tiago me deu, com tudo o que me ensinou sobre o fado, tudo o que ouvimos e compartilhamos. Mas isso não ocorreria se já não tivesse o fado na alma desde que escutei Amália Rodrigues pela primeira vez, aos 10 anos”, diz a artista.
Jussara faz questão de ressaltar: o disco é cantado por uma brasileira com sotaque brasileiro e que em nenhum momento tenta se passar por fadista. “Não teria graça imitar alguém que nasceu no fado. Já me apresentei para alguns portugueses, e eles observaram que se entende a letra com perfeição. Isso se dá porque faço do meu jeito, com sotaque brasileiro, baiano, mineiro, carioca... Ou seja, com a mistura dos sotaques dos lugares onde vivi. É como se cantasse uma canção de Caymmi, Nelson Cavaquinho, Ronaldo Bastos, Fernando Brant e/ou de Milton Nascimento”, afirma ela.
Jussara Silveira explica que o importante desse trabalho foi preservar a cantora que ela já é. “Mesmo que a cada dia eu me torne diferente, continuo a mesma”, filosofa. O compositor Tiago Torres da Silva revela que, no começo do projeto, não estava definido exatamente em que ele resultaria. A única certeza é que suas palavras clamavam pela voz de Jussara. Vários brasileiros incluem o fado em seu repertório, lembra Tiago, citando Ângela Maria, Maria Bethânia, Gal Costa e Elba Ramalho. Ele compôs Sereia para Ney Matogrosso. Jussara a incluiu em 'Água lusa'.
“Para mim, esse trânsito é muito natural. Só almas que se dão por inteiro podem cantar fado. Cantores dessa dimensão o fazem não porque são fadistas, mas porque se entregam inteiramente à sua arte. Claro que é diferente, completamente diferente, um brasileiro cantar o fado. E, ao mesmo tempo, é igual”, opina.
Gal
A parceria com o Brasil não é novidade para o poeta e compositor. O primeiro disco que Tiago teve foi um compacto de Gal Costa. Autores brasileiros estão entre as referências para ele. “Foi com a música brasileira que aprendi o ofício de ser letrista. Quando comecei a sonhar em ‘contrabandear’ as palavras que escrevo para o Brasil, jamais sonhei que tanta coisa boa fosse acontecer. Ter dirigido Bibi Ferreira foi um sonho. Escutar as minhs palavras nas gargantas de gente tão linda como Maria Bethânia, Ney Matogrosso, Elba Ramalho, Alcione, Olivia Byington, Seu Jorge, Fafá de Belém e Francis Hime é um assunto do qual não consigo falar sem ficar com os olhos cheios de lágrimas. Tenho muito a agradecer”, celebra.
Para entrar no clima, 'Água lusa' foi totalmente gravado e produzido em Lisboa com músicos locais, como Pedro Joia, Filipe Raposo, Edu Miranda e Ruca Rebordão. “Não há a guitarra portuguesa do fado. O fato de prescindirmos dela é proposital e, mesmo assim, foi relevante a intimidade dos músicos com o fado e o jeito português de fazer música. Por isso foi tão importante gravar o CD em Portugal”, conclui Jussara Silveira.
Três perguntas para...
Jussara Silveira
Como surgiu a ideia de fazer um disco em parceria com Tiago Torres da Silva?
Desde que nos conhecemos, houve um encanto mútuo, um encanto musical, pelo nosso interesse com a música dos nossos países; ele com a canção popular brasileira e eu com o fado. Tiago conhecia algo do meu trabalho e revelou-me que eu era a mais portuguesa das cantoras brasileiras que ele conhecia. Daí em diante, além da grande amizade, nasceu a ideia de fazermos um disco juntos. Isso faz tempo, e o tempo só nos ajudou a decidir que faríamos um CD com suas canções e parceiros portugueses. É o primeiro álbum de uma cantora brasileira dedicado a um autor português.
Água lusa não é nome de nenhuma das faixas. De onde veio esse título?
Ele tem muito a ver com o disco, com as canções, com o mundo luso, com o fato de falarmos a mesma língua e de nossa existência ser inseparável do mar, como disse o Guilherme Wisnik. ‘Somos a caravela que se lançou ao mar e mudou consigo o eixo do mundo’, escreveu ele. Todo o sentimento luso está contido nesse fato e nessa frase. Isso é a base da relação Brasil/Portugal. O nome foi sugestão do João Passos, um deus luso, ator e fotógrafo que nos acompanhou na produção do disco.
Você é mineira, mas todo mundo te identifica com a Bahia. Como é a sua relação com a terra natal?
Sou de Nanuque, lugar ‘onde eu nasci passa um rio’, o Rio Mucuri. E fui lá ‘confirmar’, quando fiz 20 anos, levada por um colega de escola para de fato conhecer a cidade onde nasci. Meus pais baianos se casaram e foram viver em Nanuque. Com a volta deles para a Cidade da Bahia, fui criada à beira-mar, mas sempre me lembrando do rio da minha aldeia. Minas Gerais fez mais sentido para mim quando cresci e me apaixonei pelo Clube da Esquina, por Drummond e pelo Guimarães Rosa.
