Em meio à avalanche de títulos despejados pelas maiores gravadoras do planeta, o pop-rock internacional uma vez mais se viu tomado por variegadas obviedades e obtusas repetições que atravessaram o ritmo em 2013. Ainda assim, mediante algum esforço foi possível peneirar tal entulho para de lá extrair algumas pepitas que, dado seu mérito artístico, literalmente pagam o preço que custaram às majors em ouro.
Pense na possessa P. J. Harvey dos tempos do look de Medusa à frente dos Ramones adolescentes. Assim é Savages, banda feminina apadrinhada pelo cineasta esquisitão David Lynch. Em seu CD de estreia, Savages reinventa o termo confrontação, uma caixa de Pandora da qual escapam maldades punk, pós-punk, krautrock e cacofonias mil. Liderada por Jehnny Beth, uma francesinha cujas letras endossam pornografia, sexo violento e bizarros manifestos cabaré-dadaístas, Savages faz as mais notórias bandas femininas, como Runaways, The Slits e L7, soarem como Britney Spears.
De resto, vale lembrar ainda a surpreendentemente vigorosa “segunda vinda” mostrada pelo Black Sabbath em 13; a sedição black metal-prog-avant-garde que o mago sueco das sombras Ihsahn comandou em seu álbum Das seelenbrechen; as transgressivas irrupções de lava sedimentadas em camadas de post-rock, indie-shoegaze e black metal que o grupo Sunbather fez jorrar em Deafheaven; as demenciais incursões que Steve Wilson (também líder do Porcupine Tree) realizou sobre os despojos do rock progressivo, do hard e do metal no excepcional The raven refused to sing (and other stories); a volta por cima dos psiconautas franco-canadenses do Voivod em Target Earth; os delírios art-rock-punk-biker metal que o emergente Kylesa vivenciou em Ultraviolet e a matadora mescla stoner-jamband-bluesy-punk que os velhinhos do Clutch despacharam via Earth rocker.
Estranhos no ninho
Tuba, trombone, trompas de chifre, fagote, xilofones, piano preparado, martelos, gigantescos tambores de guerra japoneses, sintetizador e o som de facas sendo amoladas. Essa é apenas parte da instrumentação usada pela These New Puritans. Se no prévio Hidden essa elástica formação inglesa guiada pelos gêmeos Jack e George Barnett arrepiou os ouvintes com uma espécie de trilha sonora para queimar bruxas em exorcismos noturnos, sua mescla de minimalismo pós-Steve Reich, primitivos ritmos tribais, apropriações operísticas do austero Benjamin Britten e infusões electro-dubstep dancehall deram lugar ao não menos intrigante Field of Reeds. Lá, fado (vide as intervenções da cantora Elisa Rodrigues), cantos gregorianos, coral infantil, ensemble de sopros e gravações de campo coalescem para sugerir uma colisão da música neoclássica com o frenesi eletrônico do LCD Soundsystem! Será o advento do doombeat? No mesmo pódio, ainda ocuparam lugares honrosos o rapper Kanye West com o radical Yeezus; a trama tecida pela inglesinha Laura Marling (foto) por meio de retalhos do folclore celta, do swamp-blues, de aclimatações orientais e do primitivo jazz de New Orleans para dar vida ao seu Once I was an eagle; o isolacionismo prog-folk-ambient no qual se fechou o texano Midlake para verter o sinistro Antiphon e a corajosa justaposição de clichês electro e house com a abrasão pós-industrial e devaneios synth-noir que o londrino Factory Floor conjurou em seu álbum de estreia.
Batalhas psíquicas
A psicodelia não morreu. Ao desfraldar ainda mais alto a chamada freak flag que meio século atrás tremulou no mastro da nau sem rumo hippie, Hookworms pontuou em 2013 com alucinados parceiros (Teeth of the Sea, Bosnian Rainbows, Unknown Mortal Orchestra, Ultra Electric Mega Galactic, Foxygen, Bitchin Bajas) quando dispensou todo e qualquer senso de orientação para perscrutar o infinito transcendental. No CD Pearl mystic, o quarteto inglês reanima o cadáver de Syd Barrett ao injetar em suas veias uma fórmula ácida decantada por rudimentares efeitos lo-fi, deformadas batidas hip-hop, esquecidas escalas prog, púrpuras névoas funky e guitarras a reverberar o ectoplasma do cosmos. Uma estranha jornada galáctica sem passagem de volta que reduz a “viagem” do Tame Impala a um passeio de velocípede pelo quarteirão. Prêmio Major Tom: nada mais justo que agraciar o ainda viajandaço Primal Scream de Bobby Gillespie (foto) pelo seu meta(físico) álbum duplo More light.
Velhos de guerra
Na ala mais madura da cena pop-rock, louve-se a volta de David Bowie e as provocações mórbidas que o artista inoculou nas faixas do supremo The next day. Mas também fizeram por merecer aplausos de pé a esfuziante (trans)fusão techno-electro-synth-pop que o Pet Shop Boys (Neil Tennant e Christopher Lowe na foto) aplicou em Electric; as mussitações prog-folk apocalípticas que o septuagenário inglês Roy Harper inseriu nas faixas do conceitual Man & mith; a tradição secular que impregnou de paixão a música gospel alardeada pela angelical voz negra de Mavis Staples (com uma mãozinha do wilcoman Jeff Tweedy) em One true vine; a desconstrução do stoner rock e seus assemelhados operada pelo Queens of the Stone Age em seu sardônico ...Like clockwork; o sofisti-pop que a figura bíblica do escocês Paddy McAllon – alter ego do grupo Prefab Sprout – se valeu para confeccionar a obra-prima Crimson/Red e a evisceração do blackpower e seus apêndices (r&b, soul, funk, hip-hop) operada pelos afiados bisturis do branco-azedo Elvis Costello e dos negões do The Roots – talvez a mais bem-sucedida e insólita parceria já estabelecida no século 21.
Pense na possessa P. J. Harvey dos tempos do look de Medusa à frente dos Ramones adolescentes. Assim é Savages, banda feminina apadrinhada pelo cineasta esquisitão David Lynch. Em seu CD de estreia, Savages reinventa o termo confrontação, uma caixa de Pandora da qual escapam maldades punk, pós-punk, krautrock e cacofonias mil. Liderada por Jehnny Beth, uma francesinha cujas letras endossam pornografia, sexo violento e bizarros manifestos cabaré-dadaístas, Savages faz as mais notórias bandas femininas, como Runaways, The Slits e L7, soarem como Britney Spears.
De resto, vale lembrar ainda a surpreendentemente vigorosa “segunda vinda” mostrada pelo Black Sabbath em 13; a sedição black metal-prog-avant-garde que o mago sueco das sombras Ihsahn comandou em seu álbum Das seelenbrechen; as transgressivas irrupções de lava sedimentadas em camadas de post-rock, indie-shoegaze e black metal que o grupo Sunbather fez jorrar em Deafheaven; as demenciais incursões que Steve Wilson (também líder do Porcupine Tree) realizou sobre os despojos do rock progressivo, do hard e do metal no excepcional The raven refused to sing (and other stories); a volta por cima dos psiconautas franco-canadenses do Voivod em Target Earth; os delírios art-rock-punk-biker metal que o emergente Kylesa vivenciou em Ultraviolet e a matadora mescla stoner-jamband-bluesy-punk que os velhinhos do Clutch despacharam via Earth rocker.
Estranhos no ninho
Tuba, trombone, trompas de chifre, fagote, xilofones, piano preparado, martelos, gigantescos tambores de guerra japoneses, sintetizador e o som de facas sendo amoladas. Essa é apenas parte da instrumentação usada pela These New Puritans. Se no prévio Hidden essa elástica formação inglesa guiada pelos gêmeos Jack e George Barnett arrepiou os ouvintes com uma espécie de trilha sonora para queimar bruxas em exorcismos noturnos, sua mescla de minimalismo pós-Steve Reich, primitivos ritmos tribais, apropriações operísticas do austero Benjamin Britten e infusões electro-dubstep dancehall deram lugar ao não menos intrigante Field of Reeds. Lá, fado (vide as intervenções da cantora Elisa Rodrigues), cantos gregorianos, coral infantil, ensemble de sopros e gravações de campo coalescem para sugerir uma colisão da música neoclássica com o frenesi eletrônico do LCD Soundsystem! Será o advento do doombeat? No mesmo pódio, ainda ocuparam lugares honrosos o rapper Kanye West com o radical Yeezus; a trama tecida pela inglesinha Laura Marling (foto) por meio de retalhos do folclore celta, do swamp-blues, de aclimatações orientais e do primitivo jazz de New Orleans para dar vida ao seu Once I was an eagle; o isolacionismo prog-folk-ambient no qual se fechou o texano Midlake para verter o sinistro Antiphon e a corajosa justaposição de clichês electro e house com a abrasão pós-industrial e devaneios synth-noir que o londrino Factory Floor conjurou em seu álbum de estreia.
Batalhas psíquicas
A psicodelia não morreu. Ao desfraldar ainda mais alto a chamada freak flag que meio século atrás tremulou no mastro da nau sem rumo hippie, Hookworms pontuou em 2013 com alucinados parceiros (Teeth of the Sea, Bosnian Rainbows, Unknown Mortal Orchestra, Ultra Electric Mega Galactic, Foxygen, Bitchin Bajas) quando dispensou todo e qualquer senso de orientação para perscrutar o infinito transcendental. No CD Pearl mystic, o quarteto inglês reanima o cadáver de Syd Barrett ao injetar em suas veias uma fórmula ácida decantada por rudimentares efeitos lo-fi, deformadas batidas hip-hop, esquecidas escalas prog, púrpuras névoas funky e guitarras a reverberar o ectoplasma do cosmos. Uma estranha jornada galáctica sem passagem de volta que reduz a “viagem” do Tame Impala a um passeio de velocípede pelo quarteirão. Prêmio Major Tom: nada mais justo que agraciar o ainda viajandaço Primal Scream de Bobby Gillespie (foto) pelo seu meta(físico) álbum duplo More light.
Velhos de guerra
Na ala mais madura da cena pop-rock, louve-se a volta de David Bowie e as provocações mórbidas que o artista inoculou nas faixas do supremo The next day. Mas também fizeram por merecer aplausos de pé a esfuziante (trans)fusão techno-electro-synth-pop que o Pet Shop Boys (Neil Tennant e Christopher Lowe na foto) aplicou em Electric; as mussitações prog-folk apocalípticas que o septuagenário inglês Roy Harper inseriu nas faixas do conceitual Man & mith; a tradição secular que impregnou de paixão a música gospel alardeada pela angelical voz negra de Mavis Staples (com uma mãozinha do wilcoman Jeff Tweedy) em One true vine; a desconstrução do stoner rock e seus assemelhados operada pelo Queens of the Stone Age em seu sardônico ...Like clockwork; o sofisti-pop que a figura bíblica do escocês Paddy McAllon – alter ego do grupo Prefab Sprout – se valeu para confeccionar a obra-prima Crimson/Red e a evisceração do blackpower e seus apêndices (r&b, soul, funk, hip-hop) operada pelos afiados bisturis do branco-azedo Elvis Costello e dos negões do The Roots – talvez a mais bem-sucedida e insólita parceria já estabelecida no século 21.