Guilardo Veloso tem 50 anos, nasceu em Pedra Azul, Vale do Jequitinhonha, e mora em Belo Horizonte há 32 anos. O gosto pelas manifestações populares vem da infância, convivendo com congados e folias de reis na cidade onde nasceu. “Vivência que aprofundei quando, como todo adolescente do interior, vim para Belo Horizonte para estudar. E fiquei amigo de Tadeu Martins e Gonzaga Medeiros, poetas com história ligada à cultura popular. Foram meus primeiros professores”, afirma. O trabalho na Secretaria Municipal de Cultura, nas gestões Berenice Menegale e Antonieta Cunha, ensinou a importância das políticas públicas de cultura e seu impacto sobre a vida da cidade.
Sobre a atividade de produtor, Guilardo conta que é trabalho ainda visto como bico. “Já existem alguns cursos de pós-gradução, mas a maioria se forma pegando no pesado da atividade de promover e difundir as artes e a cultura”, afirma. No momento, está organizando seminário que será realizado em fevereiro, em Araçuaí, quando vai ser criada a Rede Jequitinhonha Cultural. O produtor adora o berço: “É o lugar onde a cultura popular é mais forte em Minas Gerais”. Compromissos para março são a gravação do DVD de Pereira da Viola e espetáculo comemorativo dos 30 anos do show Onhas do Jequi, que reuniu Saulo Laranjeira, Paulinho Pedro Azul, Tadeu Franco, Rubinho do Vale, Frei Chico e Lira, Gonzaga Medeiros e Tadeu Martins no Palácio das Artes.
MOMENTO RICO Guilardo Veloso foi do popular ao pop. Abriu em 1997, no Bairro Funcionários, a casa noturna Lapa Multshow, que funcionou até 2011. “Alugava salas para fazer shows de forró e veio a vontade de ter uma casa de espetáculos”, recorda. “Era momento rico. Estavam surgindo grupos importantes da música brasileira”, acrescenta. Lembra que passaram pelo local Cordel do Fogo Encantado, Nação Zumbi, Mestre Ambrósio, Lenine e Siba. “Como todos bebiam na fonte da cultura popular, havia afinidade com o que eu fazia”, explica. Seu Jorge, Bezerra da Silva e João Nogueira também marcaram presença no espaço, além de grupos de BH como Zé da Guiomar e Copo Lagoinha.
Diversidade de estéticas que Guilardo credita a parceiros como o pessoal da 53HC e João Eduardo, da Cogumelo Records. Ao último, deve-se o tempo em que a casa foi referência para o metal pesado na cidade. “No primeiro momento fiquei assustado. Não pela música, mas porque os vizinhos olhavam de lado a turma de cabeludos de roupas pretas. Ninguém entendia o que era aquilo, aquela música. Convencê-los que eram só jovens, que não tinha confusão, foi trabalho longo”, recorda. “Convivi com o metal como convivi com a viola. Não tenho problema com gêneros. Só existem dois tipos de música: a boa e a ruim”, afirma.
O Lapa encerrou as atividades em 2011. Volta? “Não. Hoje já não se encontram locais próximos ao Centro para casa de shows”, explica. “Além disso, as exigências para se abrir uma casa são muitas, cobram muito investimento e fazer show ficou mais difícil. Os cachês ficaram inflacionados e já não se tem, como em outros tempos, contato direto com o artista. Hoje tem muito atravessador”, lamenta. O produtor torce para que avance o projeto da prefeitura de transformar o ex-Lapa em Casa da Música de BH. “Não podemos perder um local como aquele. Temos muitos teatros, mas tem shows que são para dançar, se divertir, não são para teatro”, observa.
TRÊS PERGUNTAS PARA...
. Guilardo Veloso
Produtor
Quando se fala de música em Minas, o que temos e o que falta?
Minas Gerais tem uma das mais ecléticas músicas do Brasil, novos compositores que andam fazendo coisas maravilhosas. Tem congado, produção erudita, pop rock, bandas, MPB, jazz, samba etc. O que falta é trabalhar com todos estes gêneros, reconhecendo e respeitando a diversidade da nossa música. Diferentemente de outra épocas, não é música que tenha influência de um movimento, como o Clube da Esquina ou o Tropicalismo. Como tudo é mais solto, ganhou-se em diversidade, quantidade e qualidade. Mas não temos programas consistentes na área de música. O artista aqui tem de ser compositor, instrumentista, produtor, divulgador e iluminador, pois precisa economizar para ter condições de fazer circular o seu produto. Recurso financeiro é fundamental, mas não é só isso que falta. Quantas rádios tocam a música feita em Minas? Poucas. No Rio, na Bahia, em São Paulo e no Pará elas são várias, há mais apoio.
Como é a situação da música no interior do estado?
O grande sonho do músico do interior é vir para a capital, porque a cidade dele não tem espaço. A situação podia ser diferente. Mas as prefeituras não investem na construção de espaços e ações que priorizem a cultura local. Sabem que na cidade tem artista de qualidade, mas a maioria contrata uma banda baiana. Chico Lobo e Pereira da Viola fizeram em Ouro Preto um carnaval maravilhoso para 10 mil pessoas. O axé, o arrocha, tudo isso é imposição que acaba matando a música local e regional. São raras as prefeituras que, no aniversário das cidades, convidam os artistas locais e regionais para tocar nas comemorações.
Como vê as bandas civis e os grupos de folia e congados?
Sinto falta de incentivo a composição para as bandas civis, que, muitas vezes, são a primeira escola que oferece contato com a música. Existem bandas em todas as cidades mineiras, mas o repertório é o mesmo há dezenas de anos. O último compositor que escreveu para elas é Bellini de Andrade, de Abaeté. Com relação aos congados, a situação é outra: falta a eles possibilidade de circulação. Só ônibus para poder viajar já seria um grande avanço. Temos, hoje, inclusive em Belo Horizonte, encontros desses grupos que reúnem milhares de pessoas.