Ouça à faixa 'Vou Num Rio' Jussara Silveira:
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Mesmo familiarizada com o universo musical da “terrinha” há muitos anos, Jussara conta que deu, sim, um frio na barriga gravar fado, tanto pelo desafio quanto pela responsabilidade. “Costumo citar um verso do 'Fado da Adiça': ‘não é fadista quem quer/ só é fadista quem calha...’. E calhei! Isso não aconteceria sem o lastro que o Tiago me deu, com tudo o que me ensinou sobre o fado, tudo o que ouvimos e compartilhamos. Mas isso não ocorreria se já não tivesse o fado na alma desde que escutei Amália Rodrigues pela primeira vez, aos 10 anos”, diz a artista.
Jussara faz questão de ressaltar: o disco é cantado por uma brasileira com sotaque brasileiro e que em nenhum momento tenta se passar por fadista. “Não teria graça imitar alguém que nasceu no fado. Já me apresentei para alguns portugueses, e eles observaram que se entende a letra com perfeição. Isso se dá porque faço do meu jeito, com sotaque brasileiro, baiano, mineiro, carioca... Ou seja, com a mistura dos sotaques dos lugares onde vivi. É como se cantasse uma canção de Caymmi, Nelson Cavaquinho, Ronaldo Bastos, Fernando Brant e/ou de Milton Nascimento”, afirma ela.
Jussara Silveira explica que o importante desse trabalho foi preservar a cantora que ela já é. “Mesmo que a cada dia eu me torne diferente, continuo a mesma”, filosofa. O compositor Tiago Torres da Silva revela que, no começo do projeto, não estava definido exatamente em que ele resultaria. A única certeza é que suas palavras clamavam pela voz de Jussara. Vários brasileiros incluem o fado em seu repertório, lembra Tiago, citando Ângela Maria, Maria Bethânia, Gal Costa e Elba Ramalho. Ele compôs Sereia para Ney Matogrosso. Jussara a incluiu em 'Água lusa'.
“Para mim, esse trânsito é muito natural. Só almas que se dão por inteiro podem cantar fado. Cantores dessa dimensão o fazem não porque são fadistas, mas porque se entregam inteiramente à sua arte. Claro que é diferente, completamente diferente, um brasileiro cantar o fado. E, ao mesmo tempo, é igual”, opina.
Gal
A parceria com o Brasil não é novidade para o poeta e compositor. O primeiro disco que Tiago teve foi um compacto de Gal Costa. Autores brasileiros estão entre as referências para ele. “Foi com a música brasileira que aprendi o ofício de ser letrista. Quando comecei a sonhar em ‘contrabandear’ as palavras que escrevo para o Brasil, jamais sonhei que tanta coisa boa fosse acontecer. Ter dirigido Bibi Ferreira foi um sonho. Escutar as minhs palavras nas gargantas de gente tão linda como Maria Bethânia, Ney Matogrosso, Elba Ramalho, Alcione, Olivia Byington, Seu Jorge, Fafá de Belém e Francis Hime é um assunto do qual não consigo falar sem ficar com os olhos cheios de lágrimas. Tenho muito a agradecer”, celebra.
Para entrar no clima, 'Água lusa' foi totalmente gravado e produzido em Lisboa com músicos locais, como Pedro Joia, Filipe Raposo, Edu Miranda e Ruca Rebordão. “Não há a guitarra portuguesa do fado. O fato de prescindirmos dela é proposital e, mesmo assim, foi relevante a intimidade dos músicos com o fado e o jeito português de fazer música. Por isso foi tão importante gravar o CD em Portugal”, conclui Jussara Silveira.
Três perguntas para...
Jussara Silveira
Como surgiu a ideia de fazer um disco em parceria com Tiago Torres da Silva?
Desde que nos conhecemos, houve um encanto mútuo, um encanto musical, pelo nosso interesse com a música dos nossos países; ele com a canção popular brasileira e eu com o fado. Tiago conhecia algo do meu trabalho e revelou-me que eu era a mais portuguesa das cantoras brasileiras que ele conhecia. Daí em diante, além da grande amizade, nasceu a ideia de fazermos um disco juntos. Isso faz tempo, e o tempo só nos ajudou a decidir que faríamos um CD com suas canções e parceiros portugueses. É o primeiro álbum de uma cantora brasileira dedicado a um autor português.
Água lusa não é nome de nenhuma das faixas. De onde veio esse título?
Ele tem muito a ver com o disco, com as canções, com o mundo luso, com o fato de falarmos a mesma língua e de nossa existência ser inseparável do mar, como disse o Guilherme Wisnik. ‘Somos a caravela que se lançou ao mar e mudou consigo o eixo do mundo’, escreveu ele. Todo o sentimento luso está contido nesse fato e nessa frase. Isso é a base da relação Brasil/Portugal. O nome foi sugestão do João Passos, um deus luso, ator e fotógrafo que nos acompanhou na produção do disco.
Você é mineira, mas todo mundo te identifica com a Bahia. Como é a sua relação com a terra natal?
Sou de Nanuque, lugar ‘onde eu nasci passa um rio’, o Rio Mucuri. E fui lá ‘confirmar’, quando fiz 20 anos, levada por um colega de escola para de fato conhecer a cidade onde nasci. Meus pais baianos se casaram e foram viver em Nanuque. Com a volta deles para a Cidade da Bahia, fui criada à beira-mar, mas sempre me lembrando do rio da minha aldeia. Minas Gerais fez mais sentido para mim quando cresci e me apaixonei pelo Clube da Esquina, por Drummond e pelo Guimarães Rosa.
Ouça à faixa 'Vou Num Rio' Jussara Silveira: