“A carreira artística antecede qualquer movimento acadêmico, mas, como a banda se tornou algo meio underground, nunca quis misturar as coisas”, esclarece o vocalista e guitarrista, na banda desde a fundação, em 1986. Concursado na área de ciência da linguagem, em 2009, o metaleiro passou a trabalhar com análise de discurso na UFSJ, sendo promovido a pró-reitor de Extensão e Assuntos Comunitários da instituição de ensino superior três anos depois. “No departamento em que dou aulas, a dupla jornada não só é aceitável, como desejável”, reconhece.
Curiosamente, a área de educação tem sido a que mais atrai metaleiros, paralelamente à carreira artística. “Só dá pé-rapado, gente que acredita em alguma coisa”, diz em tom de brincadeira Paulo Caetano, pai de duas crianças. E faz questão de dizer que São João del-Rei o acolheu muito bem. “A universidade é a principal fonte de receita da cidade”, explica, salientando o fato de, ao integrar a extensão da instituição, ficar diretamente envolvido com as questões da região.
O baixista Marcos Eduardo de Carvalho Rodrigues, de 45 anos, da pioneira Sagrado Inferno, que hoje é diretor da Escola Estadual Rodrigo de Castro Moreira Pena, de Santa Bárbara, diz que a vida dele foi estudar e trabalhar desde cedo. “Além de cozinhar e entregar marmita, tive bar antes de concluir a faculdade de história e começar a dar aulas em Belo Horizonte.”
Convidado para coordenar uma escola na Região Central do estado, o baixista manteve a vivência com o rock e o metal, seguido pelos filhos, Júnior, de 17 anos (guitarra), e Lucas (baixo), de 13 anos, com os quais ele passou a tocar (bateria), “para não perder a toada”, em Santa Bárbara. Vale lembrar que, em 1986, por causa de um desentendimento do então guitarrista Silvinho com João Eduardo de Faria Filho, proprietário da Cogumelo Records, a banda Sagrado Inferno perdeu para o Sepultura (que dividiu a gravação com a Overdose) o protagonismo do primeiro disco de metal produzido em Minas Gerais: 'Século XX/Bestial devastation'.;
Intercâmbio
“Se por um lado enfrentamos dificuldades para chegar às gravadoras, de certa forma isso acabou nos dando mais força. Prova disso é o fato de o metal brasileiro hoje ser bem recebido no mundo inteiro, além de a gente também receber bandas estrangeiras”, avalia Paulo Henrique Caetano, da Withhammer, que recentemente tocou ao lado de bandas da Croácia e da Alemanha em Belo Horizonte. “Quando fomos agradecer a presença dos croatas, eles nos disseram que estavam realizando um sonho, pelo fato de terem crescido ao som da nossa música”, orgulha-se o guitarrista da primeira banda mineira de metal a gravar, em 1989, com vocal lírico da cantora Sylvia Klein, então namorada de Paulo Caetano.
Com seis discos gravados, além de clipes em DVDs piratas espalhados no mercado, a banda pouco tem explorado a divulgação do trabalho, de acordo com o guitarrista, ignorando o próprio potencial da internet. “Dos integrantes, apenas Cazito (vocal e baixo) tem Facebook e aciona as redes sociais”, confessa Paulo Henrique Caetano. “A nossa preocupação é tocar bem. Somos uma banda cult, digamos assim”, acrescenta o guitarrista, lembrando que há pelo menos um ano a Withhammer está gravando um novo CD autoral.
Burocracia
Apenas recentemente o contador Marco Antônio Silva, de 46 anos, teve a carreira de metaleiro revelada no ambiente de trabalho. Ao se encontrar com um conhecido apresentador de rádio, durante palestra no Instituto Estadual de Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG), onde Marco Antônio trabalha há três anos, o guitarrista Mark, da banda Chakal, teve, enfim, a identidade revelada.
“De repente, o radialista me viu e veio cumprimentar. Até então os colegas de trabalho não sabiam que eu era músico. Ainda mais de heavy metal”, diverte-se Marco Antônio, admitindo que no ambiente de trabalho a postura dele não é tão despojada quanto no palco. Mas, afinal, há o momento em que os dois personagens se encontram no dia a dia do contador e guitarrista? “Há sim, mas procuro focar em cada um na hora certa. Não dá para misturar uma coisa com a outra”, afirma Marco.
“Se uma ideia musical chega no trabalho, rascunho rapidamente no papel para não perdê-la”, revela o também compositor, ressaltando que as rotinas do contador e do músico são distintas. Antes do Iepha, para o qual prestou concurso, o contador-guitarrista trabalhou durante 20 anos nos Correios. Nesta empresa, chegou a ganhar em festivais de música.
Nascido em São Paulo e criado em Belo Horizonte, Marco Antônio de Souza começou a tocar guitarra aos 17 anos, sob influência do Clube da Esquina. Ao assistir pela TV a um show da banda Van Halen, liderada pelo guitarrista Eddie Van Halen, despertou para o hard rock, que acabaria levando-o ao metal. No Bar Metallica Space, do Bairro Alípio de Melo, Região Noroeste de Belo Horizonte, que abrigava roqueiros de todas as tendências, conheceu os amigos com os quais fundaria a banda, cuja estreia fonográfica, em 2006, ocorreu em coletânea da Cogumelo Discos. O mais recente lançamento da Chakal foi feito no 7º Triumph of Metal Festival, de Pouso Alegre, no Sul de Minas.
De volta ao vinil
Três dos maiores discos do heavy metal brasileiro, originalmente lançados pela Cogumelo Records, de Belo Horizonte, estão ganhando reedição na coleção Clássicos em Vinil, da Polysom, do Rio de Janeiro. Trata-se dos dois primeiros álbuns do Sepultura, 'Morbid visions' e 'Schizophrenia', e o clássico 'I.N.R.I.', do Sarcófago.
Licenciados pela Cogumelo, os lançamentos fizeram época na capital mineira, conhecida desde então como uma “usina do metal”. Morbid visions, de 1986, marcou o início de carreira do Sepultura, que já havia dividido o EP 'Bestial devasttation' com a banda Overdose. No repertório, sucessos como a faixa-título, além de 'Empire of the damned' e 'Troops of doom'. Um ano depois o Sepultura lançaria 'Schizophrenia', disco que marca o começo do sucesso internacional da banda mineira.
Já a Sarcófago tem sua estreia com o álbum 'I.N.R.I.', cujas letras de posição anticristã e extremista seriam responsáveis pelas polêmicas com as quais a banda se envolveria no decorrer da carreira.